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PONTO DE FUGA
O Caixeiro-Viajante
JORGE COLI
em Nova York
Há alguns aspectos envelhecidos na peça, algo no estilo,
talvez. Algo assim: "A selva é
escura, mas cheia de diamantes", "a melodia fala de prados, de árvores e de horizonte". Isto é, algumas frases, e
também situações, de poesia
forçada. Há um claro simplismo psicológico, muito mecânico, explicando ações dos personagens. Mas "A Morte do
Caixeiro-Viajante", de Arthur
Miller(1915), na Broadway, dirigida por Robert Fall, mostra
sua implacável solidez e ultrapassa as questões mais imediatas que interessaram o autor.
Brian Dennehy (protagonista
de "A Barriga do Arquiteto",
de Peter Greenaway) é o caixeiro, fenomenal ator, dominando a cena com um poder hipnótico sobre a platéia. Todo o
elenco, porém, carrega o público em fluxos que se entrosam e
se entrelaçam. O impacto da
estréia, em 1949, veio em grande parte pela novidade da
montagem, que misturava lugares do presente, da memória
e do imaginário -princípio
que, então, Nelson Rodrigues
já radicalizara em "Vestido de
Noiva". Agora, os meios técnicos são espetaculares, com palcos giratórios, iluminações
complexas e perfeitas. O que ficou da peça não é tanto, porém, a originalidade da encenação, o psicologismo pesado
ou o desmontar do sonho americano de classe média. É a força simples, central, inexplicável, do descompasso entre o
homem e os seus sonhos que
confere a esse caixeiro-viajante, numa casinha modesta, a
ampla e superior majestade
dos grandes trágicos.
ANJO - Pavarotti celebra 30
anos de sua estréia na "Metropolitan Opera House". Está
mais magro. É uma das mais
belas vozes de todos os tempos, sucessor autêntico de Caruso e Gigli. Passou por uma
fase crítica, superada, porém: o
timbre solar e generoso, os
agudos fáceis voltaram às suas
características iniciais. Possui
uma personalidade muito calorosa, que transparece em
seus personagens. Na "Tosca", que canta atualmente, encarna o mais simpático dos Cavaradossi. Sua parceira é Carol
Vaness, célebre intérprete da
heroína, cuja voz é sem dúvida
ampla, mas de uma cor ingrata
e com agudos estrangulados.
Ela não possui grande sentido
dramático. Mas, enfim, mantém-se ao lado do grande Luciano. O espetáculo foi concebido por Franco Zeffirelli, reconstituição escrupulosa de
época, com grande abundância de detalhes "pitorescos",
diluindo a intensidade e a força
concentrada da trama. Nello
Santi dirigiu essa música sensual como num devaneio, evitando os contrastes e violências, privilegiando a beleza da
orquestração, mantendo um
clima de nuanças e de poesia.
Pavarotti deixou-se envolver,
modulando suavemente as frases.
CIRCO - O público nova-iorquino de óperas e concertos é o
mais à-vontade, para não dizer
o mais sem-educação, do
mundo. Tosse abertamente,
espirra, cochicha, amarrota
papéis de bala. Só silencia
quando consegue identificar
alguma ária muito famosa ou
quando a música acelera o ritmo. Impensável em Viena, Tóquio ou Milão. Aplaude o bom
e o menos bom, sem critério.
Vai ouvir Bach como quem vê
televisão. E não se aperta. Se
quer tossir, tosse. Ninguém parece se incomodar com isso.
FLOREIO - O único arranha-céu, em Nova York, de
Louis Sullivan, o pai da "escola de Chicago", é o Bayard-Condict Building, de
1898. A fachada, com longas
hastes verticais, recobre-se de
uma intrincada e maravilhosa
vegetação em terracota. A modernidade condenaria ao desaparecimento as profissões que
sabiam ornar os prédios, travando guerra sem piedade com
o ornamento. O paradoxo de
Mies triunfou, axioma indiscutível: "Menos é mais". O rei
estava nu, porém, e o Bayard-Condict acusa: menos
não é mais. É menos.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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