São Paulo, domingo, 9 de agosto de 1998

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O poeta José Paulo Paes examina as similitudes entre o pensamento da criança e a construção poética
Infância e poesia

JOSÉ PAULO PAES
especial para a Folha

Além do homúnculo
Na história da cultura ocidental, houve um momento em que a criança deixou de ser considerada um adulto incompleto e passou a ser vista como um ser com características psicológicas próprias que era mister conhecer para poder compreender. Esse momento decisivo, tido por Isabelle Jan (1) como uma revolução tão momentosa quanto a copernicana, foi o brado do filósofo Jean-Jacques Rousseau no prefácio do "Émile ou de l'Education" (1762): "Não se conhece a infância". Depois do brado de Rousseau, ao conceito redutor do "homunculus" ou adulto imperfeito em que a criança costumava ser subsumida, sucedeu um continuado e sistemático esforço de investigação das particularidades psíquicas que a estremam do adulto. Essa empresa de mapeamento da interioridade da infância culminaria, como se sabe, no modelo freudiano de desenvolvimento libidinal e no modelo piagetiano de desenvolvimento cognitivo. Ambos convergiram no empenho de dar carta de cidadania científica à diferencialidade psicológica da criança.
Mas antes de recorrer a esses modelos no que possam interessar ao tema do presente ensaio -as correlações entre infância e poesia-, é imprescindível voltar a Rousseau para lembrar que a sua idéia da infância como felicidade era uma idéia nova para a Europa de fins do século 18. Dela fariam os poetas do romantismo um dos seus tópicos sentimentais prediletos, a exemplo do nosso Casimiro de Abreu em "Meus Oito Anos" (2). Nesse poema de inclusão obrigatória em qualquer antologia escolar, substantivos e adjetivos-chave como "saudades", "inocência", "alegria" ou "ingênuo" apontam para uma idealização da infância sob a qual lateja uma pulsão regressiva de sentido utópico. Pulsão que se reveste de conotações críticas ao contrapor os "tempos ditosos" da meninice às "mágoas de agora" da idade adulta (3).
Há mais do que sentimentalidade epidérmica naquilo que os simplórios octetos de Casimiro de Abreu buscam exprimir. Há ali um vislumbre da própria natureza da visão poética. Dessa natureza, melhor e antes do que qualquer outro, disse Charles Baudelaire o essencial quando, no capítulo 3º de "O Pintor da Vida Moderna", escreveu a frase inesquecível: "O gênio é somente a infância redescoberta" (4). Os itálicos são do próprio Baudelaire, e, embora ele esteja falando de pintura, mais especificamente da pintura de seu amigo Constantin Guys, o fato de ter usado uma palavra da abrangência de "gênio" -no sentido figurado e dicionarizado de "o mais alto grau de capacidade mental criadora, em qualquer sentido" (grifo meu)-, autoriza-nos a transpor o que diz para o domínio da poesia.

A novidade do mundo
Um pouco mais atrás, e logo depois da frase inesquecível, Baudelaire faz algumas considerações de fundamental importância. Começa por lembrar um conto de Edgar Allan Poe, "O Homem das Multidões", acerca de um convalescente que, junto à vidraça de um café, fica a contemplar a multidão lá fora. A circunstância de ele haver saído vitorioso da doença aguça-lhe os sentidos e "ele aspira com deleite todos os indícios e eflúvios da vida".
Daí tira Baudelaire a conclusão de que "a convalescença é uma volta à infância". Isso porque a sede de vida de quem acaba de escapar da morte traz consigo um aguçamento das percepções, que adquirem um grau de intensidade bem maior que o das percepções habituais. Tal intensidade as aparenta às percepções da criança, para a qual o mundo que apenas começa a conhecer é uma perene "novidade". O grifo é do próprio Baudelaire, e ele também grifa o adjetivo ao dizer que a criança está sempre "inebriada" com o espetáculo do mundo, percorrida por um "estremecimento nervoso" que é típico de uma idade em que "a sensibilidade ocupa quase todo o ser".
Na palavra "sensibilidade" cruzam-se dois eixos semânticos: o da percepção do mundo exterior pelos sentidos e o da emoção agradável ou penosa suscitada por algumas percepções. Baudelaire parece ter tido ambas as acepções em vista quando fala da percepção inaugural do mundo pela criança e da emoção de inebriamento causada por tal percepção. No esquema piagetiano do desenvolvimento cognitivo da criança, essa ocupação de "quase todo o ser pela sensibilidade" corresponderia ao trânsito do período sensório-motor (de 0 a 2 anos) -em que, inconsciente de si, o "eu" infantil ainda não se distingue do mundo que o cerca-, para o período pré-operacional (de 2 a 7 anos), quando a criança, embora não haja ultrapassado o egocentrismo do período anterior, já tem noção de um universo objetivo. A partir daí, começa a formar esquemas de entendimento dos seres, objetos e situações.
Esquemas que tais ainda não são conceitos lógicos, mas representações lúdicas em que realidade e fantasia se entremesclam sob o comando de um "eu" incapaz de conceber situação de que ele não seja o centro. Daí a pulsão introjetiva de imputar suas próprias idéias e sentimentos às coisas e aos seres com que tenha de se avir. Essas imputações, que traduzem o que Piaget chama de "animismo difuso", fazem-se acompanhar também de esquemas simbólicos mercê dos quais a criança se compraz em representar uma coisa por outra: a caixinha de fósforos transforma-se em carrinho, as brincadeiras de casinha imitam situações da vida cotidiana (5).
A similitude das características do pensamento infantil dessa fase pré-escolar com as do pensamento dito primitivo ou selvagem já foi repetidamente assinalada. Ao pensamento selvagem consagrou Lévi-Strauss um livro fundamental em que, em vez de o contrapor ao pensamento científico, como habitualmente se faz, preferiu vê-los a ambos como vertentes de um mesmo empenho de conhecimento, sendo que o pensamento selvagem, diferentemente do científico, que é mais teórico, mais afastado do concreto, fica sempre muito perto da intuição sensível.

