São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice A favor do prazer
MIRIAM CHNAIDERMAN
Foucault, na "História da Sexualidade", mostrou como no início do século 17 ainda não existia esse pudor em relação à sexualidade: as práticas não se davam secretamente, falava-se mais livremente, "tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade". É na era vitoriana que a sexualidade é colocada no domínio do interdito, passando a ter relação com a função de perpetuação da espécie. A família conjugal instaura o silêncio em torno do sexo. Tudo que é fora da reprodução não pode ter palavras. Ainda vivemos muito disso tudo. Nos tempos de Foucault -é ele quem aponta, ironicamente- o simples fato de falar de sexo já possuía um certo ar de transgressão. Hoje, parece que nem isso. É possível, e até necessário, falar do sexo como parte do dia-a-dia de todos nós, e, acima de tudo, acredita-se que seja possível esclarecer sobre a sexualidade a partir de um saber sobre o sexo. Se você se conhece, se você vai atrás de informações, de esclarecimentos, então certamente você estará preparado para ter prazer. Será? Foucault fazia uma severa crítica à psicanálise: "Somos a única civilização em que certos prepostos recebem retribuição para escutar cada qual fazer confidência sobre seu sexo...". Os tempos mudaram, evoluíram... Hoje, há espaços para confissões íntimas nas páginas de revistas de grande circulação. Com direito a comentários. Haja vista algumas seções da Folha. É aí que Rosely Sayão vem tendo importante papel. Milita contra a culpa, a favor do prazer. Nas pesquisas realizadas com adolescentes e pais, quando procura dar "dicas" sobre como lidar com adolescentes, Sayão ganha um importante papel no sentido de permitir que cada um encontre seus jeitos de ser na busca do prazer. A questão levantada é sempre por que seria tão difícil encontrar o prazer, mesmo quando se realiza o encontro sexual. E uma série de preconceitos e normatizações vai sendo desvelada. Há a denúncia de certos estereótipos, como, por exemplo, o da obrigatoriedade do gozo, do corpo jovem, entre outros. Denúncia das hipocrisias que nos cercam... diria Foucault. Mas o tom não é o de prédica religiosa. É o de quem está cumprindo o papel necessário do esclarecimento. Militância a favor da consciência. Hoje, fala-se muito de sexo. A publicidade apropria-se de situações de intimidade de um jeito moralizante. Os tabus continuam existindo. E falar desses tabus, desmascará-los, é tarefa imprescindível. A sexualidade tem sempre a ver com fantasias inconscientes que nos escapam, abrindo para universos novos e criadores de mundos inusitados. Qualquer busca de controle sobre os devaneios só pode levar a um empobrecimento da experiência. Que não se confunda a denúncia e militância de Sayão com a procura de um estado ideal de prazer absoluto, a uma liberdade sem barreiras ou onde as barreiras, uma vez conscientes, poderiam ser usadas a favor da sexualidade. Mas tomara que sua crença na possibilidade de ajudar as pessoas por meio do esclarecimento possa de fato ajudar no prazer. Miriam Chnaiderman é psicanalista, autora de "Ensaios de Psicanálise e Semiótica" (Escuta). Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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