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Entre os bolsos e os cofres
No Brasil, perseguem-se mais os pequenos contraventores do que os grandes corruptores de fato, como empreiteiros, que se beneficiam de um sistema de proteção
JANIO DE FREITAS
COLUNISTA DA FOLHA
Corrupção para todos
os gostos e todos os
repúdios. Logo, é o
seu Brasil (só o relembro por desfastio), mas não é a corrupção. O
conceito e a prática, e por imitação também o Código Penal,
não se satisfizeram com a singularidade, e multiplicaram
modalidades, graus, vocações,
níveis de tolerância e conivência, de repressão e punição.
A corrupção é muito bem
aceita por aqui, só depende de
uns quantos pormenores. Ataca-se muito mais o vendedor
de CD e DVD piratas ou o policial venal, por exemplo, do que
o empreiteiro corrupto e corruptor de setores do Estado.
Do vendedor de CD e DVD,
que não está fazendo propriamente corrupção, mas pode
corromper fiscais e tiras com
gorjetas, dizem as campanhas
que desvia R$ 1 bi por ano do
comércio legal, ou assim tido. A
observar logo: é o jornalismo
de mentiras em ação, porque
não há como aferir a venda de
CD e DVD piratas.
Mas, vá lá, R$ 1 bi. E quanto
os empreiteiros corruptos desviam dos cofres públicos? O
seu negócio é de centenas de
milhões, com frequência são
bilhões em uma só empreitada.
A soma anual dos negócios de
empreiteiras de obras públicas
dá um montante oceânico que
nunca se viu levantado. Mas
não dá manchetes e TV em
campanha contra os sistemáticos superfaturamentos, conchavos fraudadores de licitações e corrupção de servidores
governamentais.
Como o noticiário não pode
simplesmente omitir todas as
constatações desses fatos, difundiu-se uma regra com o
timbre brasileiro. Nos escândalos do sistema bancário, de
outros agentes financeiros, de
comércio, citam-se os nomes
dos responsáveis pelas empresas envolvidas. Os dos responsáveis pelas grandes empreiteiras, não. Só os nomes das próprias empreiteiras aparecem.
É um sistema de proteção. E
não é a moralidade corrompida?
Mesmo que envolva corrupção, o delito do camelô de CD/
DVD pirata e de miudezas contrabandeadas se volta para o
bolso do pequeno consumidor,
daquele que só pode ter o CD
ou DVD desejado e o relógio espalhafatoso se por eles pagar
uma fração inexpressiva do
preço de loja. A corrupção de
obras públicas e de grandes
compras governamentais não
cobra o mínimo, toma o máximo; e não de um bolso, mas dos
cofres públicos, que são dinheiro e bolsos de todos, sem isenção nem para a pobreza. Não é a
mesma corrupção em um extremo e em outro.
Nem é a mesma motivação. A
corrupção rastaquera, do quebra-galho, tem a ver com elementos socioeconômicos, com
o sentimento da difícil ou nenhuma perspectiva de melhora, com a formação pessoal precária, entre outros estímulos.
Já a corrupção policial e de postos de responsabilidade no serviço público tem consequências perversas para a sociedade.
No nível médio do funcionalismo, até chega a uma forma de
bandidagem. Nem por isso deixa de ter relação com as ansiedades causadas pelo desvario
da pregação consumista e com
a disseminada falta de educação ética, visível até no trânsito.
Já a corrupção graúda é uma
categoria especial. Obra da ganância que não se satisfaz nunca, é a imoralidade pura, em estado bruto, é a ordinarice por
excelência.
Corrupção para todos os gostos e todos os repúdios. Não é
por acaso que até no Instituto
Butantã uma simples verificação contábil descobre cobras e
lagartos.
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