São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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País sempre mercantil

Para cientista político, trabalho do intelectual levou a sociedade brasileira a perder a idéia de nação

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
COLUNISTA DA FOLHA

Caio Prado Jr. foi um dos grandes intelectuais que pensaram o Brasil em uma época em isto ainda se fazia -até os anos 1960. Desde o começo do século 20, grandes figuras como Silvio Romero, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Raymundo Faoro e Celso Furtado buscaram a identidade do Brasil e pensaram o processo de sua afirmação nacional. Denomino o grande ciclo político da sociedade brasileira dessa época, que termina com o golpe militar de 1964, "Ciclo Nação e Desenvolvimento".
Caio Prado faz parte desse ciclo por meio de três grandes livros de interpretação do Brasil: "Evolução Política do Brasil", "Formação do Brasil Contemporâneo" e "História Econômica do Brasil". Entre todos os autores citados, porém, ele talvez tenha sido o que menos se identificou com o nacionalismo dominante entre os intelectuais brasileiros do seu tempo.

Materialismo histórico
Seu marxismo dificultava identificação nacional maior; os marxistas, como os liberais, são internacionalistas. Ele foi o primeiro grande intelectual marxista brasileiro, porque soube aplicar o materialismo histórico para pensar o Brasil sem transformá-lo em uma camisa-de-força teórico-ideológica, mas usando-o de forma criativa como um método crítico, aberto e dialético.
Sua análise da natureza da colonização brasileira -uma colonização de exploração mercantil em vez de uma colonização de povoamento como ocorreu no Nordeste dos Estados Unidos- é uma das análises mais esclarecedoras do Brasil e dos fundamentos do seu atraso econômico.
Caio Prado Jr., entretanto, jamais compreendeu o Brasil industrial -o Brasil que começa a nascer no final do século 19 e entra em processo de transformação revolucionária a partir de 1930. Ele não soube reconhecer o papel decisivo que tiveram, de um lado, a crise do sistema imperial mundial com a Grande Depressão dos anos 1930, e de outro, a liderança de Getúlio Vargas e de todo um grupo de nacionalistas que assume o poder então para viabilizar as revoluções industrial e nacional brasileiras que ocorrem entre 1930 e 1960.

Reação indignada
Embora a industrialização tenha mudado o país naqueles 30 anos, ele iria afirmar, em "A Revolução Brasileira" (1966), que a formação social brasileira continuava sempre mercantil.
Embora os empresários industriais tenham se originado de imigrantes de classe média, ele assegurou nesse livro que esses empresários tinham origem fundamentalmente nas famílias ligadas ao café.
Talvez suas origens aristocráticas, ligadas ao café, estejam na base dessas posições. "A Revolução Brasileira", porém, só se explica como uma reação indignada contra 1964 -que o levou a fazer uma aliança com os jovens sociólogos de esquerda da USP que, nos anos 1960, criticavam Vargas e a estratégia nacional-desenvolvimentista.
Essa crítica contribuiu para a implantação da democracia brasileira, mas foi um fator importante que levou a sociedade brasileira à perda da idéia de nação desde então -algo pelo qual ela paga caro até hoje.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60" e "Desenvolvimento e Crise no Brasil" (ambos pela ed. 34).


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