Sob o signo da analogia
Salta aos olhos o paralelismo entre essa proximidade da intuição sensível e aquela idade em que "a sensibilidade ocupa quase todo o ser" a que Baudelaire faz referência. Tanto quanto o pensamento selvagem, o pensamento infantil é analógico. Em vez de utilizar o raciocínio e a observação para descobrir as causas dos fenômenos do mundo, recorre à imaginação para explicar, por nexos de parecença e de participação, aquilo que, por escapar-lhe ao entendimento, possa ser inquietante ou ameaçador. Explicação a que não é de todo estranho o "wishful thinking", ou seja, um tipo de crença que se baseia na lógica do desejo e não na da razão.
No caso do pensamento selvagem, Lévi-Strauss cita como exemplo de correlação analógica o de que um "grão em forma de dente proteja das picadas de cobra, que um suco amarelo seja específico para distúrbios biliares etc." (6). Assinala outrossim que o fato de a ação mágica ser desprovida de eficácia não invalida a crença do feiticeiro tribal de poder intervir no determinismo da natureza, alterando-lhe o curso. Porque acredita no que faz, o feiticeiro não mente nem trapaceia, assim como a menina não mente quando conversa imaginariamente com sua boneca e o menino tampouco mente quando se bate com sua espada de pau contra um oponente imaginário.
Mas já é tempo de lembrar a advertência de Jesualdo (7) de que, enquanto o homem selvagem ou primitivo vive num mundo fechado nos limites dos seus conhecimentos, a criança se desenvolve num mundo cujos conhecimentos são incomparavelmente superiores aos dela.
Daí que conceber o primitivo como uma criança grande seja equívoco tão grande quanto imaginar a criança como um primitivo mirim. O que aqui está em causa não é a igualdade, mas a similitude das operações do pensamento infantil com as do pensamento selvagem, na medida em que sirvam, ambos, para ilustrar algumas das operações da visão poética.
Esta tem na metaforese um dos seus instrumentos de base. Toda metáfora se constitui num ato de renomeação: em vez de inventar uma palavra nova para dar conta dos seus vislumbres, o poeta combina palavras já existentes no idioma numa expressão cuja novidade seja homorgânica daquilo que vislumbrou. O que justifica falar-se em criação poética.

Paralógica de circunstância
Enquanto procedimento criador, a metaforese lembra a "bricolage" apontada por Lévi-Strauss como típica da imaginação mitopoética (8). Esta utiliza mitemas ou fragmentos de mitos já existentes para compor novos mitos que possam explicar, etiologicamente, novas situações de mundo. A criança, por sua vez, durante o aprendizado da linguagem, como que imita o "bricoleur", ao utilizar as palavras com um à-vontade lúdico que o vasto repertório de expressões estereotípicas memorizadas pelo adulto já não lhe consente.
No ato de dar voz às suas introvisões do mundo, o poeta compartilha com o "bricoleur" de mitos e com a criança aprendiz da linguagem um pensamento de pendor analógico que não se deve considerar como antípoda do pensamento lógico. Embora seus enunciados possam parecer irracionais ao senso comum, eles têm um tipo sui generis de lógica a que se poderia chamar de circunstancial, ou melhor ainda, de paralógica. A natureza dessa paralógica é bem ilustrada por uma passagem que um amigo (9) me contou.
Estava ele certa ocasião numa praia onde um grupo de meninas pequenas brincava. De repente aparecem no mar alguns golfinhos, cuja vista as encanta. Pouco depois começa a chuviscar e meu amigo diz a uma das meninas: "Ih, e agora? Os golfinhos estão sem guarda-chuva. Como é que vão se arranjar?". Após um breve momento de reflexão, ela responde com a maior seriedade: "Ora, eles vão descer até o fundo do mar. A chuva não chega lá".
Importa assinalar, primeiramente, que a interpelada não fez nenhum reparo à associação de guarda-chuvas com golfinhos: atribuir características humanas a bichos e coisas é próprio do "animismo difuso" apontado por Piaget nessa fase do desenvolvimento da inteligência infantil.


