São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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Leia trecho da cena 3 do 1º ato de

"ROMA - ... todos os compartimentos do trem cheiram vagamente a merda. O cheiro é tanto que a gente nem se importa. Essa é a pior coisa que eu posso confessar. Você sabe quanto tempo eu levei para chegar aqui? Muito tempo. Quando você morrer vai se arrepender das coisas que não fez. Você acha que é bicha? Vou te contar uma coisa: somos todos bichas. Você acha que é ladrão? E daí? Você fica confuso com uma moralidade de classe média? Deixa isso pra lá. Deixa pra lá. Você enganou a sua mulher? Se você enganou, conviva com isso. (pausa) Você fode garotinhas, tudo bem, que assim seja. Existe uma moralidade absoluta? Pode ser. E daí? Se você acha que existe, então vá em frente. As pessoas más vão para o inferno? Eu acho que não. Se você acha que sim, aja de acordo. Existe inferno na terra? Sim. Eu é que não vou viver nele. Falo de mim. Você já deu uma cagada que fez você sentir como se tivesse dormido doze horas...?
LINGK - ... Se eu já dei...?
ROMA - É.
LINGK - Não sei.
ROMA - Ou já deu uma mijada...? Uma refeição excelente se apaga na memória. Tudo o mais cresce. Sabe por quê? Porque é só alimento. Esta merda que comemos, ela nos mantém funcionando. Mas é só alimento. As grandes fodas que você pode ter tido. O que você lembra delas?
LINGK - O que é que eu lembro...?
ROMA - Sim.
LINGK - Hummm...
ROMA - Eu não sei. Para mim, estou dizendo, o que é, provavelmente não é o orgasmo. Alguma vadia com os antebraços no seu pescoço, algo que os olhos dela dizem. Um som que ela fez ... ou, eu, deitado, na, vou lhe dizer: eu deitado na cama; no dia seguinte ela me trouxe café com leite. Ela me dá um cigarro, meus culhões ficam duros que nem concreto. [...] É olhar pra frente ou olhar pra trás. Nossa vida é assim. É isso aí. Onde está o momento? (Pausa.) E do que é que temos medo?
Da perda. E o que mais? (pausa) O banco fecha. A gente fica doente, minha mulher morre num avião, o mercado de ação entra em colapso... a casa pega fogo ... e se uma dessas coisas acontecer...?
Nada disso acontece. Seja como for, a gente fica preocupado. O que isso quer dizer? Eu não estou seguro. Como é que eu posso estar seguro? (Pausa.) Acumulando uma fortuna incomensurável? Não. E o que é incomensurável? Isso é doença. Isso é uma armadilha. Não existe medida. Só ganância. Como é que a gente pode agir? O modo certo, diríamos, de lidar com isso é: "Existe uma probabilidade em um milhão de que tal e tal coisa aconteça ... Foda-se, isso não vai acontecer comigo...". Não. Nós sabemos que não é esse o modo certo como eu penso. (Pausa.) Digamos que o modo correto de lidar com isso seja "Existe uma probabilidade em várias de que isso aconteça... Deus me proteja. Sou impotente, não deixe que isso me aconteça..."."


Tradução de ANÍBAL MARI .


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