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LIVROS
Uma queda sem fim
O escritor Olavo de Carvalho responde às críticas feitas ao "Imbecil Coletivo 2"
OLAVO DE CARVALHO
especial para a Folha
Ao supor que refuta "O Imbecil
Coletivo" mediante a alegação de
que o emburrecimento das massas
não é culpa das esquerdas e sim da
TV, o sr. Gilberto Vasconcellos dá
uma prova cabal de que não leu ou
não entendeu, do livro, nem mesmo aquele mínimo indispensável
para captar, ainda que por alto, o
teor geral do assunto.
"O Imbecil Coletivo 2", como
aliás também o "O Imbecil Coletivo 1", não aborda nem de raspão
a suposta imbecilidade popular,
cuja análise e revelação correm
por conta da fértil imaginação do
sr. Gilberto Vasconcellos. Ambos
os volumes tratam unicamente da
estupidez de elite, da burrice letrada e da acadêmica, da qual, como
se vê, não é preciso ir muito longe
para encontrar exemplos.
Que a TV estupidifique as massas incultas em vez de educá-las é
provavelmente um fato, mas, não
podendo acreditar que o sr. Vasconcellos atribua seu próprio emburrecimento ou o de seus pares
acadêmicos ao mau hábito de assistir a Faustão e Xuxa, só me resta
concluir que o livro afirma uma
coisa e o crítico refuta outra, imaginando que é a mesma.
Não tendo razões para imputar
ao sr. Vasconcellos a premeditada
intenção de falsear a conversa para
me prejudicar, só posso concluir
pela hipótese da inépcia: o sr. Vasconcellos lê mal e, rigorosamente,
não sabe do que está falando.
Tão deslocadas são as opiniões
dele ante o livro nominalmente incumbido de posar como objeto de
sua crítica, que me vejo desarmado para respondê-las. Ele afirma,
por exemplo, que meu discurso
neoliberal teria a obrigação de tomar como ponto de partida as reflexões de José Guilherme Merquior. Não tendo escrito jamais algum discurso neoliberal e não tendo tido outra participação nessa
ideologia política senão uma conferência feita no Instituto Liberal
do Rio sob o título "Por Que Não
Sou Neoliberal", que é que hei de
responder?
Só me ocorre, de passagem, observar que o sr. Vasconcellos não
encontrou no livro outros indícios
de meu suposto neoliberalismo
senão o fato de eu criticar a esquerda e elogiar, de passagem, alguns escritores liberais -o que
mostra que o crítico não conhece
outra leitura senão a lambida superficial e que, em matéria de
compreensão de textos, o único
instrumento hermenêutico à sua
disposição é a catalogação dualista, mecânica e sumária, burra até
o limite do indizível. Logo, irrespondível.
Também nada posso responder
a suas ponderações sobre a "ditadura liberal" dos militares, pela
simples razão de que não atino
com o sentido dessas palavras: se
tomadas na acepção econômica,
não podem designar o regime
mais centralizador e estatizante
que já tivemos; na acepção política, só podem querer dizer que a
ditadura não foi ditatorial o bastante. Em ambos os casos, estão
aquém do entendimento humano.
Que o sr. Vasconcellos não faz a
mínima questão de saber do que
fala é coisa que aliás já havia sido
assinalada pelo jornalista Reinaldo Azevedo, o qual, mesmo num
artigo elogioso ("República", dezembro de 1997), não pôde deixar
de observar que o professor da
UFMG (Universidade Federal de
Minas Gerais) "não se incomoda
de ser injusto ou impreciso se isso
valer uma boa frase". Eis aí a definição mesma do charlatanismo
intelectual, já tantas vezes denunciado na nossa literatura, desde
Machado de Assis e Lima Barreto,
como a encarnação mesma da peste que nos atrofia o pensamento.
Verboso e inconsequente, embriagado pelo próprio discurso, desprovido daquele mínimo de autofiscalização sem o qual a vida da
inteligência não pode nem sequer
começar, o sr. Vasconcellos provou, com seu arremedo de crítica,
ter as qualificações intelectuais requeridas a um aspirante a cabo
eleitoral do PDT.
Que em larga medida a vida intelectual brasileira ainda seja dominada por essa oratória de psitacídeos é coisa da qual não se pode
culpar o sr. Gilberto Vasconcellos.
Culpado é o governo, que dá emprego universitário a sujeitos como ele e depois, para não se desmoralizar, tem de ajudá-los a fingir que são intelectuais. E as piores
vítimas deste engodo são eles próprios: recebendo mensalmente do
governo federal um contracheque
que os confirma nas mais ilusórias
convicções acerca de si mesmos,
esses indivíduos tanto mais se
afastam da realidade quanto mais
se aproximam da aposentadoria.
Mas a auto-ilusão do sr. Vasconcellos vai ainda mais fundo. Hipnotizado pela sua própria fala, ele
perde todo o senso das proporções
e chega ao paroxismo de declarar
que sente pelos seus desafetos
ideológicos nada menos que "asco" -sim, "asco"-, sem perceber que a própria escolha da palavra pomposa e teatral denota
menos fanatismo sectário do que
afetação, pose, histrionismo de
um infeliz que, tendo perdido todo o respeito por si mesmo, necessita fingir um sentimento hipertroficamente elevado da própria
dignidade. Que exista platéia para
levar a sério espetáculo tão miserável, eis aí o sinal de que, na vida
intelectual como em tudo o mais,
a sociedade subdesenvolvida não
tem fundo: pode-se cair indefinidamente.
Deixarei sem resposta, por conta
de tão abissal patologia, a ofensa
direta, brutal e grosseira que ele
faz à minha honra pessoal ao incluir-me implicitamente entre os
objetos do seu posadíssimo asco
-os liberais que a seu ver só escrevem "com o interesse posto no
jabaculê argentário". Não responderei nada. Não perguntarei
nem sequer qual será a fonte argentária da qual aguardo o tal jabaculê, e muito menos que raio de
coisa poderia ser, mesmo na estilística gosmenta do meu crítico,
um jabaculê não argentário. Não
respondo, em suma, nem pergunto. O artigo do sr. Vasconcellos
não me motiva a uma coisa nem a
outra. Lendo-o, não sinto nada,
nem mesmo asco, já que tão forte
sentimento de repugnância tenderia a manifestar-se sob a forma de
convulsões estomacais, e a escrita
vasconcellina, bem feitas as contas, não vale o vômito.
Olavo de Carvalho é escritor, autor, entre outros, de "O Imbecil Coletivo 2" (Topbooks).
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