São Paulo, Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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"Noventa e oito por cento do teatro brasileiro é estereotipado, as interpretações são estereotipadas; você coloca a máscara e aquilo não funciona, é morto"


Quando você começou a consolidar o seu método?
No "Prêt-à-Porter" eu vi que primeiro precisava limpar o ator, através do processo de corpo e através da mente, da sensibilidade. Tirar o ator de uma grosseria, da ansiedade, deixar ser mais simples, de ser estereotipado. Noventa e oito por cento do teatro brasileiro é estereotipado. As interpretações são estereotipadas. O estereótipo é uma coisa morta. Você coloca a máscara e aquilo não funciona, é morto. Quando um ator está no palco, ele pensa que está com sentimentos. Mas ele não está com sentimentos da personagem. Os atores que eu vejo em cena quase nunca estão colocando o sentimento programado para a personagem. Estão colocando o confinamento, a ansiedade, a angústia de estar no palco. Porque para isso precisa educar o ator. Quer queira, quer não, por mais tolo que possam achar, o músculo conta. Se eu ficar com o ombro duro, já vou para a projeção e perco a sensibilidade.
Com "Prêt-à-Porter" você alcançou a sensibilidade?
O "Prêt-à-Porter" é a busca do afastamento, para chegar à sensibilidade. O afastamento nada mais é do que "saia da paixão e vá para a sensibilidade". Se você ficar tomado de emoção, fica travado. Mas o "Prêt-à-Porter" ainda não é a sensibilidade plena, que o ator só vai poder alcançar com a colocação vocal. Corpo e voz são uma coisa só. Não adianta só ensaiar voz, que não vai resolver; não adianta só ensaiar corpo. Tenho que ensaiar as duas coisas. No "Prêt-à-Porter" ensaiei muito corpo, mas havia muita ansiedade ainda. Para mim, a voz é a coisa fundamental do teatro. Estou chegando agora a essa conclusão, com "Fragmentos Troianos", embora as pessoas não saibam ler e estejam estranhando o espetáculo. No início, nos primeiros dias, a maioria era contra esse tipo de voz. Agora, já mudou. Estão vendo a eufonia da língua portuguesa. Porque não é mais feito com projeção. É feito por ressonância.
Como é a ressonância?
Na projeção, é a consoante que leva a vogal para você. Na ressonância, é a vogal que leva a consoante. A consoante é impressa na vogal. E é tecla por tecla. No coloquial, a gente fala com um impulso só. Agora, não. É de música. A música não está no fim da frase, do teatro clássico que você viu até hoje. Não está mais no fim. Não tem mais isso de você cantar no fim da frase e achar que é clássico, como nós sempre vimos. Não havia um espetáculo que não tivesse a cantadinha no final. Aqui, não. A música é durante. Quando você vai ver teatro grego, é todo mundo igual. Aquela voz empostada, ridícula, que me dói o ouvido. E fica todo mundo gritando. (exaltado) Não vai poder ter texto, o grande texto em profundidade, enquanto não tiver ator falando muito bem. Porque fica uma gritaria, e gritaria por gritaria eu vou escrever para a televisão, fazer porcaria. Agora, na hora em que houver o ator com sensibilidade...
"Prêt-à-Porter" já anuncia uma nova dramaturgia?
"Prêt-à-Porter" é um degrau. Só depois de ter o"Prêt-à-Porter" e depois de ter alguma experiência, depois de os garotos fazerem alguma dramaturgia, é que nós começaremos com o círculo de dramaturgia. E não é uma camisa-de-força. Não vamos pregar Aristóteles, que mata a possibilidade de autor. Se o Aristóteles tivesse existido antes dos grandes trágicos, não existiria a tragédia. Eu sou a favor da retórica, mas não da poética do Aristóteles. Você pode chegar à poética do Aristóteles um dia, mas não de cara. Agora, a retórica é fundamental para o autor e para o ator. Quando falo retórica, é a nova retórica, a metafórica, a da imaginação, da metade do século para cá. Não é de chicaneiro. Porque tem ética. É aí que entra o pensamento oriental. Eu vejo os filmes e mando o pessoal assistir os filmes do (John) Gielgud. Esse cara sabe tudo de técnica, mas dá uma porcaria. Ele está fazendo para ele. É chato, é egoísta.
John Gielgud, a voz.
