São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2000 |
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+ autores A obra de Saer dá a entender, aos que têm olhos e ouvidos para tanto, que a verdadeira literatura não opera por estreitamentos, mas abre novas possibilidades de percepção do mundo Saer passa a escrever na Folha
Bernardo Carvalho
A dificuldade em entender e reconhecer um grande escritor tem a
ver com a sua capacidade de escapar às tradições que servem de
parâmetros aos cânones literários do seu
tempo.
Ainda pouco conhecido no Brasil, o argentino Juan José Saer tem feito isso ao
longo dos últimos 40 anos, desde a sua
primeira coletânea de contos, "En La Zona" (1960), até "A Pesquisa" (1994; no
Brasil, pela Companhia das Letras), seu
último livro publicado por aqui, passando por obras-primas como "Ninguém
Nada Nunca" (1980; Companhia das Letras) e "Glosa" (1985).
De um livro a outro, Saer, que estréia
nesta semana na seção "Autores", do
Mais!, trai os rótulos e as classificações,
reinventa em permanência a própria
obra, inaugura a cada romance um novo
parâmetro pela diferença, embora o universo de suas histórias seja recorrente (os
pampas às margens do rio Paraná) e com
isso termina por se reafirmar como um
escritor irredutível, que preza antes de
mais nada "a experiência poética como
possibilidade de uma liberdade radical".
Sua obra dá a entender, aos que têm
olhos e ouvidos para tanto, que a verdadeira literatura não opera por estreitamentos, mas abre novas possibilidades
de percepção do mundo.
"Um escritor não pode se definir por
um elemento exterior à práxis da escrita.
O escritor é um homem que possui um
discurso único, pessoal, e que não pode
pretender, ao que me parece, assumir
nenhum papel representativo. Um escritor só representa a si mesmo. (...) Os dados extra-artísticos, nacionalidade, extração social, "espírito do tempo", influências culturais etc., são completamente secundários. Os verdadeiros criadores só representam a sua época se eles
a contradizem", declarou numa entrevista de 1981.
Filho de imigrantes sírios, nascido em
1937, em Serodino, na província de Santa
Fé, nos pampas argentinos, Saer auto-exilou-se na França em 1968, depois de
quatro livros publicados e uma juventude intensamente cinéfila. Ainda na Argentina, foi crítico de cinema e professor
universitário de estética cinematográfica. Na França, tornou-se professor de literatura na Universidade de Rennes.
A experiência do auto-exílio lhe garantiu também alguns instrumentos de resistência às ilusões nacionalistas. A obra
de Saer despreza, entre outros vícios,
uma tendência muito particular de julgar a literatura latino-americana como
representação de identidades nacionais.
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