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Os mosqueteiros saem do armário
Nova tradução inglesa do clássico de Dumas restaura as conotações sexuais vetadas pela repressão vitoriana
ROBIN BUSS
Alexandre Dumas
(1802-70) é um caso interessante.
Seus melhores romances estão sempre em catálogo, desde o lançamento. "Os Três Mosqueteiros" [Ediouro] e "O Conde de
Monte Cristo" também estão
entre as obras literárias mais
adaptadas para o cinema.
Mas a reputação literária de
Dumas não é muito sólida. Na
França, as histórias da literatura mais conhecidas normalmente ignoram sua obra: o tom
foi ditado por Gustave Lanson
(1895), que desdenhou o trabalho de ficção de Dumas em apenas uma sentença. O escritor,
afirmou, "tomou o controle" do
romance histórico como gênero e "o encaminhou além do
domínio da literatura e da arte,
transformando-o em diversão
para as massas".
De fato, a popularidade de
Dumas sempre foi usada contra ele. À medida que o século
19 avançava, o escritor passou a
se enquadrar menos e menos
na imagem de criador literário
dedicado a sua arte e à busca de
"le mot juste" [a palavra exata].
Ele era pago por palavra -e
produziu milhões delas, na forma de romances, peças, contos,
artigos jornalísticos, artigos sobre viagens, memórias, obras
históricas e até mesmo manuais de culinária. O pior é que
usava colaboradores, de modo
que é impossível certificar que
proporção de "Os Três Mosqueteiros" foi escrita por Dumas em pessoa e que partes
couberam a seu assistente favorito, Auguste Maquet.
Nada disso prejudicou as
vendas de Dumas (especialmente a acusação de imoralidade), mas veredictos como esse influenciaram a maneira como seus livros passaram a ser
percebidos.
Foi classificado como escritor de capa-e-espada. Não era
possível incluí-lo nas fileiras
dos autores infantis. Afinal, o
herói de "Os Três Mosqueteiros" dorme com a maligna Milady, com a criada desta e, enquanto isso, faz a corte a uma
outra mulher, casada.
Drogas e lesbianismo
Mas, apesar de escrever romances que tratam de incesto
("A Rainha Margot"), lesbianismo, drogas alucinógenas ("O
Conde de Monte Cristo"), adultério, sadismo e muito mais,
Dumas raramente foi considerado um escritor completamente adulto, e isso era compartilhado pelos tradutores
que verteram suas obras para o
inglês no século 19.
Como explica Richard Pevear no prefácio à nova edição
de "Os Três Mosqueteiros", traduzida por ele [ed. Viking, 736
págs., US$ 35, R$ 75], os tradutores vitorianos removiam "todas as referências explícitas -e
muitas das implícitas- à sexualidade e ao corpo humano",
com o resultado de que certas
cenas se tornavam "estranhamente vagas".
Até mesmo as traduções da
década de 1890, mais ousadas
que versões anteriores, exibem
inibições peculiares. Por exemplo, na cena de "Os Três Mosqueteiros" na qual D'Artagnan
é surpreendido depois de seduzir Milady, Dumas escreveu (e
Pevear traduziu), que ela "de
um salto lançou-se seminua
contra ele".
O tradutor da versão de 1895
se recusou a permitir que seus
leitores imaginassem essa mulher seminua e decidiu que era
D'Artagnan que estava "seminu em sua cama": afinal, um
homem seminu ainda pode estar coberto de maneira a preservar a decência, enquanto
uma mulher não pode.
A definição de Dumas como
simples escritor de aventuras
terminou por transformar a
percepção criada pelos tradutores sobre seu trabalho, no século 19, porque cortavam trechos que, de acordo com a interpretação que adotavam, retardavam o ritmo da narrativa.
Isso não é muito importante
em "Os Três Mosqueteiros",
mas altera fundamentalmente
a trama de "A Tulipa Negra",
romance no qual Dumas discorre extensamente sobre a
história e cultura da Holanda.
Era perdida
E, além da censura por motivos de pudicícia e dos cortes, os
tradutores vitorianos tampouco respeitavam a linguagem de
Dumas e arruinavam muitos de
seus efeitos humorísticos em
razão de escolhas verborrágicas: os olhos que contemplam
um prazer inesperado não se
"arregalam"; eles "se dilatam
de maneira que faz parecer que
explodirão" e assim por diante.
Se se desejar saber por que isso é uma vergonha, leia-se o
trabalho de Dumas em tradução moderna.
Comecemos por um novo
olhar para "Os Três Mosqueteiros". Filho de um general do
exército revolucionário francês, Dumas tinha apenas 13
anos quando Napoleão foi derrotado em Waterloo; passou a
juventude sob o deprimente jugo da restauração Bourbon e
era parte de uma geração cujos
jovens não puderam compartilhar da excitação e aventura de
uma revolução e um império.
É por isso que ele amava especialmente o século 17, período em que se passa esse romance e suas continuações, vendo-o como uma era perdida de liberdade, paixão e aventura. É o
prazer evidente de Dumas, e
não os efeitos popularescos,
que explica a popularidade duradoura de seu trabalho.
Este texto saiu no "Independent".
Tradução de Paulo Migliacci.
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