Freud lembra que as crianças tendem a tratar as palavras como "coisas"


Tampouco ocorreu a ela objetar que pouco importaria, a quem já estava dentro d'água, ser molhado pela chuva. Sua resposta atendeu, com uma racionalidade ao pé da letra, os dados do contexto ou situação contidos na pergunta: o que estava em questão era tão-só não ser atingido pela chuva.
A paralógica a que a mentalidade infantil está afeita por natureza foi literariamente desenvolvida no século 19 por Edward Lear e Lewis Carroll. Eles escreveram versos "non-sense" ou poemas-disparates que até hoje fazem as delícias das crianças e nos quais há claras antecipações do alogismo de programa das vanguardas do nosso século. Em algumas dessas vanguardas, Renato Poggioli detectou uma tendência regressiva que acabou por levar os dadaístas a "uma intransigente puerilidade, um extremo infantilismo" (10).
Carroll perfilhava o credo romântico de Wordsworth e Coleridge de que a criança era mais autêntica do que o adulto na medida em que, por estar mais próxima da Natureza do que ele, não se deixara ainda corromper pelos males da civilização. Nela, a intuição alcançava sem maior esforço um tipo de entendimento ingênuo das coisas a que só a duras penas a filosofia e a poesia iriam conseguir aceder. Quando chama a atenção para este aspecto da ideologia carrolliana, William Empson não deixa de sublinhar que, tanto quanto sua heroína Alice, Carroll almejava desfrutar "a um só tempo as vantagens de ser adulto e criança" (11). Como é fácil ver, essa dúplice condição corresponde àquele estado de convalescença tido por Baudelaire como próprio do artista da vida moderna.

Riso, jogo e infância
Na investigação que Freud, a partir de uma sugestão de Bergson, empreendeu das raízes do cômico, confirmou-se a sua teoria de o prazer do chiste derivar de uma economia de despesa psíquica. Economia desde sempre presente nas diferentes técnicas de elaboração do humor verbal, técnicas que ele reuniu sob a categoria geral de condensação, dela citando, como "admirável exemplo", o famoso "traduttore-traditore" (o qual, forçando um pouco a nota, poderíamos verter por "tradutor-traidutor").
Nesse trocadilho italiano, a similitude sonora entre as palavras corrobora, por condenação de sentidos, a noção vulgar de que as línguas são incomutáveis entre si, pelo que nenhuma tradução conseguiria fazer justiça plena ao significado idiomático de uma palavra. Haveria, quando muito, uma faixa limitada de equivalência entre os termos semanticamente correspondentes de duas línguas diversas, donde a idéia da inevitável traição tradutória (12).
Assim, "traduttore-traditore" confirma, de forma lapidarmente condensada, aquilo que já nos era familiar, pelo que alcança suscitar em nós um sentimento de prazer. Como diz Freud, trata-se de "um prazer obtido pela economia (...) na despesa psíquica". A despesa psíquica seria obviamente o esforço todo de recordar a tese da incomutabilidade dos idiomas como obstáculo à tradução do que quer que seja.
Nessa mesma parte (B IV:1) de "Os Chistes e Suas Relações com o Inconsciente", Freud lembra que as crianças tendem a tratar as palavras como "coisas", a ponto de considerar umas inseparáveis das outras. Daí esperarem que palavras idênticas ou semelhantes também designem coisas idênticas ou semelhantes. O bom chiste é, para Freud, aquele em que a um parentesco sonoro entre duas palavras corresponda igual parentesco de sentido. E ele volta inclusive a citar, em nota de pé de página, o "traduttore-traditore" como exemplo de bom chiste que satisfaz "a expectativa infantil", confirmando, num "curto-circuito" verbal, que o tradutor "de fato é uma espécie de traidor" (13).
Mais adiante Freud aproxima do chiste o cômico ingênuo, típico das crianças, assinalando, como diferença entre eles, que o chiste é "produzido", ao passo que o cômico ingênuo é "constatado" (14). E conclui, embora meio receoso de ir tão longe, que "tudo que é cômico baseia-se fundamentalmente na degradação à infância" (15). Vale dizer: o adulto se torna cômico ao infantilizar-se ou "degradar-se" à infância. Entretanto, essa degradação é prazerosa para crianças porque, ao assumi-la, o adulto renuncia à sua superioridade e brinca com ela em pé de igualdade.

