São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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Anani Dzidzienyo, um dos primeiros afro-brasilianistas, influencia a nova geração
História de um pioneiro

especial para a Folha, em Providen

Uma das vantagens para a nova geração de brasilianistas é a existência de trabalhos e professores da geração anterior. E, no caso dos estudos de raça e etnicidade, ninguém mais importante do que o historiador ganês Anani Dzidzienyo, 57.
Um dos primeiros "afro-brasilianistas", ao lado de Michael Mitchell e Michael Turner, Dzidzienyo, pouco conhecido no Brasil, é referência quase obrigatória para os novos pesquisadores americanos -boa parte negra- que se aventuram a entender as relações raciais e étnicas no país.
Dos entrevistados pela Folha que têm trabalho em raça e etnicidade, dois deles -Jeffrey Lesser e Melissa Nobles- tiveram com Dzidzienyo as primeiras aulas sobre o Brasil, ainda durante a graduação, na Universidade de Brown. "O professor Dzidzienyo é o padrinho do meu trabalho e da minha geração", diz Nobles.
A importância de Dzidzienyo fica clara quando se lêem os agradecimentos dos livros publicados recentemente. Ele têm seu nome pouco comum presente em quase todas as obras que tratam de relações raciais: além de Kim Butler, Anthony Marx, Michael Hanchard e John Burdick fazem referência a ele em seus livros.
Sendo fácil encontrar seu nome nas introduções, ele já não aparece tanto nas bibliografias. Num sistema acadêmico onde a regra número um é o "publish or perish" (publique ou pereça), Dzidzienyo escreveu apenas alguns artigos e um pequeno livro. "The Position of Blacks in Brazilian Society" (A Posição do Negro na Sociedade Brasileira), lançado em 1971, tem pouco mais de 20 páginas e não chegou a ser traduzido para o português.
No Brasil, Dzidzienyo publicou dois artigos em revistas acadêmicas de pequena circulação. Curiosamente, o historiador ganês também não orientou formalmente nenhum dos novos trabalhos.
São outros os motivos que explicam a importância de Dzidzienyo: sua formação como historiador social com uma visão "de baixo para cima", o fato de ser professor no centro mais importante de estudos brasileiros nos EUA, seus contatos no Brasil com ativistas negros e acadêmicos e uma boa dose de carisma. "Anani tem um espírito generoso, é de muito entusiasmo, empatia, sempre dá apoio e é uma ligação entre os americanos e os brasileiros", diz Thomas Skidmore, seu colega em Brown.
A história de Dzidzienyo não poderia ser comum. Nascido em 1941, em uma família de classe média em Gana (costa oeste africana), ele teve a oportunidade de testemunhar a independência do próprio país. "Sempre lembro como nasci, como fui criado, como foi crescer na época da independência. Tenho um certo orgulho de ser de um dos primeiros países da África a se tornar independente", diz o historiador à Folha, em sua casa, em Providence (EUA).
O longo caminho entre Gana e o Brasil começou com um concurso de redação promovido por um jornal americano. Um dos 36 escolhidos entre estudantes do mundo inteiro, Dzidzienyo recebeu uma viagem para Nova York, a primeira que fez para os Estados Unidos, aos 18 anos. Essa viagem rendeu contatos para uma bolsa de estudos, e Dzidzienyo voltou para os EUA em 62, onde estudou numa faculdade de maioria branca.
Dos EUA, Anani foi para a Inglaterra, onde estudou na Universidade de Essex, que tinha um programa de América Latina, com dois professores especializados em Brasil e alguns alunos brasileiros. Foi a influência de um desses professores, o francês Christian Anglade, que o convenceu a estudar o Brasil.
Dzidzienyo esteve pela primeira vez no país em 70, já falando português, e foi morar em Salvador, onde passou quase um ano. No começo, impressionado com as semelhanças da capital baiana com a África, Dzidzienyo viu com o tempo que não era bem assim. "Não tinha praticamente um balconista negro, eu vi só em uma farmácia. Naquela época, a Bahia parecia a Islândia", diz.
De volta a Inglaterra, escreveu e lançou seu único livro. Mesmo com poucas páginas, as críticas à situação do negro no Brasil e ao seu maior ícone, Pelé, chamaram a atenção da embaixada brasileira em Londres, que lançou uma nota formal contra o historiador. Concluídos os estudos na Inglaterra, Dzidzienyo voltou para os EUA, onde começou a trabalhar na Universidade de Brown, em 73. Ali dá aulas até hoje, sobre a história dos negros no Brasil e na América Latina.
Quando o tema é o negro no Brasil, fica fácil perceber como Dzidzienyo está afinado com a nova geração, principalmente no tom crítico e sempre comparativo. O português cadenciado, o forte sotaque, os risos demorados e os gestos largos quase escondem sua visão pessimista das relações raciais no Brasil.
Para Dzidzienyo, o país ficou para trás em relação aos EUA e até mesmo à África do Sul. "O Brasil tem de fazer alguma coisa", diz.
Nem a miscigenação faz do Brasil uma exceção: "A mistura não significa a ausência da hierarquia. O mulato não é negro nem branco, mas puxa para o lado branco porque na sociedade há a hierarquia: branco, mulato e depois o negro. Não existe nenhum país, misturado ou não, onde ser branco é uma coisa neutra. Sempre é uma vantagem". (FM)




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