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Uma vida errante
Exaustivo, mas apologético, "Farquhar, o Último Titã" descreve a biografia atribulada do construtor da ferrovia Madeira-Mamoré
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
É
inegável que Percival
Farquhar [1864- 1953]
é um personagem fascinante. Nos 89 anos
de vida, esteve envolvido em diversos empreendimentos na América Latina, isso
desde 1898. Obteve a concessão
para a eletrificação dos bondes
de Havana logo após o final da
guerra Hispano-Americana.
Ainda em Cuba construiu
uma ferrovia na parte oriental
da ilha, depois esteve na Guatemala e em 1905 começou seus
negócios no Brasil.
Construiu os portos de Rio
Grande do Sul e Belém e as estradas de ferro São Paulo-Rio
Grande (parte dela passava pelo território onde ocorreria a
Guerra do Contestado, em
1912-16) e a célebre Madeira-Mamoré. Controlou a estrada
de ferro Sorocabana, em São
Paulo, e foi dono da maior fazenda do mundo, com 3,2 milhões de hectares, no Mato
Grosso, com mais de 200 mil
cabeças de gado.
Em 1914 perdeu tudo o que
tinha no Brasil, às vésperas da
Primeira Guerra. Obtendo recursos no exterior, desde o final dos anos 1910 começou
uma luta para controlar a extração de minério de ferro em
Minas Gerais, na região de Itabira, que envolvia também a
construção de uma estrada de
ferro ligando a região mineira
ao porto de Vitória, de onde o
minério seria exportado.
Na disputa pela exploração
do ferro, teve de enfrentar o
crescente nacionalismo brasileiro que se manifestava nos
jornais, nos panfletos e nos debates parlamentares.
Farquhar logo virou sinônimo de imperialismo. Em disputa com o governo, passou a
residir no Brasil, onde permaneceu por 20 anos. Em 1942
perdeu o controle da Itabira
(que passou para a então recém-criada Companhia Vale
do Rio Doce).
Contudo, dois anos depois,
com sócios brasileiros, criou a
Acesita, siderúrgica que iria fabricar aços especiais. Em 1952
teve de ceder o controle da empresa, que passou para o Banco
do Brasil. No ano seguinte,
morreu em Nova York.
Ganha e perde
"Farquhar, o Último Titã
-Um Empreendedor Americano na América Latina", de
Charles Gauld, apresenta Farquhar como símbolo de um capitalista ousado e vinculado ao
sistema financeiro internacional e à especulação nas bolsas
de valores dos EUA e da Europa. Ganhou milhões de dólares.
Mas também perdeu (como
nas crises de 1914 e 1929 e na
União Soviética, Argentina e no
Uruguai) e morreu sem deter o
controle exclusivo de nenhuma
das diversas empresas que
criou no Brasil.
Nas suas atividades na América Latina, principalmente no
Brasil, foi personagem dos debates políticos, conheceu boa
parte da elite nacional e subornou políticos, funcionários públicos e jornalistas, buscando
obter condições favoráveis para os seus empreendimentos.
Teve muitos dissabores no
Brasil. Dizia que o país não poderia ter ordem e progresso, ou
uma ou outro. Achava que nos
países tropicais os reformadores (como ele) seriam derrotados pelos corruptos e nepotistas. Admirava Herbert Hoover,
o presidente americano que
não soube o que fazer após o
crack da Bolsa de Nova York de
outubro de 1929, mas tinha opinião negativa sobre Franklin
Roosevelt, pai do New Deal.
O autor comenta ampla bibliografia americana sobre o
Brasil. Parte dela nem sequer é
citada comumente em nossos
livros e pouquíssimos desses
textos foram traduzidos. Além
da vasta base documental,
Gauld também entrevistou diversos personagens que conviveram com Farquhar, além do
personagem principal do livro.
Isso, algumas vezes, prejudica a distância do autor em relação ao personagem, e em várias
passagens o livro se aproxima
da hagiografia. Deve ser lembrado que, em vários momentos, o autor é excessivamente
descritivo, detalhista ao extremo, e perde a visão do todo.
No final, causa estranheza
uma informação. Em 42, Monteiro Lobato, que foi feroz adversário de Farquhar na década
anterior, escreve uma biografia
do capitalista americano a convite de Olivo Gomes, pai de Severo Gomes.
Inclusive o autor
transcreve umas linhas do suposto manuscrito. O livro nunca foi escrito, pois Lobato acabou desconvidado por Gomes.
MARCO ANTONIO VILLA é professor de história no departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de
"Jango, um Perfil" (ed. Globo).
FARQUHAR, O ÚLTIMO TITÃ
Autor: Charles Gauld
Tradução: Eliana Vale
Editora: Editora de Cultura (tel. 0/
xx/11/ 5549-3660)
Quanto: R$ 88 (536 págs.)
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