|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PONTO DE FUGA
Espíritos e fantasmas
JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York
Ir ao cinema é um pouco deixar-se entrar em transe: no escuro, somos isolados do mundo e invadidos por aquilo que
vemos e ouvimos. "Stir of
Echoes", filme de David
Koepp, estrelado por Kevin
Bacon, faz dessas sensações
um caminho para o sobrenatural. Ao ser hipnotizado, Tom
Whitzky, o personagem cético,
deve imaginar uma sala de
projeção: as luzes estão apagadas, a tela está em branco, onde
algumas letras indecisas tentam se formar. É por aí, por
meio de uma sessão sonhada,
que os mortos entram em contato com ele. Como, ao ver o
filme, os espectadores contemplam também o que o personagem imagina, o cinema torna-se um curioso "médium".
"Stir of Echoes" faz um apelo à
"verdade" virtual sentida na
ficção, como o faz, ao seu modo de "cinema-verdade", a
bruxa de Blair. Koepp, o diretor, colaborou com Brian de
Palma; há cenas claustrofóbicas que evocam "Snake Eyes".
Koepp transmite perturbações interiores, mentais ou espirituais, por meio de uma presença física e torturada dos
atores: é muito poderosa a sequência em que Kevin Bacon
cava obsessivamente no quintal, junto com seu filho. A ligação triangular pai-menino-fantasma, aliás, baseia-se em
tradição inventada pelos românticos, na qual as crianças
seriam veículos privilegiados
do além. Essa tradição provocou pelo menos duas obras-primas: "The Turn of the
Screw", a novela original de
Henry James, e sua adaptação
no cinema por Jack Clayton.
Arrepio - Hitchcock dizia: o
medo não é causado pelo tiro,
mas pelo que vem antes do tiro. O terror, no cinema, não
emana do que é mostrado, mas
do escuro, do que está escondido por trás da porta, dentro do
armário ou no porão. Uma
verdade confirmada no recente "The Haunting", cuja abundância de efeitos especiais destruiu o romance indizível de
Shirley Jackson e fez o filme
naufragar. Mas não há apenas
o cansaço do público diante
das imagens fabulosamente
animadas por computadores.
"The Blair Witch Project",
"Stir of Echoes" e "The Sixth
Sense", filmes de grande sucesso, indicam caminhos por entre enigmas extra-sensoriais.
"The Blair Witch" é o fenômeno que se sabe; "The Sixth
Sense" possui uma grande história e uma direção discreta;
"Stir of Echoes" é mais pessoal
e barroco. O que parece seduzir o público nesses três filmes,
além do suspense invisível, é
um tom "new age" de diálogos
"possíveis" com os mortos.
Tudo está no "feeling". Não há
exatamente horror, nem sangue ou vísceras, mas antes sintonias finas de contato além-túmulo. Uma sensibilidade sutil adequando-se a um fim de
século difusamente místico.
É só arte! - "Sensation", provocadora exposição já vista em
Londres e Berlim, traz, por
exemplo, uma verdadeira vaca
cortada ao meio ou um retrato
da Virgem Maria feito com excremento de elefante. O Museu
do Brooklyn, em NY, deve recebê-la agora, mas o prefeito
da cidade, Giuliani, numa atitude jeca, declarou que cortará
os subsídios municipais ao
museu (US$ 7 milhões) caso isso aconteça. Giuliani fala em
"arte doente", o que remete, de
imediato, à idéia de "arte degenerada", noção forjada pelos
nazistas para nomear as experiências modernas.
Dispersão - "Rien sur Robert", filme de Pascal Bonitzer,
começa bem, em torno de um
fato real: um conhecido intelectual francês, sem ter visto
um filme, não hesita em arrasá-lo, porém, num artigo para
o "Le Monde"! Sem moralismo, o personagem, vivido pelo
fantástico ator Fabrice Lucchini, encontra-se entalado nas situações mais absurdas. Mas a
vivacidade some logo e a magia
do início não se mantém, embora algumas centelhas iluminem-se de vez em quando.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
Texto Anterior: Artes plásticas: Proteja-se de Holzer Próximo Texto: Risco no disco - Ledusha Spinardi: Terra à vista Índice
|