São Paulo, Domingo, 09 de Janeiro de 2000


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+ poema

de Frederico Barbosa

Pior do que a morte

ilustração de Albano Afonso

 

para JC

O pior é que dizem: rezou.

Ele que sempre foi contra,
do contra, ateu,
agora que zerou,
creu?

Ele que sabia que a vida é coisa
de sempre não.
Sem fórmulas fáceis,
nem saídas para a dor
de cabeça
de pensar
de ser sem crer.

Ele que sabia que não há
aspirina
contra o bolor.

Logo dirão que se inspirou,
e compôs de improviso
um soneto vendido,
dos que sempre enfrentou.

Dirão ainda que se converteu
e defendeu a vida devota,
a pacificação bovina,
a prédica dos pastores.

(Verbo e verba:
pragas velhas.)

E que se arrependeu do pecado
de ser exato, claro e enjoado

Vida, te escrevo merda.
Às vezes fezes, mas sempre merda.
Fingida flor, feliz cogumelo,
caga e mela.
Sempre severa e cega
merda.

Triste é depender
de relatos carolas,
acadêmicos, cartolas.
Triste é depender
da leitura alheia,
fáceis falácias: farsas.

Triste é depender
dos olhos dos outros,
de voz de falsas sereias.

Triste é não poder mais
se defender.

Mas
um aqui, João,
incerto, grita
e insiste em não crer
na sua crença repentina,
que a morte (sua) desminta
a obra (sua) vida.

Um aqui, João,
o tem por certo:
é mais difícil o não
crer, não
ceder, não
descer, não
conceder. Não.

Não, não orou.

 

Frederico Barbosa, 38, é poeta, autor de “Rarefato”, “Nada Feito Nada” e “Contracorrente”, a ser publicado no primeiro semestre deste ano pela Iluminuras
Albano Afonso, 35, é artista plástico. Participou da exposição “Panorama da Arte Brasileira”, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 99

 



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