Sim, mas é uma porcaria, é chato. Quando falo do ator ilusionista, é que ele está iludindo, mas antes de iludir ele tem uma ética. Não é simplesmente gostar daquilo, para o seu narcisismo, para o seu egocentrismo. É um ato coletivo, de festa coletiva. É fundamental uma ideologia. Tivesse o Gielgud ou o (Laurence) Olivier essa ideologia, e eles seriam os atores mais maravilhosos. Mas eles fizeram para eles mesmos. Tanto é que você vê o Olivier, no fim da vida dele, que porcaria. O Gielgud, que porcaria. Fala tão bem, mas não tem para onde ir. É por isso que a ideologia é fundamental, esses livros todos. O ilusionismo é dirigido. O ator ilude, mas é para o bem.
Você não tem um modelo claro para a dramaturgia, como você tem para a interpretação. Qual é a sua visão da dramaturgia?
Cada um é um. Você é capaz de escrever uma peça, ele é capaz. Agora, é preciso dar condições para trazer a sua poesia à tona. Você não tem condições, porque não tem atores. Os atores não têm técnica para isso. Se escrever uma obra profunda, de uma sensibilidade extraordinária, ela vai ser gritada, vai ser um contorcionismo. Com o novo ator, você vai poder escrever até versos, que ele vai dizer esses versos maravilhosamente bem. Sabe para que serve a ressonância? O ator não dá mais o ritmo na garganta. Na projeção, ele dá o ritmo na garganta. Isso é fundamental. Ninguém mais vai ficar com calo na voz, porque o ritmo não será dado na garganta. Aquele cara, aquele negrinho do espetáculo do Shakespeare... Ele falava as coisas mais delicadas do mundo.
Adrian Lester, em "As You Like It".
É esse o método. Ele foi um dos modelos. Eu fiquei nele o tempo todo, na apresentação. Você vai fazer uma cena de "Romeu e Julieta" no Brasil e é tudo sambinha de uma nota só, tudo na garganta. Inglês falando dá o ritmo aqui (demonstra), não dá mais na gargantinha. Foi por isso que eu larguei.
Você comentou um dia, de passagem, que combatia a entonação portuguesa do teatro brasileiro, herdada dos atores portugueses e que, apesar de não ter mais o sotaque...
Como é que não? Doisss, trêsss, pixxxina, "i" em lugar de "e". Isso é coisa de Portugal. É o modelo gutural, alemão, feito por Portugal. O paradigma que se está falando aqui ainda é o português. Ainda precisamos fazer a Semana de Arte Moderna da eufonia da língua portuguesa falada no Brasil. Mas eu vou chegar lá, vou.
E você contrapõe a isso a entonação inglesa, sem esse tipo de vício.
Mas que tem outro vício, que é não ter a ideologia.
Ao mesmo tempo, é maravilhosa.
É maravilhosa! Você pega o inglês, o russo também. É lindo como eles falam. Ali é que está a ressonância.
Os ingleses chegaram a isso com Shakespeare.
Os atores russos falam do mesmo jeito. Os eslavos falam do mesmo jeito. Eu vou fazer Tchecov desse jeito, vou fazer Shakespeare desse jeito. Vou fazer tudo com a ressonância. Tanto é que a menina que faz a Hécuba, em "Fragmentos Troianos", consegue criar uma voz com o arrastado da velha, para dizer que ela é velha, com a ressonância. Isso, em vez de fazer vovozinha. Ela é uma nobre. Ela tem que falar secamente. Ela deve ficar chorando? Se você é chefe, você é seca. Ela não é do povo. Ela é uma rainha, ela não pode ceder, tem que ser dura consigo mesma.
Quando você vê Hécuba por aí, é uma imbecilidade. Fica tudo igual, as carpideiras, o povo, a rainha. Aqui tem hierarquia, tem rainha, tem princesa e tem povo. E cada uma tem seu timbre, seu ritmo. Quando você vê tragédia grega, todo mundo fala igual. Em "Fragmentos Troianos", você não perde um fonema. Quando eu fazia espetáculos, antes, você não entendia frases inteiras. O Sábato (Magaldi) foi o meu maior crítico nesse sentido, e nisso me ajudou bastante. Ele foi um dos propulsores. Agora você entende tudo. Essa é que é a minha batalha. Eu fiquei me dedicando. Fazia estudos sozinho. Nunca tomei uma aula de voz. Fui aprender sozinho, para poder ensinar. Mandava vir umas pessoas para dar aula de voz, e dava tudo errado. As pessoas perdiam a voz.