Sem degradação
Certamente vem disso o atrativo que tem para as crianças, com a sua comicidade de chiste, a poesia que para elas escreveram Edward Lear e Lewis Carroll. Não me parece, porém, que haja nessa poesia o que quer que seja de degradação. Em nenhum momento aparece nela a grotesca imitação da fala infantil a que costumam recorrer os maus autores do gênero, abusando dos diminutivos adocicados e dos lances de sentimentalidade. Foi a um desses maus autores, aliás, que Friedrich Hölderlin endereçou o seu certeiro epigrama "Falsa Popularidade":
"Que conhecedor dos homens! Faz-se criança com as crianças,
Mas a árvore e a criança buscam o que é mais alto do que elas" (16).
Que elas o buscavam sabiam, melhor do que ninguém, Lear e Carroll. Eles não só respeitavam a inteligência infantil como tinham clara noção das peculiaridades dessa inteligência. Por isso, podiam dialogar com seus pequenos ouvintes e leitores sem precisar renunciar à identidade adulta por via de infantilizações degradantes. A poesia "non-sense" ou disparatada que produziram se inscreve na linha da "representação pelo absurdo" referida em "Os Chistes e Suas Relações Com o Inconsciente" (17). Freud cita, como exemplos, chistes em que os efeitos de surpresa são suscitados por adjetivações inusitadas, combinações verbais incomuns e designação de algo pelo seu oposto, o que as aparenta estreitamente às situações absurdas dos sonhos (18).
Tudo isso tem a ver de perto com as vivências infantis que irão povoar o inconsciente até o fim da vida do indivíduo. No mesmo inconsciente deita raízes a técnica de construção do poema-disparate, tanto quanto o prazer infantil por ele suscitado em seus ouvintes ou leitores. Pois é nessa "antiga pátria" (19) do jogo com as palavras que a infância se entrega aos deleites -inibidos no adulto pela crítica racional- da repetição puramente lúdica de sons verbais parecidos (rimas, aliterações, assonâncias etc.) e da exageração nas proporções de seres, objetos e situações. Tal exageração tem a ver com a ignorância das relações quantitativas, que só mais tarde a educação vai incutir na criança, infundindo-lhe a "virtude" adulta da moderação (20).
As extravagantes figuras humanas que povoam a poesia de Lear e Carroll, assim como as absurdas situações em que elas se vêem envolvidas, são vivas ilustrações da paralógica do pensamento infantil. A circunstância de essa paralógica contrariar frontalmente a lógica do mundo adulto e o seu código de proibições a recomenda de pronto ao senso de rebeldia da imaginação infantil, à qual aborrecem as compulsões da lógica (21).
É o caso de alguns poemas-disparates de Carroll em que o formato fabular da lição de moral é parodicamente subvertido. Em "Minha Fada", a paródia incide na figura da fada protetora, invenção folclórica em que a sátira carrolliana encarna a figura repreensiva do adulto (22). A cada uma das quatro estrofes do poema, a fada vai sucessivamente proibindo seu protegido de chorar, alegrar-se, beber, provar quitutes, guerrear ou sequer fazer perguntas. Tais sucessivas proibições são resumidas no verso isolado final: "Moral: "Você não deve'".


Contra o embotamento induzido por automatismos de linguagem e de percepção, a leitura de poemas pode exercer na criança uma ação desbloqueadora das mais salutares


Em "Irmão e Irmã", Carroll perfilha matreiramente a crueldade infantil ao relatar, com um humor temperado de comprazimento, uma troca de ameaças verbais entre irmão e irmã que culminaria na fritura desta por aquele, não fosse a recusa da cozinheira de emprestar-lhe uma frigideira. E em "Regras e Restrições", por via de dísticos de rimas amiúde estrambóticas, ministra ele aos seus leitores mirins uma série de conselhos -aprender gramática, cantar no compasso, fazer caminhadas matinais, nunca beber álcool etc.-, cuja sensatez é de repente infringida por extravagâncias como: "Mande o canário às favas", "E seja grosseiro/ Com forasteiros".
Nos "limericks" de Edward Lear, as situações absurdas e os inusitados paralelismos de som e sentido ecoam o gosto infantil pelo exagero nas dimensões das coisas e pela repetição lúdica de sonoridades aparentadas. É igualmente significativo que os protagonistas dos seus "limericks" sejam sempre pessoas adultas envolvidas em situações caricaturais ou vexatórias. Todas essas características aparecem bem ilustradas em (23):
"Havia um velho de longa barba
que se lamentava: "Coisa bárbara' -
Pardal, andorinha,
coruja, galinha,
Tudo se aninha na minha barba".
Não é de surpreender viessem da Inglaterra versos como os de Lear e Carroll, que, com o seu senso humorístico e a sua exploração dos nexos lúdicos entre som e sentido, dariam à poesia para crianças o seu formato moderno. Esses dois pioneiros retomaram, cada qual à sua maneira, a tradição folclórica das "nursery rhymes" transmitidas oralmente de geração em geração e recolhidas em livro por Newbery no século 18.
A riqueza de imagens visuais, a profusão de rimas disparitárias, o inesperado das situações e a absurdez dos protagonistas desses breves poemas acompanham de perto as pulsões da psique infantil. Por isso mesmo, as "nursery rhymes" e seus personagens -Mamãe Gansa, Miss Muffett, Jack Sprat, Humpty Dumpty (24) e tantos outros- deliciaram sucessivas gerações de crianças inglesas. Adestraram-nas a brincar com as palavras sem se preocupar muito com o que quisessem dizer. Disso tirou partido Edward Lear para inserir, nos seus "limericks", alusões eruditas que, mesmo extrapolando o universo de referência de seus minileitores, são por eles aceites sem discussão. Como a referência a Vitrúvio, arquiteto romano do século 1 a.C., cujo nome aparece neste "limerick" apenas por necessidade de rima:
"Certo velho que morava no Vesúvio
lia sem parar as obras de Vitrúvio.
Mas quando o fogo lhe queimou
os livros, ele começou
A beber, aquele velho do Vesúvio".

