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LIVROS
O escritor Almeida Faria comenta o estado atual das letras portuguesas e fala
sobre sua nova obra
A sabedoria literária
JOÃO ALMINO
especial para a Folha
O escritor português Almeida
Faria é certeiro no uso da palavra,
seja nos romances retrabalhados
a ponto de já não se saber qual terá sido o manuscrito original, seja
nas suas recentes peças de teatro,
escritas, segundo diz, com grande
rapidez e facilidade.
Aos 56 anos, esse alentejano de
Montemor-o-Novo, que veio estudar em Lisboa aos 16 anos, mais
tarde cursou filosofia, matéria
que ensina. Inovou as letras portuguesas com o romance "A Paixão" (Nova Fronteira), uma prosa
poética de 1965 traduzida para vários idiomas. Já havia lançado
"Rumor Branco" (Bertrand Brasil) e é ainda autor, entre outros,
de "Lusitânia" (Bertrand) e "Cavaleiro Andante" (Nova Fronteira, 1983). Recentemente retornou
a "A Paixão" -a história se passa
numa sexta-feira santa- para fazer-lhe uma adaptação teatral. O
ceticismo, o humor e a fina ironia
do homem Almeida Faria passam
para sua escrita, como fica claro
no irreverente romance "O Conquistador" (Rocco), de 1990.
"A Reviravolta", publicado no
último mês de abril e livro sobre o
qual ele fala na entrevista a seguir,
é, nas suas próprias palavras,
"uma tragédia portuguesa dos
tempos revolucionários".
Folha - Os dois últimos livros
que você publicou, "Vozes da
Paixão" e, agora, "A Reviravolta", são obras de teatro, com
uma particularidade interessante: são em verso. Prosa ou poesia?
Almeida Faria - O tempo, crítico infalível, decidirá se este teatro
é prosa ou poesia.
Folha - O seu livro mais reconhecido em termos mundiais,
"A Paixão", tem sido corretamente considerado uma prosa
poética. Queria saber o seguinte: você acha que faz sentido estabelecer uma fronteira rígida
entre prosa e poesia?
Faria - Essa fronteira nunca foi
rígida e mudou muitíssimo com a
"Tabacaria" do Álvaro de Campos, com a "pedra no meio do caminho", com tantos outros assaltos à poesia áulica.
Folha - Li em algum lugar
-não sei se você mesmo disse
isso- que há uma influência de
João Cabral em "A Reviravolta".
Algo mais do que a própria idéia
da peça teatral em verso, de
que é exemplo "Morte e Vida
Severina"?
Faria - João Cabral é dos meus
poetas preferidos. Desde os anos
60, quando veio aqui assistir à
"Morte e Vida" do Chico Buarque, tenho dele uma dedicatória
rimada que em duas linhas ironiza sobre a sua "fria" poesia: "A Almeida Faria/ fiel desta fria poesia". Mas não posso falar em influência, nem a modéstia dos
meus versos sofre qualquer paralelo com os versos do mestre.
Folha - Quão política é sua literatura sobre o 25 de abril?
Pergunto isso a propósito de "A
Reviravolta", porque me parece
que seu trabalho em geral não
pretende ser explicitamente político, pelo menos não naquele
sentido da literatura engajada.
Faria - A minha ficção sempre
teve certa dimensão política, sobretudo durante a ditadura, embora só nas entrelinhas. Depois
do fim da censura, o desacordo ou
a revolta de certas personagens
contra a servidão e o obscurantismo tornaram-se mais explícitos.
Da minha "Tetralogia Lusitana",
os dois primeiros romances situam-se nos tempos imemoriais
da ditadura, os seguintes no agitado período revolucionário de
abril e pós-abril. Mas não se trata
de literatura engajada, até porque
naqueles meus livros se contrapõem diversos pontos de vista.
Folha - Houve uma época em
que se depositava muita esperança na literatura como forma
de entender o mundo e, por
meio de sua crítica, modificá-lo.
Com a crise das utopias, parece
que já não é mais assim. Mas,
para quem imagina que a literatura possa ser mais do que unicamente entretenimento ou um
produto do mercado, para que
ou por que se escreve atualmente?
Faria - A verdadeira razão para
escrever é o prazer de quem gosta
de escrever. Mas a grande literatura faz pensar e, fazendo pensar,
pode dar alguma sabedoria a alguns dos seus leitores; e assim vai
mudando o mundo, pouco a pouco. A pseudoliteratura, a mera
merda de consumo, cada vez será
mais numerosa e pesará mais na
economia de mercado. Puro entretenimento, depressa esquece e
passa. As obras que perduram
continuarão a ser um processo de
conhecimento, uma revelação da
alma humana aos outros e a nós
mesmos.
Folha - Agora uma pergunta
ao professor de filosofia que você também é: há, para você,
uma relação entre filosofia e literatura? Uma ajuda a outra?
Faria - No meu caso, a filosofia
não ajuda a literatura, pelo contrário, rouba-lhe tempo e torna-lhe a vida mais difícil.
Folha - Como assim?
Faria - Dá-me prazer ler pensadores que simultaneamente são
grandes escritores. O pior é ter
que ler a maioria dos trabalhos estudantis. Fico doente e deprimido, pergunto-me para que ensinar filosofia a quem precisava começar por aprender português.
Mas na faculdade é tarde demais,
e não vejo saída.
Folha - Já falamos de João Cabral. Que outro ou outros autores brasileiros, se é que há, poderiam ser destacados como referências para você?
Faria - Guimarães Rosa, o poeta
da prosa.
Folha - E, em Portugal, qual é
o estado da literatura hoje em
dia?
Faria - A lusa literatura está de
boa saúde e recomenda-se.
Folha - Quem são, para você,
os grandes escritores portugueses do século?
Faria - Por causa das suscetibilidades, não cito nenhum dos que,
como nós, respiram. Dos que já
não respiram, mas não estão menos vivos, para mim os maiores
são Pessoa e alguns dos seus heterônimos. Há outros excelentes,
infelizmente menos conhecidos.
Folha - Por exemplo?
Faria - Por exemplo? Olhe, Raúl
Brandão. Um autêntico criador,
sombrio e luminoso, dramaturgo
de humor trágico, minucioso memorialista e ficcionista nada convencional. Bem merecia ser editado também no Brasil.
Folha - Já tem algum projeto
para o próximo livro?
Faria - Mais que projeto, tenho
um romance parado por falta de
tempo e de título que me agrade.
Espero terminá-lo em breve, nas
férias, única altura em que trabalho o dia inteiro.
Folha - Quer revelar o título,
mesmo provisório?
Faria - Sou supersticioso, desculpe. Só lhe posso dizer que se
passa quase todo no Brasil e que
termina em Olinda.
João Almino é escritor e diplomata, autor
dos romances "Idéias para Onde Passar o
Fim do Mundo" e "Samba-Enredo".
Onde encomendar:
O livro "A Reviravolta", de Almeida Faria,
pode ser encomendado na Livraria Portugal (r. Genebra, 165, tel. 0/xx/11/
3104-1748, SP).
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