São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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LIVROS
A reação católica


Sociólogo investiga o movimento religioso Renovação Carismática


MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

A Renovação Carismática Católica (RCC), movimento reformista conservador surgido no interior da Igreja Católica há 30 anos, é o objeto de investigação deste livro de Reginaldo Prandi, estudioso de religiões e professor de sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
Entre 1992 e 1996, Prandi realizou, juntamente com alunos e orientandos seus na USP, pesquisa de campo que consistiu em acompanhar grupos de oração e outros tipos de atividades religiosas dos carismáticos católicos em São Paulo, na Grande São Paulo, em cidades do interior do Estado, da Baixada Santista e em algumas capitais do Brasil.
O resultado foi um mapeamento completo do movimento, dos seus aspectos gerais até o traçado do perfil sociológico, educacional e racial do fiel carismático brasileiro.

A OBRA
Um Sopro do Espírito - Reginaldo Prandi. Edusp (av. Prof. Luciano Gualberto, travessa J, 374, 6º andar, CEP 05508-900, SP, tel. 011/813-8837). 184 págs. RÏ 13,00.



A principal conclusão da pesquisa de Prandi é a de que a RCC é um movimento de reação ao pentecostalismo, por um lado, e às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) por outro.
"O catolicismo carismático", afirma o pesquisador, "pode ser pensado como movimento conservador de dupla reação: primeiro, um movimento mais geral voltado para fora do catolicismo, isto é, tendo como oposição o pentecostalismo e outras religiões que vêm minando as fileiras católicas. Segundo, um movimento voltado para dentro da própria igreja, enfraquecendo as posições assumidas pela Igreja Católica da Teologia da Libertação e das CEBs, comprometida com transformações sociais à esquerda".
No confronto com o pentecostalismo, a Renovação Carismática experimenta uma relação ao mesmo tempo de competição e semelhança. Segundo confirma a investigação de Prandi, a RCC adota concepções e práticas religiosas muito similares às dos pentecostais.
O pesquisador define a RCC como um movimento pentecostal dentro da própria Igreja Católica, surgido nos Estados Unidos, em 1967, quando 30 leigos católicos reunidos en retiro espiritual entraram em transe e começaram a falar "línguas estranhas", como se por dom divino.
"De acordo com o relato bíblico", Prandi explica, "no quinquagésimo dia da ressurreição de Jesus, o Espírito Santo manifestou-se aos apóstolos, que estavam reunidos no cenáculo, por meio de línguas de fogo. Esse episódio é relembrado com o nome de Pentecostes, que significa quinquagésimo em grego. O falar em línguas estranhas, que se manifesta em ritual de transe, entendido como carisma ou dom de Deus, fundamental à identidade dos pentecostais evangélicos, foi incorporado à prática religiosa dos católicos que seguiam o movimento carismático que então nascia".
A RCC entende que carismas são dádivas de Deus que devem ser usadas por aqueles que tiverem o privilégio de recebê-las. São nove ao todo: o dom de falar línguas estranhas (também chamado de glossolalia, é o dom de maior destaque entre os carismáticos, manifestado em transe pelo qual se revelaria publicamente a presença do Espírito Santo), dom das interpretações e das profecias; 2) dons do poder: fé, cura (o dom da cura divina é o que mais aproxima os carismáticos dos evangélicos pentecostais), milagre; 3) dons das revelações: sabedoria, ciência e discernimento.
No que se refere ao confronto com as Comunidades Eclesiais de Base, os carismáticos representam um conservadorismo radical, que vai em direção oposta às preocupações sociais das CEBs.
Segundo Reginaldo Prandi, "ao contrário dos católicos das CEBs, os carismáticos centram a vida religiosa na esfera da intimidade, desenvolvem acentuado controle moral no âmbito da família, dos costumes e da sexualidade, desinteressam-se completamente dos problemas de caráter coletivo e, por conseguinte, da militância política".
Com igual rigor científico e clareza de exposição, a obra de Prandi vai dos meandros da RCC -que já conta com 4% da população brasileira como adeptos- a um levantamento bastante didático das religiões no Brasil hoje.
A confusa salada das religiões protestantes, por exemplo, se esclarece nas divisões e definições do texto do professor. Desse modo, classificam-se como protestantes (ou evangélicos) históricos os membros das igrejas luterana, batista e metodista. Os evangélicos pentecostais são os membros da Congregação Cristã no Brasil, Assembléia de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular. A partir dos anos 70 surgem os chamados Neopentecostais, que incluem igrejas como O Brasil para Cristo, Deus É Amor e Igreja Universal do Reino de Deus.



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