Abertura para a poesia
Tudo quanto até agora foi dito aqui sobre as afinidades psicológicas entre o poeta e a criança leva a supor que ela seja mais sensível do que o adulto aos encantos da poesia. Isso, porém, depende da idade. Crianças pequenas, ainda na faixa da pré-escola ou recém-alfabetizadas, não estão tão sujeitas quanto os adultos às coerções normativas da língua, o que lhes possibilita usá-la de maneira menos automatizada e, portanto, mais criativa. Mais criativa, entenda-se, do ponto de vista da poesia moderna, cujo gosto pelo alogismo e cujas elipses, imagens e metáforas são de uma audácia a que, com raríssimas exceções, a poesia sua antecessora jamais se atreveria (25).
Vale a pena repetir que crianças pequenas ficam amiúde fascinadas pela sonoridade de certas palavras e expressões, independentemente do que possam significar. É o caso de versos cantados durante as brincadeiras de grupo, como o "Soropango da vingança", ou, antes delas, de "comptines" para escolha de parceiros, a exemplo de "An dê tutamé finfon/ ales tales com pastor ziguezá do chão".
Aquele misterioso "soropango da vingança" é corruptela de uma canção folclórica francesa, "Sur le Pont d'Avignon": com obliterar-lhe o significado, a corruptela lhe deu um valor não-conceitual, encantatório (26). O mesmo vale para a "comptine", em que a ambígua sonoridade deixa entrever, em palimpsesto, outra possível fonte francesa.
A sedução que a música da poesia exerce sobre a criança é reforçada pelos valores rítmicos aos quais ela é igualmente sensível. Georges Jean (27) chega inclusive a fazer o senso rítmico remontar à vida fetal, quando os batimentos cardíacos do feto se superpõem aos do coração materno. Do corpo da mãe vem outrossim a linguagem que irá mais tarde se tornar produção autônoma do corpo do filho. Este irá acolher a linguagem como algo tão palpável e indiscutível quanto as coisas do mundo. Palavras, imagens, metáforas não são, para a criança, símbolos abstratos, mas duplos das coisas, tanto assim que a nomeação basta para fazer as coisas existirem. Daí ela aceitar, sem se importar em discutir-lhe a verossimilhança, tudo quanto um poema diga. A aceitação resulta igualmente dos limitados conhecimentos da criança, os quais ainda não lhe permitem desenvolver um senso crítico.
Esse senso já se mostra ativo nas crianças escolarizadas da faixa dos dez anos ou mais, que se vão progressivamente impregnando das idéias feitas, preconceitos morais e clichês de expressão inculcados em casa e na escola, bem como dos lugares-comuns e slogans publicitários subconscientemente absorvidos da televisão. Contra o embotamento induzido por tais automatismos de linguagem e de percepção, pode exercer uma ação desbloqueadora das mais salutares a leitura regular de poemas. Poemas cuja visão de mundo ponha em xeque esses automatismos, quer no nível dos conteúdos mentais, quer no nível da expressão verbal, já que uma visão dessa natureza só a pode veicular uma linguagem inovadora como a da poesia moderna.
A suposição há pouco referida, de a criança ser mais receptiva à poesia do que o adulto, pode ser estatisticamente demonstrada comparando-se as tiragens de livros de poemas para crianças com as de livros de poemas para adultos. Enquanto, a salvo dos compromissos e obrigações da vida prática, o gosto infantil pelos jogos e brincadeiras encontra no ludismo verbal da poesia um clima congenial, esses mesmos compromissos e obrigações tendem a afastar o adulto da poesia escrita para ele. Esta última, além de exigir-lhe uma leitura mais atenta e mais discriminativa, não o recompensa com o relaxamento mental propiciado por um romance policial ou pelo best seller do momento.

