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SEARLE
A linguagem como ação
CONTARDO CALLIGARIS
especial para a Folha
Há quem diga que Searle é um
homem de direita. Em 70 escreveu
"The Campus War" ("A Guerra
no Campus"), uma análise impiedosa do funcionamento do movimento estudantil, na qual, por
exemplo, já suspeitava que o radicalismo estivesse se tornando um
estilo de vida. Mais tarde, foi um
dos primeiros a se opor à ação
afirmativa e ao multiculturalismo
triunfante. Mas, cuidado, o aparente conservador é um democrata intransigente.
Estudante em Wisconsin, Searle
foi secretário do grupo Estudantes
contra McCarthy e, voltando de
Oxford para os EUA, fundou em
Berkeley o Movimento da Liberdade de Palavra. No começo dos
anos 60 -quando o poderoso Comitê das Atividades Antiamericanas apavorava a todos- esta postura foi notável, sobretudo para
um jovem professor que ainda não
era titular -e que, aliás, não tinha
nenhuma simpatia socialista ou
comunista.
Na França dos anos 70 -junto a
"Como Fazer Coisas com Palavras", de Austin- o livro de
Searle -"Atos de Palavra"- foi
uma espécie de lufada de ar no clima estruturalista vigente. Searle
propunha pensar a linguagem como comportamento e ação -a
frase sendo o ato humano elementar. Sua descrição do que significa
falar era mais convincente que o
"Curso de Linguística Geral" de
Saussure. E nos deixava com a suspeita de que uma parte ampla de
nossas construções psicológicas
fosse decorrente de invenções forçadas por um entendimento insuficiente da prática linguística.
Mas se delineou uma falsa alternativa entre acreditar -por
exemplo, com Lacan- que somos
efeitos, e não agentes da linguagem, ou então adotar uma visão
do sujeito como intencionalidade
consciente -e abandonar portanto os fundamentos da psicanálise.
De fato, a concepção da intencionalidade em Searle está longe de
ser inconciliável com uma concepção complexa da subjetividade.
Algo disso aparece na entrevista.
A verdade é, para Searle, sempre
decidida pela adequação de nossas
descrições à realidade. A questão é
mais delicada, obviamente, do que
aparece na entrevista. Ela se complica quando se trata de descrições
que não concernem à realidade
exterior, por exemplo, proposições de juízos abstratos ou de qualidade. Mais delicada ainda é, a
meu ver, a contradição entre o caráter convencional e cultural de
nossas descrições e a idéia de uma
realidade que, para ser medida da
verdade, deveria ser independente
delas. Mas admiro o fundo de bom
senso na posição de Searle: uma
espécie de aceitação do realismo
espontâneo de nossa experiência
cotidiana.
Com toda sua simpatia pela
ciência, Searle nunca se tornou
positivista. Sua ironia em relação
às posições dos cientistas-filósofos
como Edward Wilson é explícita.
E é famosa sua crítica sobre a idéia
de que os computadores possam
reproduzir uma inteligência humana. Justamente no livro que sai
agora no Brasil, Searle retoma e
completa seu "argumento do
quarto chinês". É a história do
homem que recebe um texto em
chinês e, com a ajuda de regras fixas de correspondência, reproduz
o texto em uma outra língua. Ora,
mesmo se esse texto conseguisse
manter a significação do original,
será que o homem estaria traduzindo?
Do mesmo modo, os computadores podem imitar o pensamento, mas não pensar, pois são máquinas sintáticas, sem semântica.
A este argumento antigo, Searle
acrescenta hoje a idéia de que o
computador só pensa do ponto de
vista de um observador, quando
um homem pensa do seu próprio
ponto de vista. Há, em Searle, um
cuidado constante com o caráter
original e irredutível da experiência humana da subjetividade (e
não só da consciência).
Enfim, importa assinalar que
Searle é um analista imprescindível das construções sociais. Sua
explicação das formações simbólicas (sobretudo modernas, contratuais) em "A Construção da Realidade Social" é das melhores que
conheço.
Contardo Calligaris é psicanalista e ensaísta,
autor de "Hello Brasil" (Escuta) e "Crônicas do
Individualismo Cotidiano" (Ática).
E-mailąccalligari@aol.com
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