São Paulo, domingo, 08 de novembro de 2009

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Cortina rasgada

PARA O SOCIÓLOGO RICHARD SENNETT, COMUNISMO APODRECERIA MESMO SEM PRESSÃO DOS EUA

MATILDE SÁNCHEZ

Nos últimos dez anos, o sociólogo Richard Sennett (EUA) estudou o giro copernicano que o neoliberalismo impôs ao mundo do trabalho.
Seus estudos "A Corrosão do Caráter" e "O Artífice" (ambos pela Record) analisam tanto as grandes mudanças na gestão do mundo fabril como a subjetividade do operário ao ser substituído por máquinas ou jovens empregados por um quarto de seu salário -e sem memória sindical.
Sennett, que é professor emérito da London School of Economics, defende na entrevista abaixo a tese de que a queda do Muro de Berlim não foi determinante para a globalização.
Para ele, esse processo já vinha ocorrendo fazia tempo.

 

PERGUNTA - Existe uma crença generalizada de que o colapso do bloco socialista desencadeou a globalização. Mas o sr. e outros estudiosos separam os dois processos.
RICHARD SENNETT -
É tentador tomar a queda do muro como metáfora perfeita para a globalização, mas ela não procede.
São dois desdobramentos distintos. Não se deve enfocar a queda e a dissolução do império comunista como consequências do ímpeto capitalista; a rigor, isso está mais ligado a um processo europeu, e não ao capital financeiro ou à irrupção da China na economia.
Uma das surpresas é que o debate nacional alemão não versou sobre a globalização, mas sobre a inclusão de forças do território oriental.
Quando a União Soviética foi dissolvida, muitas dessas economias soberanas imaginavam que poderiam se beneficiar do sistema mundial. Mas não demoraram a compreender que por muito tempo seriam apenas os parceiros pobres.

PERGUNTA - De que data o sr. identifica o atual ciclo de globalização?
SENNETT -
De muito antes, de 1971, com a ruptura do acordo de Bretton Woods, negociado em 1944, que regulava o fluxo comercial e financeiro no mundo ocidental. Aconteceu quando os EUA abandonaram unilateralmente a conversibilidade de sua moeda e o padrão-ouro.
Ao contrário do que se acredita, os EUA hesitaram bastante. Investiram pouco no Leste Europeu, o equivalente a 10% dos investimentos na China nos últimos 20 anos. Buscavam uma escala bem maior de investimento. Desde 1995, já tinham a China como foco.

PERGUNTA - O que isso significou para as massas de trabalhadores comunistas desempregados?
SENNETT -
As liberdades políticas trouxeram instabilidade, e foi então que eles começaram a computar suas perdas e ganhos. Essa foi uma das ironias do processo: eles haviam passado a ter liberdades, mas alguns se enriqueceram demais e outros empobreceram muito.
Aconteceu o oposto do que o proletariado esperava; tanto nas pequenas empresas como nas universidades, empregos foram perdidos.
Na verdade, aconteceu uma tragédia para toda uma geração. Minha impressão pessoal é que, nos anos 1990, a geração de transição sofreu uma grande decepção retrospectiva no Leste Europeu.
Esse trauma será superado pelas gerações seguintes.

PERGUNTA - O sr. acredita que a reforma deveria ser "nacional" e mais gradual?
SENNETT -
Os processos estavam sujeitos à situação das empresas estatais. Muitas delas eram obsoletas, com parques de maquinaria antiquados e graves deficiências nos quadros de gestão.
Um dos problemas comuns no campo socialista era uma ética de trabalho pobre, com grande alienação dos trabalhadores quanto ao próprio ofício.
Quando visitei Weimar, na Alemanha Oriental, tudo exalava uma sensação de abandono; quando foi que os comunistas alemães se entregaram à indolência? Nem mesmo colocavam vasos de plantas em suas varandas...
Os novos governos não foram capazes de resolver problemas estruturais tão graves. A queda da União Soviética foi uma implosão, uma decadência interna; não houve uma derrota, o que causa espanto. O império soviético não foi conquistado pelo capitalismo mundial.

PERGUNTA - O sr. não crê, portanto, que os EUA tenham vencido a Guerra Fria?
SENNETT -
Isso é uma estupidez. Nos anos 80, o presidente [dos EUA] Ronald Reagan havia aumentado imensamente os gastos com armamentos, e costumava-se dizer que esses gastos militares induziram a bancarrota soviética: bobagem.
Muitos dos países do Leste Europeu eram incapazes de gerenciar a própria transformação. O interessante é determinar por que os chineses, que também tinham um comunismo estatal muito rígido, não desabaram.
E isso dependia de qualidades que a China possuía antes da era comunista.
A China sempre teve uma estrutura estatal disciplinada e um sistema educativo magistral, bem como uma base popular muito entusiástica. E também o que chamei de "as tartarugas chinesas", uma imensa massa de trabalhadores emigrados para o mundo inteiro que reinvestiram dinheiro em seu país de origem.
Culturalmente, tinham todo o necessário para decolar.


A íntegra desta entrevista saiu no "Clarín".
Tradução de Paulo Migliacci.


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