O papel da escola
Na comparação estatística do consumo de poesia para crianças com o de poesia para adultos, não se pode evidentemente escamotear a enorme influência nele exercida pela escola. Ao adotar este ou aquele livro, a escola cria um consumo compulsório diante do qual se apequena de muito o consumo de livre escolha. Não me refiro evidentemente à escola "in illo tempore", mas à escola e à pré-escola mais arejadas de nossos dias, que vão legando ao rol das velharias a cartilha de bê-á-bá. O aprendizado da língua e do mundo já começa a ser feito hoje em dia por meio do encantamento dos ritmos, rimas, aliterações, consonâncias, imagens, contrastes e paralelismos da poesia.
Conforme as ênfases que lhe sejam dadas, a utilização desta como instrumento pedagógico pode suscitar dois tipos de deformação igualmente prejudiciais. A primeira é a deformação espontaneísta, que confunde gosto natural pela poesia com inata capacidade de criação, como se toda criança nascesse poeta. Da obrigação escolar de escrever versos só resultam habitualmente composições canhestras que acabam por embotar o poder de discriminação estimulado pela leitura de boa poesia. Se a criança espontaneamente se puser a fazer versos, é claro que deve ser estimulada, mas sem exagerada benevolência. Mais útil do que a benevolência será algum tipo de orientação sobre como ela poderá apurar e desenvolver o seu desempenho poético.
O outro tipo de deformação é a deformação pragmática, que consiste em a escola usar a poesia como simples auxiliar no ensino de noções de gramática e outras disciplinas, deixando em plano subalterno seus valores propriamente estéticos. Não que um poema não possa ter eventuais aplicações pedagógicas. Pode, sim, mas só depois de a atenção das crianças se haver voltado, de moto próprio ou por instigação do professor, para a fruição lúdica da forma e do sentido do poema, uma e outro tão intimamente correlacionados. O importante é fazer do contato com a poesia antes fonte de prazer gratuito que de obrigações escolares (28). Uma indicação segura de que houve tal contato de prazer é a criança decorar espontaneamente os poemas que lhe agradem. Isso indica sua percepção intuitiva da indissolubilidade do nexo poético entre forma e sentido. Uma história em prosa ela a pode recontar usando suas próprias palavras, mas um poema não -o que comprova o dito de Valéry segundo o qual uma das possíveis definições da poesia seria a sua tendência a "reproduzir-se em sua própria forma, (estimulando) nosso espírito a reconstruí-la tal como é".
Por via da fruição lúdica da poesia é possível implantar na criança a semente de um gosto que, persistindo na adolescência, talvez a leve, na idade adulta, à leitura prazerosa da grande poesia. Só assim aquele "menino interior que, em forma de resíduo um pouco bárbaro, todos conservamos" (29) nos poderá salvar ocasionalmente da obtusidade e da vulgaridade da vida dita prática, mantendo-nos em estado de permanente convalescença diante da novidade do mundo.


José Paulo Paes é ensaísta, poeta e tradutor, autor, entre outros, de "A Meu Esmo" (Noa Noa), "De Ontem para Hoje" (Boitempo) e "Os Perigos da Poesia e Outros Ensaios" (Topbooks).


