São Paulo, Domingo, 05 de Dezembro de 1999


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Contraponto publica "A Teoria da Relatividade Especial e Geral"
A revolução de Einstein

A física do gigantesco

Folha Imagem
O físico alemão Albert Einstein (1879 - 1955)


CÁSSIO LEITE VIEIRA
especial para a Folha

Quase meia-noite, 31 de dezembro de 2000. Alguém decide fazer um balanço de sua biblioteca pessoal. A idéia é saber quão bem ela representa o século que acaba. Tarefa, claro, difícil. Mas vai uma sugestão: se na estante houver um livrinho, com cerca de cento e poucas páginas, cujo título original em alemão é "Über die Spezielle und die Allgemeine Relativitäts theorie", nosso personagem poderá desfrutar a festa mais feliz. Aquela biblioteca guarda, em meros 2 cm de espessura, uma fração importante da história e da ciência dos últimos cem anos.
Antes que se desconfie de tamanho entusiasmo, é preciso tentar mostrar o que é "A Teoria da Relatividade Especial e Geral", que sai pela primeira vez no Brasil, editado pela Contraponto. Sem contar seu valor histórico, esse livreto é o relato simplificado do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), um dos maiores cientistas de todos os tempos, sobre a teoria da relatividade geral, já classificada como a maior contribuição intelectual de um só homem neste século. Feita essa definição, vale, então, apresentar três pontos: a teoria em si, a linguagem de Einstein e o contexto histórico.
A relatividade geral é hoje uma das duas colunas que sustentam a física moderna. Foi aprovada em testes severos. O mesmo ocorreu com a chamada mecânica quântica, a segunda coluna, teoria que lida com fenômenos do diminuto mundo dos átomos e das moléculas. O foco da relatividade são objetos gigantescos, do mundo do muito grande, como planetas, estrelas, galáxias etc. Assim como a relatividade geral, a mecânica quântica foi testada inúmeras vezes, recebendo o título de teoria mais precisa da história.
Da publicação da relatividade geral em 1916 até hoje, a pesquisa nessa área passou por altos e baixos. Estranho, porém, é que, ainda na década de 20, logo após sua confirmação histórica, essa área tenha ficado restrita a poucos físicos. Alguns dos motivos: os testes experimentais para a teoria eram ainda difíceis, e a relatividade era uma obra-prima que parecia acabada, só à espera de refinamentos (que o próprio Einstein tratou de apresentar).
Além disso, a atenção dos cientistas na década de 20 estava praticamente voltada para a recém-criada mecânica quântica, como ponderou o historiador da ciência dinamarquês Helge Kragh, em palestra no Brasil. Segundo ele, era dessa área, acreditavam então os pesquisadores, que sairiam os próximos prêmios Nobel. E isso mostrou-se certo.
Hoje, reavivada principalmente por trabalhos do início da década de 1960, a pesquisa em relatividade ganhou força com vasta quantidade de dados experimentais e com a descoberta de corpos e fenômenos astronômicos, como pulsares (corpos que emitem radiação em intervalos de tempo regulares), radiação de fundo (um tipo de eco do Big Bang, a explosão que deu origem ao Universo) e a possibilidade de existência de buracos negros (corpos maciços que sugam luz e matéria). Essa física do gigantesco é tratada pela relatividade geral.
A relatividade geral está também em cena graças às dificuldades que surgem quando se tenta uni-la com a mecânica quântica (ou vice-versa). A meta é chegar a um tipo de teoria final, que trataria de todos os fenômenos da natureza. Porém, o mundo do imenso e o do minúsculo teimam em não querer se juntar facilmente. E o debate continua.
"A Teoria da Relatividade Especial e Geral" não é um livro de divulgação no sentido que se dá hoje às obras de popularização da ciência. Então é preciso, ainda que vagamente, tentar esclarecer o que era a divulgação científica no início do século. Longe dos milhares ou milhões de leitores que vêm atingindo nas últimas duas décadas, a divulgação científica na época era endereçada a uma elite bem formada, intelectual. Não é por menos que Einstein se refere tanto nesse quanto em outro livro seu de divulgação, "A Evolução da Física" (1938), a um leitor esclarecido, mas que não domina o aparato matemático. Hoje, escrever para tamanho público implica simplificar ao máximo conceitos -e, por vezes, semear uma dose de sensacionalismo para que deles surjam um glamour.
Einstein não era fã do sensacionalismo. Sua linguagem é um emblema de como um cientista deveria se reportar ao público não-especializado da época. É clara, elegante (Einstein era um artífice da língua alemã), muito simplificada e extremamente pictórica. É prazeroso ser conduzido por Einstein a certos fatos simples, porém paradoxais, do cotidiano. Para isso, ele vai aos poucos construindo um mundo imaginário com trenzinhos, réguas, relógios, pássaros, seres achatados que vivem em esferas, mas não têm consciência disso.
O livro guarda um pouco do Einstein professor secundário. Revela também um pouco do caminho lógico que o levou a rever as noções de espaço, tempo e gravidade em sua teoria da relatividade especial (1905) e geral (1916).
A receita que o próprio Einstein dá é a atenção. Não é preciso muito mais. Ele começa por conceitos básicos de geometria que vão dando alicerce para assentar o que vem pela frente. Sua estratégia é interessante: aos poucos, vai incutindo dúvidas no leitor, mostrando a contradição existente por trás de conceitos simples, os problemas de encarar espaço e tempo como absolutos.