Você abandonou o Desequilíbrio, o exercício de corpo que usava tanto, dez anos atrás?
Não abandonei. Faço de outra maneira. Estava virando uma coisa mecânica, de ginástica. E as pessoas iam para o palco fazer aquilo. O Desequilíbrio servia para as pessoas lidarem com os músculos, para deixarem os músculos a serviço da sua vontade, não as pessoas a serviço dos músculos. Era para amolecer todo o seu corpo e deixá-lo uma argila, para você fazer o que quisesse com ele, qualquer papel. Era uma maneira de dominar os seus músculos sem ser aquela coisa chata, inglesa, de dizer "esse é o músculo tal".
Mas o Desequilíbrio foi a base.
Ele foi a base, de certa maneira. Com a ressonância, agora, você também pode fazer qualquer papel. Tanto é que a Gabriela (Flores) foi interpretar uma velha nos "Fragmentos Troianos" e criou uma voz de velha. Até perguntam: "Onde é que está aquela velha?". Foi na ressonância que ela criou aquela voz. Ela pode falar 20 horas, que não perde a voz. Pode gritar 200 anos, que não vai perder a voz. E ela pode falar muito baixo, que chega ao fundo da platéia. Desculpe dizer, mas eu vejo as coisas que essa menina faz e vejo os filmes das grandes estrelas da Inglaterra, está ali.
Voltando ao Desequilíbrio...
O problema é que tem atores que ouvem o galo cantar e não sabem onde. Tudo quanto é escola começou a adotar. Eu via atores assim (se contrai). Aí eu parei. Agora eu faço outros exercícios, para conhecer os músculos. Mas eram vários exercícios, o Desequilíbrio, a Bolha. A Bolha era ainda mais terrível. Cortei esses exercícios, porque levavam a erro. Agora vou de outra maneira. O meu método é legal, porque foi uma prática que depois resultou numa teoria. Aprendi através desses anos todos. Não queria fazer método nenhum, nem gosto da palavra, mas eu queria o ator. E precisei desenvolver. Se isso é método, vamos chamar de método, então.
O seu método é, de certa maneira, uma desconstrução.
Você desconstrói o estereótipo físico do ator. A persona. Tento destruir a persona. A pessoa tem que estar ciente de que usa uma persona, uma defesa. Eu tenho que destruir essa defesa.
Quando você pegou um Raul Cortez, por exemplo, como foi essa relação? Você conseguiu?
Da minha relação com Raul eu não posso falar muito, porque ela é muito amorosa, sempre.
Mas como você encaixou o ator no método?
O Raul começou numa época, comigo, e ele é extraordinário. Só que eu fui enveredando por um caminho, e é lógico que ele não foi me acompanhando o tempo todo. Mas foi harmoniosa a nossa relação, sempre. O "Matraga", por exemplo, saiu perfeito, do ponto de vista do trabalho. Se tivesse convivido com ele todos aqueles anos em que ele fez umas coisas, e eu outras, o resultado seria ainda superior, embora já tenha sido excelente.
Você estava formando atores jovens e, no meio desse processo, entrou um Raul Cortez.
O resultado da Laura Cardoso, na "Vereda da Salvação", de 93, também foi extraordinário. O que ela fez me surpreendeu. Foi o melhor trabalho da vida dela, tenho certeza. A gente brigou muito, mas pouco a pouco eu fui levando. Que nem com o Paulo Autran, numa peça do Vianinha. Minha vida com ele foi briga o tempo todo. Chegou um momento em que não conversava mais com ele. Um dia, no botequim, a gente conversou e se acertou. Aí ele fez um trabalho extraordinário, dos melhores.

"Adoro a juventude, não somente as mulheres como os homens jovens; você acha que prefiro uma virago do meu lado? Só os hipócritas moralistas acham o contrário"


O seu trabalho no CPT deixa a impressão de que você exige um compromisso até mais ético do que estético.
Eu acho que a ética pertence à estética.
E com essa exigência você trabalha os atores por um tempo. Quando eles estão prontos, você deixa que partam. É isso, é assim?
