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NOVOS AUTORES - FICÇÃO
Um conto em dispersão
BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação
Conceber, desenvolver e sustentar o mesmo fio dramático ao longo de vários episódios, embora de
aparência simples e óbvia: talvez
seja esse o maior desafio para um
ficcionista. A questão salta aos
olhos à leitura de "Sanzio", primeiro romance do carioca Milton
Coutinho.
O autor estreou com um livro de
contos, "X, Y, Z.", em 95, no
qual se evidencia uma rara capacidade de narração e descrição de
detalhes, num universo cujo aspecto trágico nem por isso encobre a busca, pelos personagens, de
um destino menos pessimista.
Seu conto "O Criado", publicado na recém-lançada revista "Ficções", explora o mesmo universo
e possui a mesma carga narrativa.
Agora, em "Sanzio", esses mesmos elementos, acrescidos ainda
de uma elegância mais trabalhada
no estilo, estão presentes. São,
contudo, insuficientes para resolver a questão exposta acima.
O enredo é a busca que Giancarlo Sanzio empreende no sentido
de delinear a sua própria individualidade. A começar pelo nome:
nascido Roberto, filho temporão,
com um ano de idade terá o nome
modificado pelos pais, herdando a
fusão dos nomes de seus dois irmãos mais velhos, Gianni e Carlo,
gêmeos mortos em pleno gozo da
juventude exatamente no mesmo
dia.
Gianni fora um ladrão profissional. Carlo, um místico. Um nada
tinha a ver com o outro. E é nessa
incompatibilidade que se perde a
identidade de Giancarlo.
Ao longo de sua vida, este vira
pintor, passa pela guerrilha urbana, transforma-se num "serial
killer", experimenta uma clínica
psiquiátrica, opta pelo suicídio
-tudo isso, sem falar do incesto
que compartilhou, pequeno, com
uma irmã.
Mais do que na vida de Giancarlo, porém -e aí talvez esteja uma
chave para se compreender a fragilidade do texto como algo único,
orgânico, solidificado-, as melhores partes do livro de Coutinho
estão no início, quando o autor
conta a história dos irmãos mais
velhos.
O episódio em que Gianni tenta
furtar uma tela de dentro de uma
igreja -tudo se passa na Itália
toscana-, por exemplo, é delicioso. Assim como as empreitadas de
Carlo, que, bem-intencionado,
utiliza supostos poderes especiais
para controlar a vida de seus parentes.
Uma ironia refinada do autor
perpassa o longo discurso de um
diretor de escola em defesa da pedagogia da violência, ou seja, de
um ensino cujo êxito depende, em
última instância, do sofrimento
do aluno.
Com efeito, ao devolver Giancarlo para os pais, o tal mestre
afirma, entre outras coisas: "No
momento em que privamos a
criança da atividade ou do amigo
ao qual se afeiçoou, podemos
comprovar, com maior clareza, a
eficácia da maldade forjada como
instrumento didático".
O que debilita o livro, porém, é o
fato de tratar-se, mais, de um somatório de episódios bem narrados, articulados com textos de caráter semi-ensaístico e outros com
uso de recursos diversos (há um
capítulo escrito sob a forma de peça teatral, poemas etc.).
Parece faltar algo que lhe amarre
o conjunto. E dessa ausência resulta uma espécie de dispersão,
um estilhaçamento, não da personalidade do personagem, mas sim
do personagem propriamente dito, enquanto tal.
Giancarlo não está verdadeiramente no centro como deveria estar. Como leitores, é muito à distância que o acompanhamos. Ele é
mais produto do que evolução.
Apesar disso, pelas qualidades
apontadas mais acima, vale a pena
conhecer o trabalho de Coutinho.
Mesmo que, certamente senhor de
seu ofício no domínio do conto,
da narrativa curta, ele ainda fique
a dever no texto mais extenso, como romancista.
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