São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2000

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Obra recém-publicada na França lança novas luzes sobre a Antiguidade ao reescrever a história grega a partir de seus palácios, casas e avenidas
Grécia material

Maurice Sartre
especial para "Le Monde"

Por trás de um título banal esconde-se um dos livros mais apaixonantes sobre o mundo grego, como há muitos anos não se escrevia. Sem dúvida, "Archéologie Historique de la Grèce Antique" (Arqueologia Histórica da Grécia Antiga) se insere na lógica dos manuais universitários, e uma certa austeridade na apresentação o distingue de tantos livros bonitos sobre arqueologia grega. Mas as visões novas e às vezes inesperadas sobre a contribuição da arqueologia para a história da Grécia Antiga deverão interessar tanto aos profissionais quanto ao grande público. Conscientes de que não é mais possível escrever uma história global da Grécia Antiga, integrando ao mesmo tempo o conjunto das informações textuais e as descobertas arqueológicas, os autores preferem apresentar uma "arqueologia histórica", uma história da Grécia a partir de sua cultura material, não somente das eras sem escrita, como também dos períodos em que a abundância de textos ameaça relegar a arqueologia ao segundo plano. História necessariamente parcial, "um ponto de vista entre outros e que certamente não é exclusivo: todas as histórias são boas, desde que sejam coerentes e respeitem as fontes".

Ciclo insidioso
Definidos os objetivos, ainda seria necessário cumpri-los e manter o fôlego do leitor durante 2.000 anos de história grega. Pois os autores não pretendiam se encerrar no ciclo insidioso das três eras da história grega: arcaica, clássica, helenística -em outros termos: nascimento, apogeu e declínio. Recusando qualquer visão cíclica, eles assumem a continuidade dessa história até a época imperial, afirmando a realidade das mutações e recusando qualquer imagem de declínio. Impossível serem mais felizes, e, caso tivessem tentado, os teríamos seguido de boa vontade até o fim do século 20! Na multidão de novidades ou de balanços, aperfeiçoamentos e lições de método, não sabemos o que escolher para dar ao leitor a vontade de se atirar na obra. O belo capítulo sobre os problemas de cronologia, com os exemplos da fundação de Pitecusses e da evolução da cerâmica ática, chama imediatamente a atenção para a dificuldade de uma cronologia absoluta, mas tranquiliza quanto à confiabilidade de uma cronologia relativa. Todos os capítulos seguintes, sobre a Grécia dos primeiros palácios, a época micênica, as "eras obscuras" (obscuras apenas para nós, bem entendido), traçam um balanço luminoso das descobertas. Mas não é aí que encontraremos mais pontos de vista novos, pois, para esses períodos sem escrita, há muito estamos habituados a recorrer somente à arqueologia. Ao contrário, a colocação em perspectiva do desenvolvimento da cidade dos séculos 8º ao 4º a.C, recusando os cortes impostos pela história política e militar, revela-se de uma fecundidade surpreendente. Quer se trate da criação do território, à qual a inspirada modelagem dos trabalhos dos geógrafos trouxe esclarecimentos interessantes, ou da organização do espaço público e dos espaços sagrados, privados ou funerários, se apoiando em alguns exemplos precisos (Tassos, Metaponte, Argos, Erétria, Esmirna), os autores põem em evidência, apenas por meio da lógica arqueológica, o quanto cada espaço reflete as preocupações desse organismo original que é a cidade grega. Sem que se possa provar o menor determinismo: se a ágora se afirma como o lugar onde se desenrolam as atividades essenciais dos cidadãos, os edifícios públicos traduzem a primazia do coletivo, do político (assembléia, conselho) sobre o administrativo, já que durante muito tempo os magistrados tiveram que se contentar em abrigar seus escritórios sob pórticos, enquanto teatros e salas com arquibancadas acolhiam reuniões dos cidadãos. Da mesma forma, a modéstia exterior da casa privada, incluindo as das pessoas ricas, por muito tempo contribuiu para manter a ficção de uma igualdade cívica que as hierarquias sociais iludiam. Na Grécia dos reis helenísticos e dos imperadores romanos, o recurso à análise arqueológica contribui para a compreensão do novo mundo que se forma. À ágora sucede a praça organizada e as amplas avenidas, diante dos templos dos deuses erguem-se os palácios dos soberanos; nos novos espaços do mundo grego criam-se novas cidades e outras cidades mais antigas se desenvolvem, o campo sofre o efeito de uma ocupação mais densa e o centro de gravidade do mundo helenizado se desloca de uma margem para a outra do Egeu.

Reorganização do espaço
Sob o efeito de uma irradiação seletiva, a própria morfologia das cidades evolui, com espaços mais regulares, um desenvolvimento privilegiado de certos edifícios (fortificações, ginásios, prédios públicos), enquanto se estabelecem relações complexas entre culturas até então estranhas entre si, na Síria, no Egito ou na Ásia Central. A conquista romana provoca mutações poderosas tanto na organização do espaço como na hierarquia das cidades.
Por muito tempo duvidamos das indicações dos antigos que deploravam o despovoamento da Grécia propriamente dita e o abandono dos santuários. As pesquisas arqueológicas realizadas na Beócia, na Tessália, na Argólida, sem confirmar totalmente essas análises, mostram que assistimos a uma profunda reorganização do espaço, que valoriza a Grécia ocidental, o golfo de Corinto, a Macedônia, isto é, as rotas para Roma, em detrimento de cantões mais isolados. A conquista romana marca assim a paisagem do campo e também o espaço urbano, onde se abre lugar para as criações dos mestres romanos.
O exemplo de Atenas, sem dúvida único por sua amplidão, não tem nada de isolado. Assim, não nos cansamos de acompanhar, por meio das modificações do espaço rural e da paisagem urbana, 2.000 anos de uma história renovada incessantemente. Mostrando como cada época modela segundo suas necessidades e seus ideais um mundo grego em perpétua mutação, talvez um dia consigamos matar definitivamente qualquer idéia de declínio. Não é o mérito menor dessa síntese apaixonante dar uma contribuição exemplar a esse saudável combate.



Archéologie Historique de la Grèce Antique
416 págs., 38,11 euros de Roland Etienne, Christel Müller e Francis Prost. Ed. Ellipses (França).

Onde encomendar
Em SP, à livraria Francesa (tel. 0/xx/11/231-4555) e, no RJ, à livraria Leonardo da Vinci (tel. 0/ xx/21/ 533-2237).



Maurice Sartre é professor de história antiga na Universidade de Tours (França) e autor, entre outros, de "La Mediterranée Antique" (O Mediterrâneo Antigo, com Alain Thanoy, Ed. A. Colin) e "L'Orient Romain" (O Oriente Romano, Ed. Le Seuil).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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