São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Uma vida errante

Exaustivo, mas apologético, "Farquhar, o Último Titã" descreve a biografia atribulada do construtor da ferrovia Madeira-Mamoré

MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

É inegável que Percival Farquhar [1864- 1953] é um personagem fascinante. Nos 89 anos de vida, esteve envolvido em diversos empreendimentos na América Latina, isso desde 1898. Obteve a concessão para a eletrificação dos bondes de Havana logo após o final da guerra Hispano-Americana.
Ainda em Cuba construiu uma ferrovia na parte oriental da ilha, depois esteve na Guatemala e em 1905 começou seus negócios no Brasil. Construiu os portos de Rio Grande do Sul e Belém e as estradas de ferro São Paulo-Rio Grande (parte dela passava pelo território onde ocorreria a Guerra do Contestado, em 1912-16) e a célebre Madeira-Mamoré. Controlou a estrada de ferro Sorocabana, em São Paulo, e foi dono da maior fazenda do mundo, com 3,2 milhões de hectares, no Mato Grosso, com mais de 200 mil cabeças de gado.
Em 1914 perdeu tudo o que tinha no Brasil, às vésperas da Primeira Guerra. Obtendo recursos no exterior, desde o final dos anos 1910 começou uma luta para controlar a extração de minério de ferro em Minas Gerais, na região de Itabira, que envolvia também a construção de uma estrada de ferro ligando a região mineira ao porto de Vitória, de onde o minério seria exportado.
Na disputa pela exploração do ferro, teve de enfrentar o crescente nacionalismo brasileiro que se manifestava nos jornais, nos panfletos e nos debates parlamentares. Farquhar logo virou sinônimo de imperialismo. Em disputa com o governo, passou a residir no Brasil, onde permaneceu por 20 anos. Em 1942 perdeu o controle da Itabira (que passou para a então recém-criada Companhia Vale do Rio Doce).
Contudo, dois anos depois, com sócios brasileiros, criou a Acesita, siderúrgica que iria fabricar aços especiais. Em 1952 teve de ceder o controle da empresa, que passou para o Banco do Brasil. No ano seguinte, morreu em Nova York.

Ganha e perde
"Farquhar, o Último Titã -Um Empreendedor Americano na América Latina", de Charles Gauld, apresenta Farquhar como símbolo de um capitalista ousado e vinculado ao sistema financeiro internacional e à especulação nas bolsas de valores dos EUA e da Europa. Ganhou milhões de dólares. Mas também perdeu (como nas crises de 1914 e 1929 e na União Soviética, Argentina e no Uruguai) e morreu sem deter o controle exclusivo de nenhuma das diversas empresas que criou no Brasil.
Nas suas atividades na América Latina, principalmente no Brasil, foi personagem dos debates políticos, conheceu boa parte da elite nacional e subornou políticos, funcionários públicos e jornalistas, buscando obter condições favoráveis para os seus empreendimentos. Teve muitos dissabores no Brasil. Dizia que o país não poderia ter ordem e progresso, ou uma ou outro. Achava que nos países tropicais os reformadores (como ele) seriam derrotados pelos corruptos e nepotistas. Admirava Herbert Hoover, o presidente americano que não soube o que fazer após o crack da Bolsa de Nova York de outubro de 1929, mas tinha opinião negativa sobre Franklin Roosevelt, pai do New Deal.
O autor comenta ampla bibliografia americana sobre o Brasil. Parte dela nem sequer é citada comumente em nossos livros e pouquíssimos desses textos foram traduzidos. Além da vasta base documental, Gauld também entrevistou diversos personagens que conviveram com Farquhar, além do personagem principal do livro.
Isso, algumas vezes, prejudica a distância do autor em relação ao personagem, e em várias passagens o livro se aproxima da hagiografia. Deve ser lembrado que, em vários momentos, o autor é excessivamente descritivo, detalhista ao extremo, e perde a visão do todo.
No final, causa estranheza uma informação. Em 42, Monteiro Lobato, que foi feroz adversário de Farquhar na década anterior, escreve uma biografia do capitalista americano a convite de Olivo Gomes, pai de Severo Gomes.
Inclusive o autor transcreve umas linhas do suposto manuscrito. O livro nunca foi escrito, pois Lobato acabou desconvidado por Gomes.


MARCO ANTONIO VILLA é professor de história no departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor de "Jango, um Perfil" (ed. Globo).

FARQUHAR, O ÚLTIMO TITÃ
Autor: Charles Gauld
Tradução: Eliana Vale
Editora: Editora de Cultura (tel. 0/ xx/11/ 5549-3660)
Quanto: R$ 88 (536 págs.)



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