São Paulo, domingo, 5 de julho de 1998

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PONTO DE FUGA
O gesto do pintor

Divulgação
O artista plástico Jean-Michel Basquiat em seu estúdio


JORGE COLI
especial para a Folha

"Meu trabalho não tem nada a ver com os grafites. É pintura, sempre foi. Eu sempre pintei. Muito antes que a pintura estivesse na moda." Estas são frases de Jean-Michel Basquiat. A excelente exposição no Ibirapuera (SP) -pelo menos tão boa quanto a do "Whitney Museum" de Nova York, em 1993- as confirma. Suas obras prolongam o caráter sadiamente "tradicional" da pop art, de um Jasper Johns, por exemplo. Basquiat recupera, sem dúvida, os grafites, mas para inseri-los sofisticadamente sobre uma tela, misturando-os aos "comics", ou com Leonardo da Vinci. Lixo, biografia pessoal, impulsos, obsessões, perversões, tudo torna-se muito requintado e chique, derivando de uma criação que depende de um gesto direto, irregular, pessoal, irreproduzível em séries. A aproximação biográfica de Basquiat com Warhol deveria sobretudo assinalar as diferenças irreconciliáveis entre os dois. Warhol cria emblemas a partir de imagens cujo acabamento impessoal é um dado definidor. Basquiat não faz exatamente imagens -faz signos, muitas vezes de leitura desordenada, mas investidos por força cromática e plástica. Não há ambiguidades: Basquiat é, antes de tudo, um pintor.

SOMBRAS SERENAS - A ópera como apogeu das artes: durante muito tempo ela foi considerada assim, pois reúne música, poesia, mais ainda a arte da cenografia e dos figurinos. Este último aspecto, forçosamente efêmero, partia, no entanto, de admiráveis projetos. O Instituto de Estudos Verdianos de Parma concebera, em 1994, uma notável mostra -acolhida pelo ilustre museu do teatro Alla Scalla de Milão- reunindo as concepções originais das óperas de Verdi. Houve a ótima idéia de reproduzir de modo impecável esses documentos para fazê-los viajar: chegaram a São Paulo e encontram-se no Banco Sudameris (av. Paulista, 1.000). De um recuado "Attila", de 1846, até as montagens contemporâneas de Frigerio ou Pier'Alli, as concepções para os espetáculos se sucedem num diálogo cerrado com as artes visuais de cada momento: romantismo exaltado, sofisticação Liberty, rigor art déco, despojamento "metafísico", abstrações luminosas, tudo surge em escolhas inteligentes. É uma pena que o catálogo italiano, verdadeiro instrumento de trabalho sobre a cultura teatral do século 19, não tenha vindo junto com a mostra.

SUBTERRÂNEOS - Julian Schnabel fez um filme bastante aplicado e morno sobre a biografia de Basquiat. O "trash" perverso e sofisticado do pintor talvez encontre sintonia melhor com o perturbador "Seven", de David Fincher, que mergulha Brad Pitt num mundo da violência a mais terrível e mais viciosa, em imagens voluntariamente sujas e imperfeitas.

TUCURUVI - As marcas impressas elevam-se, buscando um equilíbrio. Elas possuem naturezas diversas: linhas paralelas e angulares, heras ou algas salientes, caminhos espessos como se imensos vermes tivessem roído a matéria, ou ainda formas curvas que se superpõem, evocando revoadas. O relevo parece decompor a luz, certas reentrâncias adquirem impalpáveis e tênues colorações. Na nova estação do metrô Jardim São Paulo (SP), Maria Bonomi tornou aéreo o cimento.


Jorge Coli é historiador da arte.
coli@correionet.com.br



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