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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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Impressão de que ex-colônias fracassaram após a independência impulsiona hoje, nos EUA e na Inglaterra, sentimento de nostalgia das grandes potências imperiais, como os romanos e otomanos

IMPÉRIO, UMA HISTÓRIA

Yves Logghe - 5. ago.1999/Associated Press
Belgas moldam em areia, na praia de Zeebrugge, escultura sobre a ascensão e queda do Império Romano


por Dominic Lieven

A atual ordem mundial é uma herança do império europeu. Entre os séculos 16 e 20, o imperialismo e a globalização estavam fortemente interligados. Os europeus transformaram as Américas e a Australásia em novas Europas e, sobretudo, em novas Inglaterras. Essa é a base geopolítica para a atual dominação do mundo pela língua inglesa e pelas ideologias políticas e econômicas que são, na maior parte, de origem britânica. Sob o imperialismo foi criado um sistema econômico mundial, muitas vezes com o uso da força, inicialmente. Suas regras eram majoritariamente criadas e impostas pelos europeus, mas muitos não-europeus eram cooptados para as entranhas do sistema, para grande benefício próprio. Na maior parte do mundo, as elites não-européias foram convertidas em graus variados às ideologias e costumes europeus. Tanto o imperialismo quanto essa primeira grande onda de globalização foram mortalmente atingidos em 1914. Diferentemente dos guerreiros aristocratas e dos mandarins, que eram pilares do império tradicional, a globalização favoreceu grupos comerciais e financeiros cosmopolitas. Por razões arraigadas à história judaica e européia, muitas figuras de liderança nessa nova elite eram judias (na Ásia, no entanto, eram muitas vezes chinesas ou indianas). A globalização atingiu o seu ápice nas quatro décadas anteriores ao ano de 1914. Isso também ocorreu com os ressentimentos que ela provocou. O anti-semitismo tinha origens mais antigas e mais diversas, mas, não obstante, a globalização foi um grande impulsionador desse movimento. O fato de Hitler ter nascido em Viena, uma grande capital cosmopolita do império, não é coincidência.

Tolerância e racismo
Dentre os impérios da época, os Habsburgos se destacavam por sua proteção dos direitos cívicos, culturais e políticos das minorias, incluindo os judeus. Viena era a cidade das elites financeiras e intelectuais de origem judaica, mas também da imigração em massa de judeus pobres e (para os austríacos católicos) altamente estrangeiros vindos da Galícia. A grande cidade do império, da globalização e da cultura judaica tornou-se também um dos centros do nacionalismo radical e do racismo populista. Depois de 1945, seguiu-se uma segunda fase de globalização, sob a liderança dos EUA. Dessa vez, a globalização deveria lograr sem a ajuda do império, cuja legitimidade havia sido destruída pelas perversidades do Reich neo-imperial de Hitler e pelo triunfo da democracia como a ideologia hegemônica de uma ordem mundial liderada pelos EUA. Várias décadas após o início dessa nova fase de globalização, no entanto, evidencia-se uma certa nostalgia do império tanto na Inglaterra como nos EUA. Essa nostalgia está agora tendo expressão na Inglaterra com uma convicção impensável há 30 anos. Um esplêndido museu do Império Britânico foi aberto em Bristol. O historiador Niall Ferguson acaba de lançar um livro popular e um seriado de televisão - "Empire -How Britain Made the Modern World" [Império - Como a Inglaterra Formou o Mundo Moderno, ed. Allen Lane The Penguin Press]- cujo fundamento é o de que a Inglaterra se saiu muito bem. A Oxford University Press lançou, em 1999, uma excelente história em cinco volumes do Império Britânico a um preço tão generoso que subentende a convicção de que as vendas desses tomos eruditos não ficarão restritas ao mercado puramente acadêmico.

