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Ponto de fuga
Por trás da regra
Jorge Coli
especial para a Folha
São três excelentes filmes: "Cradle
Will Rock", de Tim Robbins, "The
Green Mile", de Franck Darabont,
"The Cider House Rules", de Lasse
Hallström. Num, o tema é política e
arte. Em outro, cadeira elétrica e poderes sobrenaturais. No terceiro, órfãos e abortos. Nessa disparidade, há
pontos comuns. Os três se passam nos
EUA do entreguerras, no rigor da depressão. Apresentam, todos, uma crítica imediata à ordem, às leis, às regras. "Cradle Will Rock", ao tratar da
efervescência artística em NY nos
anos 30, centrando-se no musical
censurado de Marc Blitzstein e no célebre mural que opôs Diego Rivera
aos Rockfeller, não se preocupa em
dar espessura aos personagens. Consegue, porém, um cruzamento bastante complexo, no qual a generosidade criadora se mistura ao oportunismo, enfrentando normas e censores.
"The Green Mile", fiel ao romance de
Stephen King, põe de cabeça para baixo a relação entre crime e castigo.
"The Cider House Rules" mostra uma
densidade humana que não se encaixa nunca na estreiteza clara das leis. A
cultura americana, feita de obediência
"democrática" a parâmetros fortemente repressores, surge, nesses três
filmes, desprovida de humanidade. O
humano está por trás dela. Para atingi-lo é preciso uma consciência, ou
antes, uma intuição compreensiva
dos comportamentos de cada um.
"Não é a respeito de mal, é a respeito
de regras", diz um vilão de "The
Green Mile". Na verdade, o mal se dissimula nas regras.
Sombrero - O trotskismo militante
de Diego Rivera nunca o impediu de
receber encomendas americanas. Entre elas estão os murais para a Bolsa de
San Francisco, na Califórnia, e para o
Museu de Detroit, patrocinado pela
Ford. Em 1933, Nelson e John D.
Rockfeller o convidam para decorar o
saguão do Rockfeller Center, em NY.
Tempos curiosos: é um artista de extrema-esquerda que deveria dar cores
ao âmago simbólico e pulsante do capitalismo ocidental. Perfeita oportunidade para o escândalo de uma radicalização espetacular. Rivera foge do
programa aprovado. Pinta, com destaque, os rostos de Lênin e de Trótski.
São imagens evidentemente inaceitáveis: os Rockfeller propõem a transferência do mural para um museu, mas
Rivera recusa, num heroísmo duvidoso. O brilho do vermelho ideológico
disfarçava, assim, as notas verdes. No
fim, tudo acaba bem: o mural é destruído, mas refeito no Palácio das Belas Artes do México. Diego Rivera é
pago duas vezes, em dólares e em pesos. O saguão do Rockfeller Center
termina por receber as pinturas de
Sert, ótimo decorador catalão. Que
põe Lincoln no lugar de Lênin.
Imaterial - "Cradle Will Rock" inicia contrastando o fascínio de uma
imensa tela de cinema à miséria de
uma atriz sem emprego. "Cider House" mostra um menino doente morrendo com o sorriso nos lábios, ao assistir a "King Kong". Em "Green Mile", um preto enorme, inocente, mas
condenado à pena de morte, vê, nas
vésperas da execução, "Top Hat", seu
primeiro e último filme. É o momento
de "Cheek to Cheek". Fred Astaire e
Ginger Rogers dançam, aéreos. Fred
Astaire canta: "Heaven, I'm in Heaven". O prisioneiro diz: "São anjos".
Bobagem - A retrospectiva do
Whitney Museum, "The American
Century", centrou-se no que foi suposto caracterizar a produção artística americana. Determinou, porém,
um núcleo convencional que trata
apenas de "grande cultura". Elvis,
Madonna, Michael Jackson estão lá,
mas sempre através de uma lente
"highbrow". Ficaram de fora alguns
desdenhados, que críticos e curadores
não engolem como arte. Normann
Rockwell, gênio gráfico que desenhou
uma definitiva feição americana, não
teve a honra.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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