São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
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PONTO DE FUGA

Em memória do que sinto

JORGE COLI
especial para a Folha,

em Nova York
No Museu de Arte Contemporânea (MoCA), de Los An
geles, há uma exposição sobre Frank O'Hara (1926-1966). Ele foi o poeta maior de uma geração mítica. Ligado às artes, exerceu funções oficiais no MoMA, em NY, ou selecionando obras americanas para as bienais de Veneza, Kassel e, em 1957 e 1961, São Paulo. Mais do que isso, soube estimular o meio criador de seu tempo, fazendo agir uma personalidade leve e fugaz, sem jamais impor-se como mentor ou líder. Ele devia ser parecido com sua poesia, na qual a linguagem é sempre corrente e casual, abrindo-se para emoções silenciosas sem pompas nem poses. Era avesso ao dogmatismo. Ligou-se, em época de correntes muito antagônicas, a todas as formas artísticas novas e fortes, mesmo quando elas se excluíam e se opunham: estava no centro, foi "amigo, modelo, musa, colaborador e crítico", como enumera o catálogo, próximo tanto da "Action Painting" quanto das novas figurações.
A mostra evoca uma invejável efervescência, na qual escrita, pintura, cinema e música se incitavam umas às outras. Algumas vezes O'Hara intervinha com textos em desenhos e colagens, colaborando com Norman Bluhn e Joe Brainard: o humor abria-se então para a "Pop Art". Em outras, sua poesia inspirava obras; "In Memory of My Feelings" determinaria um dos quadros mais essenciais de Jasper Johns, que roubou o título do poema, a ele acrescentando apenas "Frank O'Hara".

Fragmentos - Há excelentes retratos de O'Hara. Alex Katz figurou-o como marinheiro: seu nariz quebrado no perfil rigoroso evoca imediatamente o Montefeltro de Piero della Francesca. Um de seus "cutouts" aprisiona o modelo numa atitude ausente. Larry Rivers representou-o num grande quadro, nu, ostensivamente sexuado e heróico. Jasper Johns, em 1961, tomara o molde, em gesso, da planta do pé de O'Hara. Mais tarde, O'Hara escreveria, num poema para Johns: "Quando eu penso em você na Carolina do Sul, penso no meu pé sobre a areia". Quatro anos depois da morte do poeta, em acidente ocorrido na praia de Fire Island, Johns fabricava um objeto "dada-pop", comovente e fetichista. O relevo do pé foi incorporado sob uma tampa, articulada por dobradiças, a uma caixa de madeira. Essa caixa contém três gavetas repletas de areia, que podem ser dispostas de maneira a receber a marca impressa da pegada, como o pé faria na praia. A sensação efêmera, de inesperado tom proustiano, é assim capturada, para sempre, em obra para museus ou colecionadores. Seu título é "Memory Piece (Frank O'Hara), 1961-70".

Arco-íris - Os "Mighty Wurlitz Organs" -órgãos que acompanhavam a ação dos filmes mudos- são hoje muito raros. Um dos que sobraram, magnífico de sonoridades eufóricas, cheio de timbres e percussões, encontra-se no "Castro", cinema de San Francisco inaugurado em 1924, que atravessou intacto os tempos. A sala é recoberta de relevos, ouros, pinturas, e as sessões são precedidas por um concerto. Quadro perfeito para os melodramas de Douglas Sirk, ali apresentados numa atual retrospectiva.

Metrópole - Em Chicago, "inventou-se" o arranha-céu, e de Sullivan, no século passado, até hoje, passando por inúmeras obras de Wright, a cidade reúne edifícios de importância e qualidade excepcionais. "The Chicago Architecture Foundation" propõe visitas sérias e bem-feitas: uma, de barco, é propriamente deslumbrante. Ela permite o panorama visto do lago e a penetração no tecido urbano pelo rio. Kenzo Tange, Ricardo Bofill, Cesar Pelli, os alvéolos de Bertrand Goldberg, o mágico "Nuveen Building", de Kohn Pedersen Fox, sucedem-se, em espetáculo.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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