São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009

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Entre os bolsos e os cofres

No Brasil, perseguem-se mais os pequenos contraventores do que os grandes corruptores de fato, como empreiteiros, que se beneficiam de um sistema de proteção

JANIO DE FREITAS
COLUNISTA DA FOLHA

Corrupção para todos os gostos e todos os repúdios. Logo, é o seu Brasil (só o relembro por desfastio), mas não é a corrupção. O conceito e a prática, e por imitação também o Código Penal, não se satisfizeram com a singularidade, e multiplicaram modalidades, graus, vocações, níveis de tolerância e conivência, de repressão e punição.
A corrupção é muito bem aceita por aqui, só depende de uns quantos pormenores. Ataca-se muito mais o vendedor de CD e DVD piratas ou o policial venal, por exemplo, do que o empreiteiro corrupto e corruptor de setores do Estado.
Do vendedor de CD e DVD, que não está fazendo propriamente corrupção, mas pode corromper fiscais e tiras com gorjetas, dizem as campanhas que desvia R$ 1 bi por ano do comércio legal, ou assim tido. A observar logo: é o jornalismo de mentiras em ação, porque não há como aferir a venda de CD e DVD piratas.
Mas, vá lá, R$ 1 bi. E quanto os empreiteiros corruptos desviam dos cofres públicos? O seu negócio é de centenas de milhões, com frequência são bilhões em uma só empreitada. A soma anual dos negócios de empreiteiras de obras públicas dá um montante oceânico que nunca se viu levantado. Mas não dá manchetes e TV em campanha contra os sistemáticos superfaturamentos, conchavos fraudadores de licitações e corrupção de servidores governamentais.
Como o noticiário não pode simplesmente omitir todas as constatações desses fatos, difundiu-se uma regra com o timbre brasileiro. Nos escândalos do sistema bancário, de outros agentes financeiros, de comércio, citam-se os nomes dos responsáveis pelas empresas envolvidas. Os dos responsáveis pelas grandes empreiteiras, não. Só os nomes das próprias empreiteiras aparecem.
É um sistema de proteção. E não é a moralidade corrompida?
Mesmo que envolva corrupção, o delito do camelô de CD/ DVD pirata e de miudezas contrabandeadas se volta para o bolso do pequeno consumidor, daquele que só pode ter o CD ou DVD desejado e o relógio espalhafatoso se por eles pagar uma fração inexpressiva do preço de loja. A corrupção de obras públicas e de grandes compras governamentais não cobra o mínimo, toma o máximo; e não de um bolso, mas dos cofres públicos, que são dinheiro e bolsos de todos, sem isenção nem para a pobreza. Não é a mesma corrupção em um extremo e em outro.
Nem é a mesma motivação. A corrupção rastaquera, do quebra-galho, tem a ver com elementos socioeconômicos, com o sentimento da difícil ou nenhuma perspectiva de melhora, com a formação pessoal precária, entre outros estímulos. Já a corrupção policial e de postos de responsabilidade no serviço público tem consequências perversas para a sociedade. No nível médio do funcionalismo, até chega a uma forma de bandidagem. Nem por isso deixa de ter relação com as ansiedades causadas pelo desvario da pregação consumista e com a disseminada falta de educação ética, visível até no trânsito.
Já a corrupção graúda é uma categoria especial. Obra da ganância que não se satisfaz nunca, é a imoralidade pura, em estado bruto, é a ordinarice por excelência.
Corrupção para todos os gostos e todos os repúdios. Não é por acaso que até no Instituto Butantã uma simples verificação contábil descobre cobras e lagartos.



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