Notas
1. Isabelle Jan, "La Littérature Enfantine", Paris, Les Éditions Ouvrières, 1985, 5ª ed., pág. 8.
2. Casimiro de Abreu, "Primaveras", em "Grandes Poetas Românticos do Brasil; Poesias Completas de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo", org., rev. e notas de F. J. da Silva Ramos, São Paulo, LEP, 1952, pág. 368.
3. A infância como utopia aparece sobretudo na poesia romântica alemã. Hölderlin, num dos poemas do ciclo de Diotima, "Da Ich ein Knabe war", lembra os seus dias de menino como de silente comunhão com os "deuses amistosos" em cujos braços crescera, longe "da grita e do látego dos homens"; noutro poema do mesmo ciclo, "Hyperions Schicksalslied", ele vê os Celestes "como crianças dormindo, a salvo do destino" (cf. Hölderlin, "Poemas", sel., trad. e introd. de J. P. Paes, págs. 83 e 89).
Novalis, por sua vez, dizia que "Onde quer que existam crianças, existe uma idade de ouro" (apud Jesualdo, "A Literatura Infantil", trad. de James Amado, São Paulo, Cultrix, 1985, 3ª ed., pág. 191). O próprio Karl Marx, a propósito da eternidade da arte grega, chegou a escrever: "Um homem não pode tornar a ser criança sem cair na infância. Mas não se diverte ele com a ingenuidade da criança e não deve ele próprio desejar reproduzir em um nível superior, sua verdade? Será que na natureza infantil o caráter próprio de cada época não revive em sua verdade natural? (...) Os gregos eram crianças normais" (Jean Fréville, "Trechos Escolhidos de Marx, Engels, Lênin e Stalin Sobre Literatura e Arte", trad. Eneida, Rio, Calvino, 1945, pág. 68). E nas "Cartas a um Jovem Poeta" Rilke recomenda a Kappus livrar-se dos "temas demasiado correntes" e voltar a atenção para a "sua infância, essa preciosa, essa magnífica riqueza, esse tesouro de recordações".
Na literatura italiana, há uma outra linha de pensamento cujos primórdios remontam a Giambattista Vico ("Princípios de uma Ciência Nova", trad. Antonio L. de A. Prado, S. Paulo, Abril Cultural, 1974, págs. 43-44), para quem, sendo o ofício da poesia "conferir sentido e paixão às coisas insensatas", os poetas eram nisso antecipados pelos "infantes a tomar coisas inanimadas entre as mãos e, entretendo-se, falar-lhes como se elas fossem pessoas vivas". Como Vico considerava as civilizações primitivas a infância da humanidade, esse pendor do infante humano lhe parecia a prova de que "os homens do "mondo fanciullo" foram, por sua própria natureza, sublimes poetas". Amalgamado à crença cristã da queda do homem da sua original condição paradisíaca, o pensamento viquiano em torno do nexo consubstancial entre infância e poesia reaparece na poética de Giuseppe Ungaretti ("Razões de uma Poesia", org. de L. Watagin, S. Paulo, págs. 51 e 210) como uma reconquista da inocência perdida. Assim é que ele discerne na obra de Leopardi e Mallarmé "uma esperança insaciável de inocência" e na poesia em si o poder de "suscitar uma ilusão de inocência, a ilusão da liberdade, da liberdade intacta de antes da queda".
4. Charles Baudelaire, "Poesia e Prosa", ed. org. por Ivo Barroso, Rio, Nova Aguilar, 1995, pág. 856.
5. Ver "O Modelo Piagetiano" em Clara Regina Rappaport e outros, "Psicologia do Desenvolvimento", São Paulo, EPU, 1981, vol. 1, págs. 51-75. Ver também o capítulo "Caráter e Evolução da Inteligência Infantil" em Jesualdo, ob. cit., págs. 64-70.
6. Claude Lévi-Strauss, "O Pensamento Selvagem", trad. de M. C. da Costa e Souza e A. de O. Aguiar, São Paulo, Nacional, 1976, 2ª ed., pág. 36.
7. Jesualdo, ob. cit., pág. 138.
8. Sobre a metaforese como forma de "bricolage", cf. meu ensaio "Para uma Pedagogia da Metáfora", em "Os Perigos da Poesia", Rio, Topbooks, 1997, pág. 18.
9. O dr. Tharcillo Toledo Filho, a quem agradeço pela achega.
10. Renato Poggioli, "The Theory of the Avant-garde", trad. de G. Fitzgerald, Cambridge, Mass., Harvard UP, 1968, pág. 62. Também Ortega y Gasset ("La Deshumanizacion del Arte/ Ideas Sobre la Novela", Santiago de Chile, Cultura, 1937. pág. 47), falando da poética moderna, diz que "se a arte salva o homem é somente porque o salva da seriedade da vida e suscita nele inesperada puerícia. (...) Toda a arte nova se torna compreensível e adquire certa dose de grandeza quando é interpretada como uma tentativa de criar puerilidade num mundo velho".
11. William Empson, "Some Versions of Pastoral", Harmondsworth, Ingl., Penguin, 1966, págs. 208-209 e 213.
12. A tradutologia moderna vem pondo em xeque essa tese, que no entanto ainda encontra adeptos, como o Georges Mounin de "Os Problemas Teóricos da Tradução", trad. Heloysa de L. Dantas, São Paulo, Cultrix, 1975. As posições de Mounin são pertinentemente criticadas por Jean-René Ladmiral em "Traduire: Théorèmes pour la Traduction", Paris, Payot, 1979.
13. Sigmund Freud, "Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente", trad. M. Salomão e J. Salomão, Rio de Janeiro, Imago, 1977, págs. 142-143.
14. Freud, ob. cit., pág. 208.
15. Freud, ob. cit., pág. 256.
16. Friedrich Hölderlin, "Poemas", ed. cit., pág. 101.
17. Freud, ob. cit., págs. 103 e 105.
18. Freud, ob. cit., pág. 108.
19. Freud, ob. cit., pág. 194.
20. Lévi-Strauss (ob. cit., pág. 45), a propósito da troca das dimensões sensíveis do objeto pelas suas dimensões inteligíveis no modelo reduzido dele criado pelo artista plástico, sublinha que esse modelo "aumenta e varia o nosso poder sobre um homólogo da coisa". Lembra outrossim que a boneca não é apenas um interlocutor da menina: "Nela, e por ela, a pessoa se transforma em sujeito". A exageração, para mais ou para menos, das dimensões das coisas e seres do mundo é vista por Casona (apud Jesualdo, ob. cit., pág. 81) como característica da mente infantil, que "sente prazer em deformar a verdade geométrica. (...) O colossal e o microscópico atraem-na com uma sugestão que o normal não possui; daí as clássicas histórias de anões e gigantes".