Bagunça
O estilo acadêmico e da mídia encobre uma renovação mais ampla do interesse pelo império. Uma inspiração para isso é a crença de que a maioria das ex-colônias falharam enquanto Estados independentes. Dentre as colônias maiores, apenas as antigas possessões japonesas da Coréia e Taiwan obtiveram um sucesso inequívoco de modernização desde 1945. Com raras exceções, ex-colônias na África, no mundo islâmico e na América do Sul são consideradas uma bagunça, com expectativas muito menores do que na época da independência. A culpa por essa situação é geralmente atribuída a governos corruptos e irresponsáveis. Idéias de "governo global" e a política do FMI de "condicionalidade" substituem um regime imperial direto, que é politicamente inaceitável e exige um preço que os eleitores ocidentais relutam em pagar. No governo do presidente George W. Bush, o interesse renovado no imperialismo tem uma marca mais inflexível. Os pseudo-imperadores mostraram ao mundo a verdadeira extensão de seu poder ao tomarem o regime de Saddam como exemplo. De certa forma, os americanos sempre foram imperialistas na convicção de que a sua própria ideologia e seus próprios valores são superiores a todos os outros e têm uma validade universal para todas as sociedades. Para a política externa norte-americana, o atual dogma de que apenas as democracias estão comprometidas com um papel pacífico nos assuntos internacionais torna quase inevitável o envolvimento na política interna de outros Estados. Isso é muitas vezes considerado como sendo a marca do imperialismo, como algo distinto do mero interesse hegemônico de controlar a política externa de seus clientes. Considerando seu lado mais interessante e importante, o imperialismo tem sido o cadafalso político que sustenta uma grande civilização. Os EUA da época atual se encaixam nesse perfil. Seu poder foi decisivo no triunfo no século 20 de uma ordem mundial liberal-democrata e liberal-capitalista. Os atentados de 11 de setembro representaram uma chocante ameaça a essa ordem.

Regimes autoritários
Se, o que é mais do que provável, as armas de destruição em massa (primeiro biológicas, depois químicas e por último até mesmo nucleares) se tornarem disponíveis para grupos isolados nas próximas gerações, então a sobrevivência da civilização ocidental e urbana em sua forma atual estará correndo perigo. Por essa razão, a segurança imperial para uma civilização ameaçada permanecerá em pauta muito após o término do mandato presidencial de Bush.
Para os EUA, o imperialismo expõe vários dilemas. O verdadeiro imperialismo exige um preço em dinheiro e sangue que os eleitorados metropolitanos democráticos não estão nada dispostos a pagar. Esse foi um fator fundamental no colapso dos impérios europeus depois de 1945.


As elites da Europa enfrentam o dilema imperialista de como legitimar um governo e criar instituições eficazes em escala continental em um mundo dominado por ideologias democráticas e nacionalistas