Por vezes, a explicação toma a forma de diálogos, com Einstein formulando perguntas penetrantes à figura do leitor. Tem-se então a ilusão -prazerosa- de se estar conversando, de igual para igual, com o autor.
A passagem mais difícil pareceu estar mais ao final, quando Einstein explica os chamados espaços curvos. Há realmente um sobressalto, exigindo, em um dos capítulos, algum conhecimento prévio. Mas, ainda no prefácio, há um alerta: "A leitura pressupõe que o leitor tenha formação equivalente à do ensino médio e -apesar da brevidade do livro- força de vontade e paciência".
Baseado no conselho de Einstein, supõe-se que o personagem fictício do início deste texto poderia ser um universitário de ciências exatas. Para este, o livro não trará dificuldades. Mesmo o resíduo matemático que Einstein propositadamente deixou pode ser desvendado por estudantes de biológicas, porque as passagens são triviais, bastando um pouco das seis operações matemáticas para entendê-las. A um estudante de humanas, cioso de conhecer mais das ciências exatas do século 20, bastará a receita de Einstein.
Além dos 32 capítulos curtos (outro mérito do livreto), há outros cinco tópicos no apêndice, onde o autor despeja deduções matemáticas e outros aprofundamentos. O de número cinco traz uma atualização que Einstein escreveu em 1952 sobre a relatividade e o problema do espaço.
Valem, porém, duas considerações sobre o valor histórico da obra. Primeiramente, o fato de o livreto ter sido finalizado em dezembro de 1916. De 1911 a 1915, Einstein trabalhou brutalmente. Em carta a seu amigo Marcel Grossman (1878-1936), chegou a pedir ajuda quase em desespero, "caso contrário acho que vou enlouquecer", escreveu. Eram problemas com a teoria.
Einstein começou a pensar em escrever esse livro pouco depois de finalizar a relatividade geral -trabalho que faria dele merecedor de longas, longas férias; havia oito anos que Einstein remoía o assunto. No começo de 1916, em carta ao amigo Michele Besso (1873-1955), diz estar com dificuldades em começar. "Por outro lado, se eu não o fizer, a teoria, simples como basicamente ela é, não será entendida assim." Portanto, causa espanto o fato de Einstein ainda ter guardado forças para popularizar suas idéias.
E aqui vem a segunda consideração. O livreto ajuda a reforçar a idéia de que Einstein estava profundamente certo sobre a validade da relatividade geral. Ainda em 1917, quando da primeira edição, a teoria tinha basicamente um só ponto a seu favor: explicava uma anomalia na órbita do planeta Mercúrio -o que, sem dúvida, já era fantástico. Dois outros testes possíveis para ela só viriam em 1919 e em 1960. E ainda há dúvidas sobre a validade do primeiro.
Para o ano que vem, a Editora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) promete "Einstein's Miraculous Year - Five Papers That Changed the Face of Physics" (O ano milagroso de Einstein), coletânea de cinco dos seis trabalhos que Einstein produziu em 1905, entre eles o que deduz a fórmula mais famosa da ciência, o E=mc2, e aquele que contém a hipótese que Einstein considerava como a mais revolucionária de sua carreira: a de que a luz é formada por partículas denominadas mais tarde fótons.
O prefácio é do físico britânico Roger Penrose, ele mesmo um dos responsáveis por reanimar a pesquisa em relatividade no início da década de 1960. A introdução de cada um dos trabalhos originais é do físico John Stachel, da Universidade de Boston, um dos maiores especialistas em Einstein do planeta.
Para essa coletânea, com cerca de 200 páginas na versão em inglês, o público muda. E o livro passa a ser interessante para universitários de ciências exatas que quiserem conhecer um pouco da tempestade mental por que passou o autor naquele ano. Os trabalhos são originais, o que implica matemática intrincada. Se mais esse livro de Einstein também estiver em sua estante, dê-se ainda por mais feliz.
Como já foi dito, já que a palavra gênio existe nos dicionários, ninguém melhor do Einstein para ser classificado assim. Porém este encarava o assunto com certo desdém. Einstein acreditava que duas de suas melhores qualidades era trabalhar muito e ser teimoso como uma mula. Acreditava mais no suor e na criatividade do que numa suposta genialidade.
A capacidade de trabalho de Einstein sempre foi reconhecida como brutal. E isso é o que explica em parte seu livro "A Teoria da Relatividade Especial e Geral" ainda em 1916 e a produção estonteante de 1905, reunida em "Einstein's Miraculous Year". Abraham Pais, físico holandês e autor de "Sutil é o Senhor" (Nova Fronteira, 1995), candidata a biografia científica definitiva de Einstein, descreve num texto curto, porém tocante, essa capacidade.
Meses antes da morte de Einstein, Pais fez uma visita a ele. Encontrou-o sentado numa poltrona, colcha no colo, prancheta, papel e caneta na mão. Conversaram meia hora, e Pais se despediu. Deu cinco ou seis passos até a porta do quarto e resolveu dar uma última olhada no velho amigo. Einstein já estava de cabeça baixa... trabalhando.


A OBRA
A Teoria da Relatividade Especial e Geral, de Albert Einstein. Trad. de Carlos Almeida Pereira. 136 págs. R$ 19,00. Contraponto Editora (r. Francisco Serrador, 2, sala 302, CEP 20031-060, Rio de Janeiro, 0/xx/21/ 259-4957). O livro sai em coleção que já publicou, entre outros, "Física Atômica e Conhecimento Humano", de Niels Bohr, e "O Valor da Ciência", de Henry Poincaré.

Cássio Leite Vieira é jornalista e bolsista no Museu de Astronomia e Ciências Afins.


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