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+ Sexo
AMANTES CONSTANTES
BUSCA POR LIBERDADE E IGUALDADE SEXUAL
É HERANÇA A VALORIZAR
MIRIAN GOLDENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os eventos do Maio
de 68 na França
podem ser interpretados como o
estopim de uma
série de transformações políticas e comportamentais ocorridas na segunda metade do século 20 e que tiveram como eixos centrais: o desejo de liberdade, a busca do prazer sem limites, a recusa de qualquer forma de controle e de autoridade,
a explosão da sexualidade e a
defesa da igualdade entre homens e mulheres.
A feminista francesa Simone
de Beauvoir, muito antes de
maio de 1968, havia defendido
que a questão existencial básica era a luta pela liberdade, e
não a busca da felicidade.
Em "O Segundo Sexo", publicado em 1949, Beauvoir dizia
que, mesmo pagando o preço
do sofrimento ou da solidão,
"não há, para a mulher, outra
saída senão a de trabalhar pela
sua libertação". Já para os jovens estudantes franceses, protagonistas do Maio de 68, liberdade, felicidade e prazer eram
elementos inseparáveis de uma
revolução cujo lema era: "É
proibido proibir".
No final da década de 60,
quando no Brasil muitos jovens estavam preocupados em
combater o regime militar, outros, como os jovens franceses,
lutavam contra a repressão sexual, a repressão familiar e a
repressão internalizada em cada indivíduo.
Ícone revolucionário
Esse anseio por liberdade,
igualdade e, sobretudo, felicidade e prazer parece ter sido
um elemento fundamental para o surgimento de um ícone de
mulher revolucionária no Brasil, talvez a mais perfeita tradução do espírito irreverente, debochado e apaixonado do Maio
de 68: Leila Diniz.
Na geração Leila Diniz estavam em disputa diferentes modelos de ser mulher: o religioso,
que exigia da mulher a negação
de sua sexualidade ou seu exercício apenas nos limites do casamento, e outro, que pode ser
pensado como mais próximo
do difundido pelo feminismo,
pela contracultura e pela psicanálise, que buscava a igualdade
entre homens e mulheres nos
mundos público e privado.
E por que Leila Diniz, entre
tantas outras mulheres que viveram intensamente esse momento histórico, se tornou um
mito? É a própria Leila quem
responde à questão: "Sobre minha vida, meu modo de viver,
não faço o menor segredo. Sou
uma moça livre. A liberdade é
uma opção de vida".
Sendo uma atriz famosa e
uma personalidade pública
bastante polêmica, pode-se
pensar que a elaboração que
Leila fez de sua própria vida
não apenas tenha atingido as
pessoas mais próximas, mas
também contribuído para legitimar idéias e práticas consideradas revolucionárias para a
época em que viveu.
Ao escolher ter um filho fora
do casamento, rompeu com o
estigma da mãe solteira. Sua fotografia grávida, de biquíni, foi
estampada em inúmeros jornais e revistas por ser a primeira mulher a exibir a gravidez.
Barriga grávida
As grávidas de então escondiam suas barrigas em batas escuras e largas, mesmo quando
iam à praia. As fotos da barriga
grávida, na praia de Ipanema,
mostraram que a maternidade
sem o casamento não era vivida
como um estigma a ser escondido, mas como uma escolha
feliz e consciente. Leila Diniz
fez uma revolução simbólica ao
revelar o oculto -a sexualidade
feminina vivida de forma livre e
prazerosa- em uma barriga
grávida ao sol.
Ela fazia e dizia o que muitos
tinham o desejo de fazer e dizer. Com os inúmeros palavrões na clássica entrevista a
"O Pasquim", com uma vida sexual e amorosa extremamente
livre e prazerosa, com o seu
corpo grávido de biquíni, trouxe à luz do dia comportamentos, valores e idéias já existentes, mas que eram vividos como estigmas, proibidos ou ocultos.
Não à toa, ela é apontada como uma precursora do feminismo no Brasil: uma feminista intuitiva que influenciou, decisivamente, as novas gerações.
Condição feminina
Ao afirmar publicamente
seus comportamentos e idéias
a respeito da liberdade sexual,
ao recusar os modelos tradicionais de casamento e de família
e ao contestar a lógica da dominação masculina, passou a personificar as radicais transformações da condição feminina (e também masculina) que
ocorreram no Brasil no final da
década de 60.
Em minha pesquisa atual,
com 1.279 homens e mulheres
das camadas médias da cidade
do Rio de Janeiro, quando perguntei "o que você mais inveja
em um homem?", as mulheres
responderam, em primeiríssimo lugar: liberdade.
Quando perguntei aos homens "o que você mais inveja
em uma mulher", a quase totalidade respondeu, categoricamente: nada.
Será que é realmente possível dizer, como na música de
Rita Lee, que hoje "toda mulher
é meio Leila Diniz", quando as
brasileiras continuam invejando a liberdade masculina? Será
que a utopia do Maio de 1968,
com o desejo de liberdade e
igualdade entre os gêneros,
ainda está longe de ser realizada?
MIRIAN GOLDENBERG é antropóloga e professora do programa de pós-graduação em sociologia e antropologia da Universidade Federal do RJ
e autora de "Os Novos Desejos" (Record).
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