Isso também explica por que os impérios europeus mais duradouros (a União Soviética e Portugal) eram dirigidos por regimes autoritários que não precisavam perguntar aos eleitores se queriam ou não pagar o preço. O eleitorado americano precisará de uma muito boa causa para pagar até mesmo um preço historicamente pequeno para sustentar o imperialismo indireto por meio de uma rede global de clientes e aliados. Se, como muitas vezes aconteceu em impérios anteriores, a política imperial prejudicar esses clientes e forçar uma escolha entre o regime imperial direto ou a permissão para que territórios se tornem bases para "bandidos" antiimperialistas, então o preço do imperialismo irá aumentar progressivamente. A ideologia americana inibe o pagamento desse preço. O mito da fundação dos EUA está enraizado na luta antiimperialista. Os americanos nunca compararam a sua própria conquista de um continente e destruição da população nativa ao colonialismo europeu. O isolamento é mais profundo do que o imperialismo na cultura dos EUA. Além disso, no próprio âmago da definição de império está o governo sem consentimento sobre muitos povos estrangeiros. Isso contradiz terminantemente as ideologias hegemônicas contemporâneas de soberania popular, democracia e nacionalismo. O dilema contemporâneo norte-americano do imperialismo não é novo. Até mesmo nos anos 1850 era claro que os verdadeiros grandes poderes do futuro iriam precisar de recursos em escala continental. Mas uma escala continental geralmente envolve populações multinacionais. Em um mundo onde a soberania popular e o nacionalismo étnico estavam se tornando as ideologias dominantes, de que forma tais constituições políticas poderiam ser legitimadas? Havia uma série de estratégias possíveis. A União Soviética tentou se basear em uma ideologia nova, universal e supra-étnica. O sultão Abdul Hamid 2º tentou salvar o Império Otomano ao impor uma identidade islâmica que uniria turcos, árabes e curdos mesmo depois do seu regime. Muitos governantes imperiais esperavam consolidar o máximo possível do império em um núcleo étnico-nacional central por meio da "russificação", da "hungarização" e assim por diante. A Inglaterra esperava conseguir uma consolidação das colônias brancas em uma grande nação britânica imperial por meio do consentimento. Enquanto isso, na Áustria, os Habsburgos começaram a introduzir princípios pioneiros de federação multiétnica que, de forma mais democrática, se tornariam elementos cruciais nos esforços futuros para assegurar a harmonia em sociedades multiétnicas. Esse era o objetivo para o qual Mikhail Gorbatchov esperava conduzir a União Soviética. Visto que todos os impérios mencionados no parágrafo anterior ruíram, talvez o dilema do imperialismo não tenha solução no mundo de hoje? Apesar das soluções não serem fáceis, essa conclusão seria, mesmo assim, prematura. Os chineses, herdeiros da maior de todas as tradições imperiais, conseguiram quase totalmente transformar seu império em uma nação. Enquanto isso, a União Européia está, de certa forma, engajada na construção de um império. Para ser próspera, a Europa precisa de um mercado em escala continental. Para ter direito a opinar nas grandes questões globais do futuro, precisa mobilizar poder em escala continental para fazer um contrapeso aos EUA. A União Européia já conseguiu fazê-lo na arena comercial; por meio do euro, está tentando realizar o mesmo também na área financeira. Se a Europa quiser ser levada a sério, deverá ser mais "imperial" também na esfera da defesa e da política externa. A atitude de censurar o poderio dos EUA e depois ir correndo pedir ajuda a Washington para resolver os problemas do próprio quintal nos Bálcãs incentiva um desrespeito justificado. As elites da Europa enfrentam o dilema imperialista de como legitimar um governo e criar instituições eficazes em escala continental em um mundo ainda dominado por ideologias democráticas e nacionalistas. Mas sua árdua tarefa é simplificada pelo fato de que o velho nêmese do império, a nação, é um pouco menos legítima do foi que no passado. Os europeus do século 20, sobretudo os alemães, viram até onde a religião do nacionalismo pode levar. Os eleitores europeus, consumistas e pós-modernos, são, até o momento, menos hostis ao multiculturalismo do que eram seus avós e, portanto, mais receptivos às vantagens de uma Europa com economia e mercado "imperialistas".

Vulnerabilidades
Enquanto isso, a proeza militar das Forças Armadas -a nação jacobina- perdeu seu significado em uma era onde os Exércitos alistados do Primeiro Mundo são uma brincadeira cara.
Se existe um império no mundo de hoje, só podem ser os EUA. Mas, se vale ou não a pena considerar os EUA como sendo um império, é uma questão discutível. Visto que "império" hoje em dia é geralmente apenas um termo de ofensa, a discussão pode facilmente acabar virando uma inútil troca de insultos. No entanto vale a pena perguntar o que a história do imperialismo pode dizer a respeito da natureza e das vulnerabilidades do poderio norte-americano. Além disso, a partir do momento em que a questão do imperialismo americano está, de fato, sendo levantada em grande parte nas ruas e na maioria dos ministérios de Relações Exteriores do mundo, há alguma vantagem no fato de um historiador que estuda impérios passados tocar nesse assunto. Inicialmente, é preciso enfatizar dois pontos.
Primeiramente, o imperialismo no passado frequentemente prevalecia em parte porque proporcionava muitos benefícios públicos. Preservava a ordem e a paz em grandes extensões do planeta. Muitas vezes, facilitava a disseminação do comércio e de idéias por longas distâncias. Era geralmente mais pluralista que a moderna nação-Estado em sua tolerância em relação à multietnicidade e ao multiculturalismo. Era também frequentemente associado às maiores civilizações da história, que não poderiam ter florescido sem a sua ajuda.
O segundo ponto é que o imperialismo se apresentava sob muitas formas diferentes. A palavra "império" teve vários significados até mesmo em inglês, sem falar nas traduções. Alguns impérios históricos se assemelhavam muito mais a sistemas de aliança do que a "Estados", na interpretação contemporânea da palavra. A relação entre um imperador grego e seus sátrapas regionais estava mais próxima da relação entre George W. Bush e o rei da Arábia Saudita do que da relação entre um presidente norte-americano e o governador de Idaho.
Se vale ou não a pena dizer que os EUA são um império, é certamente interessante perguntar com quais impérios e tradições imperiais específicas o país se parece. De certa forma, os EUA estão mais próximos dos impérios Britânico e Holandês do capitalismo moderno, que criaram a economia capitalista global. Em outros aspectos, o país se assemelha muito mais a alguns dos grandes impérios de territórios da Antiguidade. Isso não acontece apenas devido à questão óbvia (mas decisiva) de que os EUA são um império de proporções e recursos continentais. É também devido à natureza da identidade coletiva dos EUA. Acima de tudo, isso é definido pela ideologia, pela cultura e pela lealdade política.
Nesse sentido, o país está muito mais próximo das identidades culturais dos impérios Romano e Otomano do que dos impérios etnicamente definidos da Inglaterra ou Holanda. Isso influi nas atitudes quanto à assimilação de estrangeiros em sua própria comunidade e à permissão de que tenham acesso a status e poder de elite. Mesmo no século 2º, muitos imperadores e a maioria dos senadores não eram romanos, muitas vezes nem mesmo italianos. Os paralelos com os EUA e o contraste entre os impérios Britânico e Holandês são claros.