Não haveria também, nesses modelos criados pela criança por ananismo ou gigantismo, o empenho dela em aceder à condição de sujeito por via da redução do normal à escala dos seus desejos e temores? Seja como for, a oposição gigante/anão certamente tem muito a ver com a oposição criança/adulto. A própria criança se faz a medida de tudo: o menor que ela, sobre o qual possui alguma possibilidade de poder, é anão; o maior que ela, a cujo poder tenha de curvar-se, é gigante.
21. Freud (ob. cit., págs. 148-149) assinala que, à altura em que começa a adquirir o léxico da língua materna, a criança brinca com as palavras, juntando-as sem preocupação de sentido e comprazendo-se tão-só nos efeitos de rima e de ritmo. A educação, com impor apenas o uso de combinações significativas de palavras, proíbe-lhe o antigo brinquedo prazeroso. A mesma educação, ao acentuar a distinção entre o falso e o verdadeiro na realidade, cria na criança uma "rebelião contra a compulsão da lógica e da realidade (que) é profunda e duradoura".
Embora tal rebelião seja sistematicamente coibida, ela aflora de quando em quando na "tendência característica dos rapazes em dizer absurdos ou idiotices" e, mais tarde, no gosto do adulto pelo "non sense liberado". George Steiner ("After Babel", Nova York-Londres, Oxford UP, págs. 35-38) lembra que as crianças japonesas empregam um vocabulário à parte para tudo quanto usam e que o autismo é a forma extrema de rebelião que o conflito de fala entre a criança e mundo adulto pode atingir. Steiner vê na linguagem da criança, que usa diferentes fraseados, entonações e gestos para falar com um adulto ou para falar com outras crianças, a língua secreta ou idioleto de uma "classe explorada e sediciosa (que), como o proletariado ou as minorias étnicas, surrupia a retórica, as palavras-tabu, os idiomatismos normativos dos seus opressores e os torna risíveis".
22. A menina que ralha com a boneca parodia o comportamento da mãe a repreendê-la. Mas é apropositado lembrar que toda paródia envolve um componente de zombaria, quando não de revide. Os poemas de Carroll aqui citados constam em "Rimas do País das Maravilhas", sel. e trad. por J. P. Paes, São Paulo, Ática, 1996.
23. Edward Lear, "Sem Cabeça Nem Pé", trad. J. P. Paes, São Paulo, Ática, 1992.
24. Os poemas em que esses personagens aparecem constam em "Mamãe Gansa", trad. de J. P. Paes, São Paulo, Cia. das Letrinhas, 1995.
25. Tive ocasião de comprovar isso quando selecionava material para uma coletânea de traduções (do espanhol, italiano, francês, inglês, alemão, grego moderno, dinamarquês e latim) de poesia para crianças. Com umas poucas exceções, só em autores do século 20 encontrei peças que atendessem aos requisitos de pequena extensão, vivacidade de imagens, simplicidade de linguagem e dicção humorística.
Tais características -que são, como é fácil ver, as da poesia de Lear e Carroll- estão entre as que Jesualdo (ob. cit., págs. 83 e ss.) recomenda como "um possível critério antológico". Outros autores também apontam a poesia moderna como mais afim da sensibilidade infantil. Para Michel Cosem ("L'École, la Poésie" em "Action Poétique" 67-68, Paris, 1976, pág. 93), ela, a poesia moderna, "abre um campo novo e apaixonante, pelas suas próprias contradições, e os alunos têm nesse domínio um gosto muito vivo da descoberta". E Jacques Charpentreau ("Enfance et Poésie", Paris, Les Éditions Ouvrières, 1972, pág. 15) acentua que "os poetas modernos saúdam as crianças como as que têm acesso "natural' a esse universo oculto-desvelado além das palavras; para aceder a ele, o saber é amiúde um obstáculo".
26. Esse valor não-conceitual, encantatório, é típico daquela modalidade de poesia folclórica que Alfonso Reyes ("La Experiencia Literaria", Buenos Aires, Losada, 1952, págs. 157 ss.) chama de "jitanjáforas". Nela, as palavras não buscam nenhum "fim útil", pois recuperam "suas captações alógicas e até seu valor puramente acústico", manifestações que são de uma "energia mitológica, felizmente nunca afogada de todo pela linguagem prática".
27. Georges Jean, "Le Petit Enfant et la Poésie", Paris, "Poésie", nº 66-68, julho-agosto 1979, págs. 27-39.
28. A esse respeito, parece-me das mais fecundas uma experiência que me foi relatada pela professora Fátima Vitor, que leciona numa pré-escola de um bairro pobre da periferia de Santo André (SP). Ali desenvolveu ela um projeto intitulado "Poesia Criança Poema" em que utilizava como livros básicos coletâneas de poemas para crianças. Seu propósito final era integrar "todas as áreas do conhecimento sob o ângulo poético", cuidando, entre outras coisas, de "atiçar a imaginação e a criatividade da criança, libertando-a do cotidiano; incentivar o gosto de brincar (trabalhar) com a palavra (oral e escrita); expressar-se oralmente, ampliando seu vocabulário".
Na unidade 1 do projeto, foram usados poemas do meu livro "Lé com Cré". Segundo a professora Fátima, "os olhinhos deles (seus alunos) brilham, a cada roda de poemas, onde, sentados no chão do pátio, leio alguns poemas, explico, deixo que eles comentem e depois voltamos à sala para fazer atividades relacionadas aos poemas". Por exemplo, o poema "Sobrenome" gerou um trabalho com os sobrenomes das crianças (iniciais, tamanho, repetição, fáceis, difíceis, origem, representação familiar). O poema "O Bife" sugeriu uma conversa sobre diversos tipos de comida (gostos, importância) e o poema "Tão", em cujo texto se fala de profissões, outra conversa sobre diversas profissões (pais, bairro, o que pretende ser no futuro).
29. Ortega y Gasset, ob. cit. na nota 10, pág. 59.



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