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ARTES PLÁSTICAS
Intervenções da artista americana aliam "poesia" a tecnologia
Proteja-se de Holzer
SHEILA GRECCO
da Redação
"A propriedade privada criou o
crime." "Quem pensa que é importante é louco." "Divirta-se, já
que você não consegue mudar nada." Depois de iluminar morros
no Rio de Janeiro com frases entre
filosóficas e irônicas, o trabalho
da artista plástica Jenny Holzer
está em São Paulo, em sua primeira mostra individual na América
Latina. Hoje é o último dia para
ver a exposição, que segue para
Buenos Aires e Cidade do México.
A mostra traz três instalações
inéditas: "Toaster", que ganhou o
Leão de Ouro na Bienal de Veneza
em 1991; "Lustmord", coleção de
ossos envoltos em argolas de metal, com inscrições representando
a violência sofrida pelas mulheres; e "Mother and Child", letreiros multicoloridos que
tratam do relacionamento humano.
A curadoria do evento é do designer Marcello Dantas. Ele acredita que "uma linha de
Holzer pode ser mais
iluminadora que uma
sessão de análise". Em
"Toaster", há uma babel linguística de textos, traduzidos por
Mauro Pinheiro e os
poetas Antonio Cicero
e Leonardo Fróes.
Nascida em Ohio
(EUA), Holzer, 49, se
projetou internacionalmente em 1982,
quando veiculou suas
frases nos luminosos
da Times Square, em
Nova York. Autora do
que ela define como
"truísmos", frases curtas e provocantes, Holzer utiliza todo tipo de
suporte -pôsteres,
placas de metal, bancos de mármore ou
granito, bonés, camisetas, TV e
Internet. "O artista tem de estimular a reflexão, independentemente do meio", explica Holzer.
Seu trabalho se aproxima de um
novo conceito de arte pública, que
se apropria tanto dos espaços
convencionais quanto dos mais
inesperados, como pedras ou o
Parlamento Alemão, em Berlim.
Neste ela realizou uma polêmica
instalação, com um painel eletrônico que transmite textos de Hitler a Helmut Kohl.
De seu estúdio em Nova York,
Jenny falou à Folha, por telefone,
respondendo de maneira bem-humorada e econômica, a exemplo de seus "truísmos".
Folha - O seu trabalho usa diversos suportes, dos letreiros
em neon à Internet. Você acredita que as novas tendências
das artes devam aliar a tecnologia à criatividade?
Jenny Holzer- Alguns tipos de
arte, sim, é claro, tendem a misturar tecnologia com criatividade,
mas outras não têm nada a ver
com tecnologia. A pintura e os desenhos continuarão a ser feitos
simplesmente com as mãos. Ainda que isso possa ser agilizado e
incrementado com a informática,
nada substituirá o trabalho e a
sensibilidade. Quando há a possibilidade de junção de ambas as
coisas, o resultado é sempre inovador. No meu trabalho, utilizo
também a tecnologia para ver como as pessoas reagem ao acúmulo e à rapidez de informação.
Folha - Por que você abandonou a pintura abstrata e decidiu
lidar com as palavras?
Holzer - Por uma série de razões. Uma das principais é simplesmente porque eu não era boa
o suficiente (risos). Outra, e a
mais importante de todas, é que a
arte abstrata não era capaz de lidar com o que acontecia de concreto no mundo. A descoberta
dos truísmos foi mais forte para
mim do que a pintura abstrata.
Folha - Como foi a experiência
de pichar muros com Keith Haring, um dos expoentes da arte
americana nos anos 80?
Holzer - Trabalhei com Keith
em muitos projetos. Foi muito reveladora nossa parceria e contribuiu muito para o que faço em
termos de desafio de linguagem.
Folha - Os truísmos são uma
espécie de poesia concreta?
Holzer - Eu gostaria, mas não
são (risos). Creio que eles são
mais básicos e simples do que
poesia. Meus truísmos são o mínimo de palavras necessárias para
expressar o máximo de idéias.
Folha - Quais são as suas relações com a poesia?