Os EUA não podem se retirar da economia global, não podem reduzir o impacto de sua cultura nem construir muros para garantir sua segurança; os americanos estão presos aos fardos do império sem que essa escolha tenha sido feita


Minha própria definição de império é simples e ampla: império é um poder muito grande que é fundamental para a ordem regional e mundial de uma era. Além disso, um império governa vastos territórios e muitos povos. Finalmente, um império não é baseado no consentimento daqueles a quem governa. Historicamente, isso raramente distinguia o império de outras constituições políticas, que muito raramente se baseavam no consentimento explícito de seus sujeitos. Mas a distinção se tornou importante de fato depois de 1789, e mostrou-se fatal para a legitimidade do imperialismo. Os EUA se encaixam em alguns aspectos dessa definição de império melhor do que em outros. O presidente norte-americano governa com o consentimento do povo americano, e isso restringe nitidamente suas possibilidades imperialistas. Se os EUA mostram uma face imperial, é para o mundo externo. Mas o poderio americano no mundo precisa ser enxergado dentro do contexto da globalização. A economia e a tecnologia contemporâneas fazem com que o poderio dos EUA se insira muito mais profundamente do que o poderio de muitos impérios do passado. Pelos padrões imperiais, a dominação britânica na Índia estava profundamente enraizada; não obstante a maioria dos camponeses indianos provavelmente nunca tenha visto um oficial britânico em toda a história da soberania. Diferentemente, a economia capitalista global e os valores retratados na televisão norte-americana penetram e desafiam a maioria dos povoados do mundo. Um desafio global encontra uma resposta global. Os wahabitas atacaram os flancos do Império Otomano no final do século 18 e início do século 19, por algum tempo até isolando-o de Meca e Medina, duas fontes decisivas de legitimidade imperial. Outros fundamentalistas islâmicos atacaram a periferia do Império Britânico do século 19. As comunicações modernas permitem que seus descendentes possam atingir alvos civis no coração do "império". As realidades da globalização ajudam a explicar alguns dos mal-entendidos que estão no âmago do debate sobre o imperialismo americano. Para alguns povos, a imposição do poderio norte-americano parece uma realidade sempre presente em suas vidas. Isso é denominado imperialismo. No que lhe diz respeito, o povo americano nunca se ofereceu para aceitar os fardos do império e certamente não quer dominar outros países. Os EUA não podem se retirar da economia global, no entanto; não podem reduzir o impacto de sua cultura e não podem nem mesmo construir muros para garantir sua segurança. Os americanos estão presos aos fardos do império sem que essa escolha tenha sido feita. Não é surpreendente que isso os faça sentir truculentos e desnorteados, especialmente quando os fardos do império entram no país no estilo selvagem do 11 de setembro. O fato de ser difícil, dentro da ideologia contemporânea, pensar em termos de "bom império" faz aumentar a perplexidade. Como de fato ocorria com alguns impérios anteriores, muito do que os EUA levam ao mundo é valioso, o que de forma alguma garante que serão bem-vindos pelos povos, muito menos quando ameaçam os interesses adquiridos. Por trás das reivindicações por democracia frequentemente está um verdadeiro otimismo do Iluminismo (e bastante americano) sobre a natureza humana, quando não reprimido por elites e superstições perversas. As democracias do colonizador branco anglófono dos séculos 19 e 20 eram as mais democráticas e, no entanto, também as organizações políticas mais racistas de seu tempo. Os interesses econômicos e culturais dos povos indígenas eram geralmente mais assegurados sob o domínio burocrático ou aristocrático imperial do que sob a democracia do colonizador. Isso não teria surpreendido nem Francesco Guicciardini nem David Hume; ambos argumentavam que o pior de todos os destinos era ser sujeito de uma república de cidadãos. Os colonizadores anglófonos também não eram particularmente perversos nesse ponto. Os argelinos viviam melhor sob o governo militar de Napoleão 3º do que sob a Terceira República democrática, apesar de todos os encantamentos desta última sobre liberdade, fraternidade e igualdade. Em uma economia global cada vez mais integrada, que reside em enormes desequilíbrios de poder entre o Primeiro Mundo e os países em desenvolvimento, não parece nada evidente que a democracia no Primeiro Mundo assegure os interesses dos países em desenvolvimento.

