São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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Cultura em trânsito

RICARDO ARAÚJO
especial para a Folha

"Imigrantes Judeus/Escritores Brasileiros", de Regina Igel, apresenta o importante legado asquenasita ("Achkenaz", em hebraico "Alemanha", ou os judeus provenientes da Europa central e do leste) para a literatura brasileira, sobretudo a moderna.
Destaque-se ao acaso, por exemplo, a contribuição de Moacyr Scliar, Ari Chen (no campo da criação teatral), do jornalista e pesquisador Alberto Dines e dos ensaístas Jacó Guinsburg e Boris Schnaiderman para se compreender a magnitude do universo levantado pela autora. Pode-se citar também Clarice Lispector, que (assim como Márcio Souza) não faz parte dos textos propostos por Regina Igel porque "não expôs temas propriamente judaicos na sua escrita".
O livro recompõe o percurso sefaradita -judeus provenientes da península Ibérica ("Sefarad": Espanha, em hebraico)- a partir da viagem de Pedro Álvares Cabral, pois, segundo a autora, havia na esquadra do famoso navegante "dois tipos de pessoas no que dizia respeito à religião: os cristãos e os judeus".

A OBRA
Imigrantes Judeus/Escritores Brasileiros - Regina Igel. Ed. Perspectiva (av. Brigadeiro Luís Antônio, 3.025, CEP 01401-000, SP, tel. 011/885-8388). 260 págs. RÏ 25,00.



Essas informações encontram um complemento nas notas eruditas de Rubens Ricupero, que assina o prefácio, quando, por exemplo, ele chama a atenção para 1497, ano em que D. Manuel "impõe a conversão forçada" dos judeus. Fato este que vai marcar por "mais de três séculos a vida social do país: a distinção entre "cristãos velhos' e "cristãos novos'²". Portanto, os primeiros judeus que chegaram ao país foram os "marranos" (cristãos novos). E a fama de Portugal de ser, segundo a crença inquisitorial, uma "raça de judeus" passou para o Brasil, pois "os jesuítas espanhóis das reduções do Paraguai denunciavam os bandeirantes paulistas como "bandidos judeus'²", conta Ricupero.
Regina Igel cobre um extenso campo de trabalho em sua pesquisa. Começa pelo período colonial, com Bento Teixeira (1561-1600, autor de "Prosopopéia"), Ambrósio Fernandes Brandão ("Diálogo das Grandezas do Brasil", que, segundo Ricupero, inaugura o "gênero ufanista") e Antônio José da Silva, o Judeu, (1705-1739, nascido no Rio de Janeiro, autor de várias obras teatrais, morreu em Lisboa, vítima de auto-de-fé), passa pelos judeus ibéricos, quando da presença dos holandeses no Brasil, até a chegada organizada de judeus asquenasitas promovida pelo barão Moritz (Maurício) von Hrisch, por intermédio da Jewish Colonization Association (JCA). São 500 anos de história desta comunidade no Brasil.
Regina Igel define a temática de seu trabalho como "uma arqueologia literária" para "examinar elementos formativos da comunidade judaica no Brasil". Para criar este corpus, a autora buscou as reminiscências em forma de "crônicas", "depoimentos" e "ficção" dos asquenasitas, principalmente das fazendas Phillipson e Quatro Irmãos, instaladas com a ajuda da JCA no sul do país.
Regina Igel também vasculha a contribuição judia no Estado Novo e aquela oriunda dos imigrantes perseguidos pelo nazismo. Finalmente, é um livro bem documentado, importante para um melhor equacionamento do que se convencionou chamar de literatura nacional e para um aprofundamento desta profícua área de interesse: contribuições específicas de povos que compõem o mosaico brasileiro.


Ricardo Araújo é professor de teoria literária da Universidade de Brasília.



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