Holzer - Eu tenho, ao contrário
do que se imagina, uma grande
distância da poesia. Gosto muitíssimo, mas confesso que todos os
grandes poemas que eu admiro
me assustam ou me tornam fraca.
Então, evito-os ao máximo.
Folha - O curador de sua exposição diz que seus trabalhos valem mais que uma sessão com
psicólogo. Você concorda?
Holzer - Não, mas talvez seja
melhor duas sessões de análise
depois (risos).
Folha - Qual é o seu público e
qual a reação ao seu trabalho?
Holzer - Geralmente os jovens
são os mais receptivos. Há pessoas que ficam profundamente irritadas, me disseram que era uma
irresponsabilidade colocar material tão subversivo nas ruas, houve protesto de ecologistas, outros
me disseram que era extremamente engraçado, outros choraram depois de ler "Mother and
Child".
Folha - A arte pública tem
maior capacidade de comoção?
Holzer - Por vezes, ela pode provocar debates no cotidiano das
pessoas, na ida ao trabalho. Eu
adoro e faço arte pública, mas
uma das minhas principais ocupações é ir a museus.
Folha - Suas mensagens teriam uma relação especial com
o Brasil, já que os "ditados" fazem parte do nosso cotidiano,
em especial entre os caminhoneiros, que os utilizam como
frases de auto-ajuda?
Holzer - Eu creio que parte da
boa recepção se deva a isso, trabalho com o conhecido, com os considerados clichês. A descoberta
não está na mensagem, mas na
forma como isso é apresentado.
Folha - Quais são as fronteiras
entre arte, publicidade e comunicação de massas, pessoal e
privado, uma vez que seu trabalho lida com todas essas bases?
Holzer - Isso está vinculado
com as circunstâncias concretas.
Dependendo do trabalho, essas
fronteiras mudam. Creio que deve haver um limite entre o meu
trabalho e a publicidade, caso
contrário perderia a especificidade de uma obra. O artista veicula
idéias e não produtos.
Folha - A tão falada perda da
"aura", tal como proclamava
Walter Benjamin, não lhe assusta?
Holzer - Estou feliz com o que
faço e jamais parei para pensar
nisso. O importante é provocar a
reflexão "aqui e agora", no cotidiano das pessoas.
Folha - Você costuma dizer
que "a propriedade privada
criou o crime" e que "a elite é
inevitável". Isso é mais real em
países como o Brasil?
Holzer - O truísmos
falam de tudo, desde
circunstâncias políticas a relacionamentos
pessoais. Essas frases
fazem parte de um
contexto maior. É claro que as desigualdades sociais são mais
evidentes e chocantes
em países como o Brasil. Mas a minha crítica pretende ser mais
abrangente e vai contra o tipo de relacionamento, mesquinho,
subumano que pode
se dar em qualquer lugar, Brasil, EUA etc.
Folha - Como foi
criar arte a partir de
discursos políticos? O
envolvimento direto
da arte com a história
não corre o risco de
torná-la panfletária?
Holzer - No Reichstag, no corredor da
entrada dos políticos,
coloquei um dispositivo eletrônico que repete uma
grande seleção de discursos feitos
ali desde o século passado até a
atualidade. A montagem não é didática, acho que aí está a distância
do panfletarismo.
Folha - O fato de ser feminista
levou-a a construir a obra "Lustmord" (assassinato sexual)?
Holzer - O fato de lutar pelos direitos humanos, mais do que pelo
feminismo, instigou-me a construir "Lustmord". Espero que essa obra chame a atenção para a
tortura e a repressão sofrida por
mulheres, os estupros em especial, na Guerra da Bósnia. Mas
não é uma obra datada, no sentido de que a banalização da violência ocorre a toda hora.
Folha - A arte é instrumento
de mudanças?
Holzer - Instrumento de reflexão, o que já é um passo.
A exposição
"Proteja-me Do Que Eu Quero" - Sesc Vila
Mariana (r. Pelotas, 141, São Paulo, tel.
0/xx/11/ 5080-3000). Hoje, das 10 às
19h. Entrada franca. Os truísmos da artista podem ser lidos e modificados no site: http://adaweb.com/cgi-bin/jfsjr/truism
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