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O REI DE LONDRES
MARC ROCHE
Até onde irá Roman Abramovich? A segunda fortuna
do Reino Unido tirou a sorte
grande, no final de setembro, no auge do boom do ouro negro. Vendeu para o conglomerado
Gazprom, por 5,66 bilhões de libras
(R$ 21,6 milhões), sua participação
de 72% na Sibneft, a quinta companhia de petróleo russa. Essa operação lhe permitiu soltar sua última
grande amarra industrial com a
Rússia para se instalar definitivamente em Londres.
Desde então, na City [centro financeiro da capital], todo mundo se pergunta o que esse órfão nascido em
Saratov, à margem do Volga, a 800
quilômetros de Moscou, vai fazer
com essa bolada. Deve-se lembrar
do afluxo de petrodólares árabes nos
anos 70 para observar uma agitação
semelhante entre os administradores de patrimônio. As intenções atribuídas a essa bomba financeira de
efeito retardado alimentam as especulações mais loucas.
Uma entrevista? Impossível: saudações e encaminhamento cortês ao
serviço de imprensa do Chelsea
Football Club, comprado pelo magnata no verão de 2003. Os 400 milhões de libras que ele injetou
-uma bagatela para a "amante" de
um magnata desse calibre- transformaram o time, que sufocava no
meio da classificação, em campeão
da Inglaterra na última temporada.
Exército de lobistas
Assunto encerrado? Voltemos
nossos binóculos para a Millenium
Suite, seu camarote no segundo andar da tribuna oeste do estádio de
Stamford Bridge, em Chelsea. Divisamos um homem jovem, mal barbeado, grande, mas esguio, vestindo
jeans e camisa azul, o rosto eslavo.
Não demonstrando nenhum sinal
particular de riqueza, o proprietário
do Chelsea FC, 39 anos, está entronado numa poltrona aquecida que
ele mandou fazer.
Mesmo com a ajuda de binóculos,
é sempre fascinante ver uma lenda
de perto. Mas, como os fantasmas
ou os vampiros, as estrelas não se
deixam captar. Roman Abramovich
afirma não falar inglês, o que é no
mínimo estranho para um homem
do petróleo e formado em engenharia de hidrocarbonetos.
Na verdade, sua recusa em falar inglês evita que tenha que se dirigir a
desconhecidos. Roman é um homem sem voz, que adotou o lema de
outro petroleiro, John Rockefeller,
fundador da Standard Oil: "Você só
deve aparecer três vezes nos jornais:
no nascimento, no casamento e na
morte".
A chamada imprensa séria nunca
se debruçou sobre as circunstâncias,
no mínimo misteriosas, da compra
do clube. É verdade que o dinheiro
do CFC, que se tornou empresa privada, está protegido de olhares.
Quanto às autoridades britânicas,
fecharam os olhos diante desse dinheiro russo que cheira a enxofre.
Um silêncio ainda mais estranho
porque o interessado havia se envolvido, em 1999, no escândalo da lavagem de dinheiro russo pelo Bank of
New York. Ele se cercou de um exército de lobistas temíveis, sempre
prontos para lembrar às autoridades
que a circunscrição do complexo esportivo é muito disputada nas eleições. Sem falar no impacto nada
desprezível do clube sobre a economia local.
Assim como a City, a Inglaterra
continua sendo uma velha dama
permissiva diante do fluxo de capitais estrangeiros em busca de investimento rentável.
Vida discreta
Em Londres, os Abramovich levam uma vida discreta ou mesmo
apagada. Freqüentam pouco o "jet
set" londrino e não são habituês dos
grandes jantares dados pelas locomotivas da sociedade.
Se ele não se envolve na gestão cotidiana do clube, sua influência ali é
cada vez mais palpável. Roman não
deixou de assistir a nenhum jogo em
casa e somente a dois em outras cidades. Graças a sua generosidade, os
"blues" se lançaram numa grande
aventura para alcançar o Manchester United, a fim de transformar o time em uma máquina de entretenimento, uma espécie de Hollywood
da bola, a mais rentável do mundo.
Sua imensa notoriedade deixa todo mundo feliz. Sua brutalidade nos
negócios passou para a cultura futebolística, como provam os diversos
escândalos provocados pelas tentativas ilegais do Chelsea de recrutar
diretamente jogadores e diretores
sem o conhecimento de seus clubes.
Alguns patrocinadores temem as repercussões da imagem negativa desses astros mercenários, comprados
com facilidade.
O ativismo a favor de Israel já fez o
Chelsea perder o apoio de seu patrocinador, as Emirates Airlines. É verdade que a companhia aérea de Dubai foi facilmente substituída pela
coreana Samsung, devido à atração
internacional do clube.
Além disso, o proprietário se tornou alvo da Uefa, que se preocupou
publicamente com a dominação dos
empresários vindos do leste sobre os
clubes europeus. No caso de Abramovich, foi aberta uma investigação
no ano passado sobre suas ligações
com o time russo CSKA Moscou, do
qual era o principal patrocinador.
De nada adiantou o oligarca manifestar sua boa-fé e multiplicar as demonstrações de bom comportamento. Ele constitui o alvo ideal para
quem quer denunciar os efeitos nocivos do dinheiro, do sistema de astros e da globalização do "rei dos esportes".
Essa paixão declarada pelo futebol
é a verdadeira natureza de Abramovich? Não há certeza. Na Rússia,
Abramovich é conhecido sobretudo
como fã de hóquei no gelo. Dois
anos e meio depois de sua chegada a
Stamford Bridge, lorde Roman de
Chelsea ainda é um enigma.
A íntegra deste texto foi publicado no "Le
Monde".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
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