História do inesperado
O que a história do império nos diz sobre a vulnerabilidade do império norte-americano e a atual ordem mundial? Uma forma de responder a essa pergunta é pensando em termos de recursos do poder imperial. No livro "As Fontes do Poder Social", Michael Mann identificou quatro delas: militar, política, econômica e ideológica/cultural. Em meu próprio livro sobre o império, acrescentei os poderes geopolítico e demográfico.
Considere o exemplo do poder militar; os EUA talvez estejam onde a Inglaterra estava em 1825. Como no caso britânico depois de finalmente derrotar a França nas guerras de 1689 e 1815, o império americano pode durante algum tempo viver com segurança a um custo historicamente baixo. Com o tempo, os desafios, bem como os custos, irão aumentar, como aconteceu na Inglaterra do século 20. A questão então será se a sociedade americana tem a inteligência, a vontade e a coesão para lidar com esses desafios.
Em termos de poder ideológico, um ponto a notar é que a ideologia do império americano é democrática e igualitária, mas o mundo em que vivemos é mais desigual do que era em 1500, quando prevaleciam ideologias explicitamente não-igualitárias. A história do imperialismo mostra que surgem problemas quando há muita divergência entre a ideologia e a realidade.
É impossível prever quanto tempo irá durar o "império" americano. A história do império é a história do inesperado. No início dos anos 630, os governantes de Bizâncio tinham tantos motivos para o triunfalismo imperial quanto Washington teve depois da vitória na Guerra Fria. O antigo inimigo persa foi derrotado depois de anos de conflito. Mas, depois de poucos anos desse triunfo, uma nova fonte de poder ideológico, o islã, explodiu nos desertos da Arábia e quase deixou o império de joelhos. Considerando a velocidade na qual a tecnologia se move, há mais motivos agora para esperar o inesperado do que havia em 630. Não obstante em algumas regiões a continuidade prevalece.
Às vésperas do século 20, o pensador geopolítico americano Alfred Mahan escreveu que, no final das contas, a capacidade da civilização anglo-americana de sustentar sua hegemonia mundial dependia de seu sucesso em fazer com que as classes médias asiáticas emergentes adotassem seus valores. Isso continua sendo verdade.
Mesmo se permanecerem juntos, os americanos e europeus ocidentais serão duramente pressionados a sustentar a estabilidade mundial sozinhos. Mas levar 1,25 bilhão de chineses ao Primeiro Mundo será um desafio formidável. Tornar o Estado chinês um parceiro igual em um mundo dominado pelos EUA pode causar problemas não menos difíceis do que a integração da Alemanha imperial na ordem mundial dominada pelos britânicos em 1900. O "grande jogo" do império está longe de terminar.

Dominic Lieven é professor de ciência política na London School of Economics (Londres) e autor de, entre outros, "Empire - The Russian Empire and Its Rivals" (Império - O Império Russo e Seus Rivais, Yale University Press) e "The Aristocracy in Europe - 1815-1914" (A Aristocracia na Europa - 1815-1914, Columbia University Press). A íntegra deste texto foi publicada na revista britânica "Prospect".
Tradução de Leslie Benzakein.


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