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Obra recém-publicada na França lança novas luzes sobre a Antiguidade ao
reescrever a história grega a partir de seus palácios, casas e avenidas
Grécia material
Maurice Sartre
especial para "Le Monde"
Por trás de um título banal esconde-se um dos livros mais apaixonantes sobre o mundo grego,
como há muitos anos não se escrevia. Sem dúvida, "Archéologie Historique de la Grèce Antique" (Arqueologia Histórica da Grécia Antiga) se insere
na lógica dos manuais universitários, e uma certa austeridade na apresentação o distingue de tantos livros bonitos sobre arqueologia grega. Mas as visões novas e às
vezes inesperadas sobre a contribuição da arqueologia
para a história da Grécia Antiga deverão interessar tanto aos profissionais quanto ao grande público.
Conscientes de que não é mais possível escrever uma
história global da Grécia Antiga, integrando ao mesmo
tempo o conjunto das informações textuais e as descobertas arqueológicas, os autores preferem apresentar
uma "arqueologia histórica", uma história da Grécia a
partir de sua cultura material, não somente das eras
sem escrita, como também dos períodos em que a
abundância de textos ameaça relegar a arqueologia ao
segundo plano. História necessariamente parcial, "um
ponto de vista entre outros e que certamente não é exclusivo: todas as histórias são boas, desde que sejam
coerentes e respeitem as fontes".
Ciclo insidioso
Definidos os objetivos, ainda seria
necessário cumpri-los e manter o fôlego do leitor durante 2.000 anos de história grega. Pois os autores não
pretendiam se encerrar no ciclo insidioso das três eras
da história grega: arcaica, clássica, helenística -em outros termos: nascimento,
apogeu e declínio. Recusando qualquer
visão cíclica, eles assumem a continuidade dessa história até a época imperial,
afirmando a realidade das mutações e recusando qualquer imagem de declínio.
Impossível serem mais felizes, e, caso tivessem tentado, os teríamos seguido de
boa vontade até o fim do século 20! Na
multidão de novidades ou de balanços,
aperfeiçoamentos e lições de método,
não sabemos o que escolher para dar ao
leitor a vontade de se atirar na obra.
O belo capítulo sobre os problemas de cronologia,
com os exemplos da fundação de Pitecusses e da evolução da cerâmica ática, chama imediatamente a atenção
para a dificuldade de uma cronologia absoluta, mas
tranquiliza quanto à confiabilidade de uma cronologia
relativa. Todos os capítulos seguintes, sobre a Grécia
dos primeiros palácios, a época micênica, as "eras obscuras" (obscuras apenas para nós, bem entendido), traçam um balanço luminoso das descobertas.
Mas não é aí que encontraremos mais pontos de vista
novos, pois, para esses períodos sem escrita, há muito
estamos habituados a recorrer somente à arqueologia.
Ao contrário, a colocação em perspectiva do desenvolvimento da cidade dos séculos 8º ao 4º a.C, recusando
os cortes impostos pela história política e militar, revela-se de uma fecundidade surpreendente.
Quer se trate da criação do território, à qual a inspirada modelagem dos trabalhos dos geógrafos trouxe esclarecimentos interessantes, ou da organização do espaço público e dos espaços sagrados, privados ou funerários, se apoiando em alguns exemplos precisos (Tassos, Metaponte, Argos, Erétria, Esmirna), os autores
põem em evidência, apenas por meio da lógica arqueológica, o quanto cada espaço reflete as preocupações
desse organismo original que é a cidade grega.
Sem que se possa provar o menor determinismo: se a
ágora se afirma como o lugar onde se desenrolam as atividades essenciais dos cidadãos, os edifícios públicos
traduzem a primazia do coletivo, do político (assembléia, conselho) sobre o administrativo, já que durante
muito tempo os magistrados tiveram que se contentar
em abrigar seus escritórios sob pórticos,
enquanto teatros e salas com arquibancadas acolhiam reuniões dos cidadãos.
Da mesma forma, a modéstia exterior
da casa privada, incluindo as das pessoas
ricas, por muito tempo contribuiu para
manter a ficção de uma igualdade cívica
que as hierarquias sociais iludiam. Na
Grécia dos reis helenísticos e dos imperadores romanos, o recurso à análise arqueológica contribui para a compreensão do novo mundo que se forma.
À ágora sucede a praça organizada e as
amplas avenidas, diante dos templos dos
deuses erguem-se os palácios dos soberanos; nos novos
espaços do mundo grego criam-se novas cidades e outras cidades mais antigas se desenvolvem, o campo sofre o efeito de uma ocupação mais densa e o centro de
gravidade do mundo helenizado se desloca de uma
margem para a outra do Egeu.
Reorganização do espaço
Sob o efeito de uma irradiação seletiva, a própria morfologia das cidades evolui, com espaços mais regulares, um desenvolvimento
privilegiado de certos edifícios (fortificações, ginásios,
prédios públicos), enquanto se estabelecem relações
complexas entre culturas até então estranhas entre si,
na Síria, no Egito ou na Ásia Central. A conquista romana provoca mutações poderosas tanto na organização
do espaço como na hierarquia das cidades.
Por muito tempo duvidamos das indicações dos antigos que deploravam o despovoamento da Grécia propriamente dita e o abandono dos santuários. As pesquisas arqueológicas realizadas na Beócia, na Tessália, na
Argólida, sem confirmar totalmente essas análises,
mostram que assistimos a uma profunda reorganização
do espaço, que valoriza a Grécia ocidental, o golfo de
Corinto, a Macedônia, isto é, as rotas para Roma, em
detrimento de cantões mais isolados. A conquista romana marca assim a paisagem do campo e também o
espaço urbano, onde se abre lugar para as criações dos
mestres romanos.
O exemplo de Atenas, sem dúvida único por sua amplidão, não tem nada de isolado. Assim, não nos cansamos de acompanhar, por meio das modificações do espaço rural e da paisagem urbana, 2.000 anos de uma
história renovada incessantemente. Mostrando como
cada época modela segundo suas necessidades e seus
ideais um mundo grego em perpétua mutação, talvez
um dia consigamos matar definitivamente qualquer
idéia de declínio. Não é o mérito menor dessa síntese
apaixonante dar uma contribuição exemplar a esse saudável combate.
Archéologie Historique
de la Grèce Antique
416 págs., 38,11 euros
de Roland Etienne, Christel Müller e Francis Prost.
Ed. Ellipses (França).
Onde encomendar
Em SP, à livraria Francesa (tel.
0/xx/11/231-4555) e, no RJ, à livraria Leonardo da Vinci (tel. 0/
xx/21/ 533-2237).
Maurice Sartre é professor de história antiga na Universidade de
Tours (França) e autor, entre outros, de "La Mediterranée Antique" (O
Mediterrâneo Antigo, com Alain Thanoy, Ed. A. Colin) e "L'Orient Romain" (O Oriente Romano, Ed. Le Seuil).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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