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+ Comportamento
Pai de aluguel
FAMÍLIA SE DEMOCRATIZOU, MAS
PERDEU REFERÊNCIA SIMBÓLICA
DA REDAÇÃO
Nascido em Paris
em 1949, Alain
Finkielkraut é ensaísta, produtor da
rádio France-Culture e professor de história das
idéias na Escola Politécnica.
Midiático e polêmico, é considerado uma das referências
do pensamento de direita na
França. Em 2005, criticou a
onda de revoltas juvenis ocorrida nos subúrbios franceses.
Também afirmou que a seleção francesa de futebol não era
"Branco, Azul e Vermelho"
nem "Branco, Preto e Pardo"
(como se diz desde a Copa de
98), mas sim "Preto, Preto e
Preto". Nesta entrevista concedida a Aude Lancelin, do "Nouvel Observateur", o autor de "A
Ingratidão" (Objetiva) e "A Humanidade Perdida" (Ática) comenta as influências de 1968
sobre a família.
PERGUNTA - Em 1977, em "Le Nouveau Désordre Amoureux" [A Nova
Desordem Amorosa], o sr. escreveu
que tínhamos passado de uma era
de "repressão sexual" para uma espécie de imperativo categórico de
gozar, que era igualmente coercivo.
Tudo o que aconteceu desde então
confirmou sua opinião?
ALAIN FINKIELKRAUT - Aquele foi
um livro anti-1968 habitado pelo espírito de 1968. Era a época
do "tudo é político", e o discurso sobre o sexo remetia ao registro judiciário da acusação.
Na contramão disso, optamos pelo gênero da celebração,
especialmente pelo elogio do
gozo feminino. Sem a liberação
sexual, não poderíamos ter escrito esse livro. Mas o escrevemos para libertar o amor do domínio do discurso da libertação. De fato, o que é o desejo
amoroso senão a experiência
de uma maravilhosa sujeição?
PERGUNTA - O filósofo americano
Allan Bloom, nos anos 1990, disse:
"Você pode ser um romântico hoje,
se quiser, mas isso seria um pouco
como ser uma virgem num puteiro".
O sr. pensa, como ele, que o amor
hoje em dia está comprometido?
FINKIELKRAUT - O que compromete o amor é o fato de não se
enxergar senão um confronto
entre as exigências do desejo e
sua repressão. É essa a razão
pela qual, em "A Nova Desordem Amorosa", Pascal Bruckner [co-autor do livro] e eu quisemos reintroduzir o personagem esquecido do amado.
Contudo, se hoje fosse escrever uma seqüência para esse livro, começaria por um elogio
erótico ao pudor. Este não é
apenas uma restrição arcaica, o
resquício de um preconceito
burguês -pelo contrário, eu o
vejo como um atributo ontológico da mulher.
PERGUNTA - Um autor como Michel Houellebecq propaga uma visão segundo a qual 1968, longe de
ter dado início a uma era de libertação sexual real, teria estendido o domínio da luta capitalista para o próprio sexo, de tal modo que cada um
se torna substituível, em estado de
insegurança permanente. O sr. concorda com essa visão?
FINKIELKRAUT - Quisemos acreditar que a libertação sexual
iria suprimir a dimensão da infelicidade. Mas não é porque
tudo é permitido que tudo é
possível, Houellebecq teve o
mérito imenso de ter chamado
a nossa atenção para isso. O desejo é uma escolha, e escolher é
excluir.
Sem dúvida hoje, mais do que
nunca, é difícil ser feio, tímido
ou antiquado. A proibição era
um álibi para o fracasso. Nossa
época é mais livre e, portanto,
de certa maneira, mais cruel.
PERGUNTA - Ensaístas como Michel
Schneider ou Eric Zemmour denunciam hoje uma confusão ou sobreposição das identidades sexuais e
tendem a atribuir às mulheres as desordens que, segundo eles, solapam
a sociedade ocidental. Como o sr. vê
esse tipo de receio?
FINKIELKRAUT - Não vejo como
certo que a sexualidade seja a
instância última de todos os
nossos comportamentos.
Em outras palavras: não sou
freudiano. Assim, não penso
que a crise atual da transmissão
em nossas sociedades proceda
mecanicamente de um desaparecimento da função "viril",
nem, a fortiori, de uma conspiração feminina.
Em contrapartida, observo
que se perdeu uma certa idéia
do pai. E o problema não se reduz à questão de saber se os
pais estão certos ou errados em
trocar as fraldas de seus filhos
-a meu ver, estão certos. A família tornou-se lugar de uma
negociação perpétua.
Hoje tudo acontece num registro puramente afetivo, e não
mais simbólico. Maio de 1968
não terá sido, em tudo isso,
mais que um momento de aceleração do processo democrático que nos carrega há muito
tempo.
A democracia -como afirmação da igualdade de todos os
indivíduos, como passagem de
uma vida suportada para uma
vida desejada- se adapta muito
dificilmente à partilha dos papéis. Assim, a família deixa de
ser uma instituição para converter-se em uma associação
precária. Se isso é bom ou mau,
não posso dizer.
A íntegra desta entrevista foi publicada no
"Nouvel Observateur". Aude Lancelin (c) 2008
"Le Nouvel Observateur".
Tradução de Clara Allain .
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