São Paulo, Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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Ainda há clássicos à espera de tradução

Marcos Guterman
da Redação

Enfim, uma grande editora brasileira resolveu dedicar-se a um clássico do estudo do Holocausto e do nazismo. Afeito mais às lágrimas de Anne Frank e Oskar Schindler, o mercado editorial não se interessa por títulos básicos para entender Hitler e seus crimes. Por esse motivo, a iniciativa de lançar "Eichmann em Jerusalém" (1963) deve ser comemorada.
Mas é pouco. Há vários títulos fundamentais que só existem para inglês ler, como "Hitler, a Study in Tyranny" (1962), de Allan Bullock, "The Last Days of Hitler" (1947), de Hugh Trevor-Roper, e, especialmente, "The Destruction of The European Jews" (1961), de Raul Hilberg, talvez o principal livro sobre o Holocausto, fonte de Hannah Arendt e dos estudiosos posteriores.
O mérito de "The Destruction..." e de "Eichmann..." é justamente o esvaziamento do discurso corrente sobre o genocídio, que alimenta Hollywood e as estantes de best sellers com o propósito de "preservar a memória" -justificativa mais comum para a infinita reedição dos emocionantes textos sobre os heróis e vilões da desgraça alheia.
"The Destrucion..." e "Eichmann..." foram os primeiros estudos que tiveram a coragem de questionar, por exemplo, o papel dos próprios judeus no genocídio, o que até hoje irrita os sobreviventes.
Hilberg e Arendt também foram os primeiros a qualificar o Holocausto como "raison d'Etat", tese central para entender como foi possível a um governo, ainda que totalitário, mobilizar boa parte dos recursos de um país em guerra com o objetivo de destruir um povo.
Ou seja: ao estabelecerem que a Solução Final não resultou de uma explosão de ódio, mas de uma fria e complexa estrutura burocrática -que funcionava sob as barbas das democracias ocidentais e com a colaboração indireta de líderes judeus-, Hilberg e Arendt inauguraram um duro debate, que leva à reflexão sobre as responsabilidades de todos perante a barbárie.


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