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GUERRILHA DENTRO DO BOTEQUIM
PARA O CARTUNISTA ANGELI, REPERTÓRIO IDEOLÓGICO
DE SEU PERSONAGEM MEIAOITO ESTÁ DATADO
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Meiaoito morreu.
Criado pelo
cartunista Angeli em suas tiras para a Folha nos anos 1980, é baseado no
típico revolucionário comunista de botequim, um tipo cada
vez mais difícil de achar. Nas
páginas do jornal, talvez só apareça como fantasma: Meiaoito
foi atropelado por um caminhão em tira publicada no dia
20 de julho de 2007.
Seu criador reconhece que,
como tipo urbano, o pseudoguerrilheiro está datado, apesar de ver "resquícios" recorrentes, por exemplo nas invasões a universidades públicas
brasileiras: "No meio da ocupação, há um teatro muito bem
armado, de uma peça já um
pouco antiga. A função do humor é mostrar esse teatro".
FOLHA - O que Meiaoito tem a ver
com Maio de 68?
ANGELI - É uma referência a um
tipo característico da época,
que incorporei ao Meiaoito:
aquele que tinha o discurso,
mas não tinha a ação. Fazia a
guerrilha dentro do bar, um tipo cheio de regras, que pede
carteira ideológica a todo mundo. Não é o ativista que pegou
em armas, é aquele que ficou no
bar -sua história de luta só
existiu na cabeça dele.
Esse tipo vem do Maio de 68,
mas tem muito a ver com o final
dos anos 70 e o começo dos 80,
quando a idéia de uma "convocação geral" já tinha se dissipado. Ele ficou. Perdeu o bonde
da história.
Porém continuou proferindo
palavras de ordem e julgando as
pessoas no bar.
FOLHA - E agora ele morreu?
ANGELI - Aparentemente morreu. Eu fazia charges para a Folha desde 1975 e, quando passei
a fazer tiras, em 1983, criei uma
leva de personagens. Ele foi o
primeiro. Logo coloquei Nanico como seu companheiro. Um,
seco e moralista; outro, que
queria soltar as plumas.
Meiaoito foi atropelado por
um caminhão da Coca-Cola.
Não considero uma morte definitiva, mas me sinto bem deixando-o de lado. Antes da morte, fez uma revisão, conversou com [fantasmas de] Lênin, sua
mãe e quase admitiu que era
tudo uma fantasia.
FOLHA - Personagem e autor concluíram que esse tipo é datado?
ANGELI - Bastante datado. Vejo
resquícios aqui e ali, mas são
pequenos. É uma tentativa de
reviver uma época emocionante, de luta. Essa época ficou lá.
Se houver possibilidade de luta
hoje, não pode ser igual.
FOLHA - Um hábitat provável para
seu renascimento seria o ambiente
estudantil?
ANGELI - Seria, mas não tenho
vontade de mexer mais. Na
construção dessa suposta morte, cuidei de fazer com que o
personagem se mostrasse por
inteiro. Achei que era melhor
eu lavar a alma dele. E assim
pensava a tira, sem plano.
FOLHA - Que influências tem do
ano de 1968?
ANGELI - Em 1968 eu tinha 12
anos, já sentia o cheiro de alguma coisa, que eu não entendia,
mas sabia que estava acontecendo. Participei de uma militância capenga -meu lance
sempre foi com a delegacia de
costumes, não a política.
Até hoje existe o eco de 1968.
Mas nos anos 80 havia uma
mistura: bandeiras comportamentais, uma mistura da luta
daqueles que resistiam à
Meiaoito com aqueles que queriam pintar o cabelo de vermelho, ter uma banda. Eu era mais
do lado do cabelo vermelho.
FOLHA - Como interpreta 1968?
ANGELI - Não é uma data solitária. Faz parte de uma gama de
revoluções e alterações de
comportamento. Eu incluiria
os hippies, a discussão sobre
ecologia, nos anos 70, e temas
que hoje já estão na discussão
política oficial, como o uso de
drogas. Desde os hippies, é tudo
um conjunto, um movimento
que inclui 1968, a liberação da
mulher, da sexualidade. Cada
grupo teve sua função.
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