MARY DEL PRIORE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pode uma carreira brilhante começar graças a um telefonema às 9h da manhã e um convite para vir para cá? Sim. E o resultado está neste livro. Roteiro de viagem para melhor observar e compreender o mundo, "Tristes Trópicos" é bem mais do que a Bíblia da etnografia venerada pela intelectualidade. É a obra de um imenso escritor. Seu texto elegante se condensa num monólogo cujo fio condutor é uma viagem filosófica em busca de si mesmo. Mas, também, em busca do Outro.
O cenário: o Brasil, seus homens, seus espaços. Dos bororos ao nambiquaras, de Mato Grosso à região amazônica, Lévi-Strauss nos faz partilhar do seu trabalho costurando prosa, poesia, análises etnográficas, reflexões teóricas, imaginação, medos, sensações, armadilhas do trabalho de campo e uma lição: o homem nasce e morre só.
Não há ilusões sobre o futuro da humanidade. A única maneira de aceitar a realidade? Suspender a caminhada para contemplar uma pedra, uma flor, o olho de um gato. Fundador de um gênero literário à parte, o antropólogo comprova que a aventura é o lugar onde se reúnem a pequena e a grande história. Que a questão do Outro só pode ser resolvida em termos de diálogo, de escuta. Mais. Que a escrita e a literatura só se constroem no universo que cada um traz em si. O resultado de sua experiência é de uma aterradora atualidade. Afinal, a geografia do globo nos confronta, todos os dias, aos selvagens, que não estão mais nos "Tristes Trópicos". Mas dentro de nós.