Claro. O Centro de Pesquisa Teatral é uma praça do Sesc, que tenta produzir alguns, a palavra é pretensiosa, mas é por aí, alguns paradigmas que venham em benefício da sociedade, a médio e longo prazo. São bens imateriais que vão se transformar, em algum tempo, em bens materiais. A minha preocupação é muito grande, de formação das novas gerações. Quando o cara sai do CPT, às vezes ele não está ainda muito preparado. Mas a semente ficou. Eu sempre digo que teatro é arte. Muitos atores fazem teatro pelo sucesso, para se locupletar. Eu tento tirar essa visão. É um pouco aquela coisa do Mário de Andrade, de doação. O lema dele era doação. E eu sou muito Mário de Andrade.
O "Tao da Física" era um carro-chefe do CPT, dez anos atrás. Ele foi encostado?
Não. Foi um movimento de ruptura, mais um, assim como eu não poderia chegar ao taoísmo, ao budismo, se não tivesse antes passado por Jung. O Jung começou muito tarde na minha vida. Foi depois de "Macunaíma". Eu comprei um livro, no Rio, do Mircea Eliade. Li e dali fui para Jung. Antes, o processo nosso tinha, no máximo, Freud, essas reações freudianas, de todos os espetáculos no Brasil. Lendo Mircea Eliade e chegando ao Jung, eu vim a saber o que tinha feito no "Macunaíma", vim a decodificar tantas e tantas cenas. Eram todas arquetípicas. Hoje em dia, no CPT, os nossos atores já leram todos esses livros, pelo menos têm contato.
Você introduziu agora, no CPT, textos sobre retórica.
A retórica entrou para os atores poderem explicar o "Prêt-à-Porter" ao público. Para ter um diálogo sobre uma cena, é preciso ter referenciais, um balizamento. E a retórica deu isso. A retórica ajuda o imaginário, ajuda você a falar, a pensar. Nós estamos fazendo com que os atores pensem. Você está convidado a pegar qualquer um dos atores que trabalham comigo e colocar na parede. Respondem tudo, e de maneira bem razoável. Com o tempo, vai ser melhor. Esse é o primeiro grupo de atores absolutamente independente. Eles dominam a sua expressão, porque têm conhecimento, têm cultura para isso. São eles que têm que levar essa bandeira adiante.
Você não acha que surge um impasse no ator que começa a ler o texto de uma peça, sendo que ele não tem que ler, mas fazer o texto?
Não. Quando você dá um texto, o ator tem que ler aquilo friamente, com cuidado. De maneira racional, não de maneira emocional. Vê a programação primeiro, para saber a função das cenas, causa e efeito. Dentro da programação é que ele vai, racionalmente, conquistando, até chegar ao imaginário.
Primeiro a técnica.
Primeiro a técnica. Teatro é inteligência. Mas, veja bem, eu estou falando em arte. Não estou falando de espetáculos burocráticos, dos diretores burocratas que nós temos. Estou falando de arte, de coisas espirituais, mais altas. E não da funcionalidade, do regulamento. Não, não. Eu odeio espetáculo burocrático, bem-feitinho. Eu odeio aquelas coisas bem ajustadinhas, bem certinhas. Não vem que eu não engulo, não. É por isso que eu adoro o Zé Celso e gosto do Gerald (Thomas). Mesmo que errem muito, eles são artistas. Não são burocratas. É esse o meu amor, a minha admiração profunda por eles. Eu vou ver espetáculos deles, posso não gostar, mas tiro o chapéu e falo: "São artistas". Agora, os burocratas que têm lá tudo direitinho não me falam ao coração. Tudo o que não tiver arte eu acho chato.
Você cria uma dinâmica ao redor de você, no CPT, que lembra um pouco uma seita. As pessoas cultuam você, com amor e ódio, medo e admiração. Você acha que o diretor tem que ter essa reverência?
Não, mas eu até concordo que possa existir isso. As pessoas me admiram e podem até me odiar, tudo bem, mas saibam que eu não estou brincando em serviço. Não há dinheiro que me seduza. Num mundo tão consumista, tão terrível como o que nós estamos vivendo, isso incomoda. Eu faço com que as pessoas se aproximem e se afastem. É lógico, se as pessoas se vendem... Eu sei o que eu quero. Só posso ser feliz se der uma contribuição social. Você pode dizer que eu sou uma personagem ibseniana, utópica, mas o que vou fazer? Tenho um compromisso com aqueles que me assistem. Se tenho privilégios, uma infra-estrutura legal, eu tenho obrigações, deveres. Eu tenho que continuar com o meu trabalho.
