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NOVOS BRASILIANISTAS
James Green faz a primeira obra histórica panorâmica do homossexualismo no Brasil
Os gays além do clichê e Carnaval
especial para a Folha
O brasilianista James Green, 47,
vai lançar em setembro deste ano
"Beyond Carnival" (Além do
Carnaval), o primeiro livro de um
historiador a abordar o homossexualismo masculino no Brasil em
perspectiva panorâmica.
Utilizando como fontes arquivos
médicos e policiais, jornais alternativos e muitas entrevistas, a pesquisa focaliza as cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo desde o final
do século 19 até os anos 70, com o
surgimento dos primeiros movimentos gays. A obra sairá pela
University of Chicago Press, uma
das mais importantes editoras
acadêmicas norte-americanas sobre o tema.
Como outros brasilianistas da
"geração afirmativa", a trajetória
de Green mistura vida pessoal e
profissional. Em 73, Green fez parte de um comitê de apoio à oposição ao regime militar brasileiro,
na Filadélfia (EUA). Depois de conhecer exilados brasileiros, foi para o país, onde morou em São
Paulo, entre 76 e 81. Em 78, participou da fundação do Somos, um
dos primeiros grupos de apoio aos
direitos a homossexuais no Brasil.
De volta aos EUA, começou a fazer pós-graduação, em 88. "Beyond Carnival", seu primeiro livro, é o resultado de sua tese de
doutorado, defendida na Universidade da Califórnia. Atualmente,
Green ensina história latino-americana na Universidade Estadual
da Califórnia, em Long Beach.
Os estudos de gênero são uma
das áreas que mais têm crescido
entre os brasilianistas nos últimos
anos. Segundo Robert Levine,
co-editor da "Luso-Brazilian Review", a única revista acadêmica
norte-americana especializada no
Brasil, 50% dos artigos que ele recebe atualmente têm gênero como
tema. A seguir, a entrevista que
Green concedeu à Folha.
Folha - É possível definir "homossexual" desde o século 19?
James Green - O termo "homossexual" foi introduzido no
Brasil em 1895, mas antes disso alguns já se viam com uma identidade diferenciada. No Rio da década
de 1870, os homens que desejavam
ter sexo com outros homens eram
conhecidos pejorativamente como
"frescos" ou "putos" e claramente se consideravam diferentes
de homens que mantinham relações sexuais com mulheres. Alguns desses homens eram efeminados, e esses eram os mais visíveis, especialmente para médicos e
juristas que escreveram sobre o assunto. Eles formavam uma cultura
semiclandestina no Rio.
Folha - O sr. afirma que, no Brasil, há uma clara distinção entre
"ativo" e "passivo", sendo que muitas vezes apenas o último é identificado como gay. Isso é uma particularidade brasileira?
Green - No Brasil, "ativos" e
"passivos" são associados à
"masculinidade" e à "feminilidade". Presume-se que os homens que agem masculinamente
têm de penetrar o seu parceiro, e o
contrário ocorre com os homens
efeminados, que devem ser penetrados. No entanto a minha pesquisa indica que não havia só esse
padrão. Ou seja, no século 19 havia
homens efeminados que gostavam
de penetrar seus parceiros, e "ativos" que gostavam de ser penetrados. O estereótipo social tem categorizado o modelo ativo e passivo
de uma forma rígida e nunca inteiramente de acordo com a realidade. Nos anos 50, esse modelo começou a ser quebrado mais abertamente à medida que homens que
tiveram sexo com outros homens
saíram dos papéis "ativo" e
"passivo", identificando-se como "entendidos", "gays" ou
"homossexuais". A mesma noção ativo-passivo prevalece no restante da América Latina.
Folha - O sr. usa duas imagens
para definir o que seria o paradoxo
da questão homossexual no Brasil:
a do Carnaval, como momento de
certa tolerância, e a da violência
dirigida contra os gays. Qual é a
mais próxima da realidade?
Green - Ambas fazem parte da
realidade brasileira. Eu diria que
existe outra realidade entre o Carnaval e a violência: a subcultura, o
mundo que os homens que gostam
de homens ou as mulheres que
gostam de mulheres criaram para
se socializar, se divertir, construir
redes de apoio, encontrar parceiros sexuais etc. Esse mundo envolve tanto clubes, bares gays e grupos sociais, como também organizações políticas que se formaram
desde 1978 para mudar o preconceito contra a homossexualidade.
É um mundo complexo, criado
para a sobrevivência e para permitir a integração.
Folha - De que forma os gays no
Brasil são divididos por raça e classe social? Eles reproduzem a estrutura da sociedade brasileira?
Green - Sem dúvida. Embora
existam algumas vezes contatos
entre raça ou classe baseados num
desejo mútuo ou em interesses socioeconômicos, no caso de michês
e travestis, o mundo gay está inserido dentro das divisões sociais e
raciais da sociedade brasileira.
Folha - Qual foi o período da história em que os gays sofreram
mais perseguição no país?
Green - Durante a ditadura militar, sobretudo no período Médici
(1969-74), quando os grupos gays
e lésbicos estavam surgindo no
mundo, era impossível organizar
algo similar no Brasil, por causa da
repressão. Além disso, os anos 80,
quando a Aids atingiu o país, e as
pessoas não sabiam exatamente o
que a doença era, foram um momento difícil para os gays. Durante
esse período, setores da direita atacavam os gays, e houve um aumento de assassinatos e violência.
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