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País sempre mercantil
Para cientista político, trabalho do intelectual levou a sociedade brasileira a perder a idéia de nação
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
COLUNISTA DA FOLHA
Caio Prado Jr. foi um
dos grandes intelectuais que pensaram o
Brasil em uma época
em isto ainda se fazia
-até os anos 1960. Desde o começo do século 20, grandes figuras como Silvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Raymundo Faoro e Celso Furtado
buscaram a identidade do Brasil e pensaram o processo de
sua afirmação nacional. Denomino o grande ciclo político da
sociedade brasileira dessa época, que termina com o golpe
militar de 1964, "Ciclo Nação e
Desenvolvimento".
Caio Prado faz parte desse ciclo por meio de três grandes livros de interpretação do Brasil:
"Evolução Política do Brasil",
"Formação do Brasil Contemporâneo" e "História Econômica do Brasil".
Entre todos os autores citados, porém, ele talvez tenha sido o que menos se identificou
com o nacionalismo dominante entre os intelectuais brasileiros do seu tempo.
Materialismo histórico
Seu marxismo dificultava
identificação nacional maior;
os marxistas, como os liberais,
são internacionalistas. Ele foi o
primeiro grande intelectual
marxista brasileiro, porque
soube aplicar o materialismo
histórico para pensar o Brasil
sem transformá-lo em uma camisa-de-força teórico-ideológica, mas usando-o de forma
criativa como um método crítico, aberto e dialético.
Sua análise da natureza da
colonização brasileira -uma
colonização de exploração
mercantil em vez de uma colonização de povoamento como
ocorreu no Nordeste dos Estados Unidos- é uma das análises mais esclarecedoras do Brasil e dos fundamentos do seu
atraso econômico.
Caio Prado Jr., entretanto,
jamais compreendeu o Brasil
industrial -o Brasil que começa a nascer no final do século 19
e entra em processo de transformação revolucionária a partir de 1930. Ele não soube reconhecer o papel decisivo que tiveram, de um lado, a crise do
sistema imperial mundial com
a Grande Depressão dos anos
1930, e de outro, a liderança de
Getúlio Vargas e de todo um
grupo de nacionalistas que assume o poder então para viabilizar as revoluções industrial e
nacional brasileiras que ocorrem entre 1930 e 1960.
Reação indignada
Embora a industrialização
tenha mudado o país naqueles
30 anos, ele iria afirmar, em "A
Revolução Brasileira" (1966),
que a formação social brasileira
continuava sempre mercantil.
Embora os empresários industriais tenham se originado de
imigrantes de classe média, ele
assegurou nesse livro que esses
empresários tinham origem
fundamentalmente nas famílias ligadas ao café.
Talvez suas origens aristocráticas, ligadas ao café, estejam na base dessas posições. "A
Revolução Brasileira", porém,
só se explica como uma reação
indignada contra 1964 -que o
levou a fazer uma aliança com
os jovens sociólogos de esquerda da USP que, nos anos 1960,
criticavam Vargas e a estratégia
nacional-desenvolvimentista.
Essa crítica contribuiu para a
implantação da democracia
brasileira, mas foi um fator importante que levou a sociedade
brasileira à perda da idéia de
nação desde então -algo pelo
qual ela paga caro até hoje.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , professor
emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60" e "Desenvolvimento e Crise
no Brasil" (ambos pela ed. 34).
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