Essa sua utopia é o encontro do ator perfeito, do espetáculo perfeito, do país perfeito?
Eu adoro o sublime. A hora em que nós fizermos o ator perfeito, o país será menos imperfeito. A estética altera tudo. É por isso que eu falei que a ética, para mim, faz parte da estética. Tem que ter umas flores. Você melhora, organicamente você melhora. Se é utopia, o que eu vou fazer?
A construção dessa personagem, dentro do CPT, aponta para uma imagem autoritária, de um personagem que dá o método, que indica bibliografia, aonde deve ir. A arte tem que ter essa figura autoritária?
Se você usar esses termos, hoje em dia, para o meu elenco, eles vão se ofender. Se eu sou o primeiro a pedir "faça isso, estude aquilo", estou fazendo de você um igual. Eu quero diálogo.
Você quer trazer o ator para você?
Não, eu estou querendo ajudá-lo a se tornar um cara com consciência. Ser autoritário, para mim, é bater nas costas do outro, jantar nos botequins de teatro, fazer as coisas assim, docemente, e deixar o outro cada vez mais à margem da vida. Eu trago as pessoas para a vida. Pego pessoas que talvez não saibam nada e falo: "Vem". É só você perguntar para as 15 pessoas que eu tenho no meu elenco. Guia, sim, você pode dizer. Mas, nesse Brasil, quem vai ajudar o outro é autoritário... Isso não existe aqui dentro. Pega o telefone de uma das pessoas do elenco e pergunte, detalhe por detalhe, das dez horas que eles passam aqui. Pergunte os mais íntimos detalhes, a respeito do meu comportamento. Você vai ver que é o contrário do autoritarismo. É a favor da liberdade absoluta.
Houve alguma transferência arquetípica, no fato de você ter montado "Drácula"? De sugar o sangue das virgens?
Você quer dizer o quê, com isso? Não entendi exatamente.
De estar trabalhando com jovens.
Vamos pensar? O que você prefere? Eu tenho que passar uma série de exercícios, uma série de livros, para o ator chegar ao que eu quero, a essa utopia. Você vai trabalhar com gente estereotipada, viciada, ou você prefere um jovem?
Um jovem.
O resto são os cães que ladram. E eu não vou dar ouvido a cães que ladram.
Mas, quando você montou "Drácula", você pensou nisso?
Nunca pensei nisso, porque eu não tenho isso. Agora, eu adoro a juventude. Não somente as mulheres jovens, como os homens jovens. Eu adoro, porque é meio celestial. Você acha que eu prefiro uma virago do meu lado? É uma questão estética, também. Uma virago chata, mal-humorada, já toda frustrada, ou um jovem que tenha vida, que dá o encantamento da vida? Os anjos. Só esses hipócritas moralistas é que acham o contrário. E o meu comportamento, apesar de ser uma coisa muito particular, uma coisa só para mim, o meu comportamento é limpo. Não tem canalhice. As pessoas que dizem que existe canalhice são os covardes, os cães que ladram. São aqueles que estão frustrados. São aqueles que deixaram de trabalhar comigo.
Você sabe como é que eu faço um teste? Sabe como é que eu ponho alguém no papel? O ator faz uma cena. O elenco todo assiste, o elenco opina. Não sou eu que escolho. Eu tenho a minha voz, também. Eu defendo certos pontos de vista, ataco certos pontos de vista. Mas sempre é coletivo. Eu, para colocar alguém, preciso conversar com todo mundo. É só perguntar, eles vão dizer. E nunca, na minha vida, favores outros me induziram a levar um ator a fazer tal papel ou aquele. Porque a hora em que fizer isso, eu não vou me respeitar mais. Me dê nome, endereço, RG e mande falar comigo. Eu desmascaro as mentiras. E todo esse elenco que está aí dentro prova. E todo elenco anterior também prova. Não tem favores. Não excluo ninguém. A pessoa se exclui. Eu crio processos. Eu não dirijo a peça mais. Dirijo um processo para fazer uma peça, e todo mundo participa. Não tem nada feito no escuro aqui dentro.


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