São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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DE NOVO VANGUARDA

Crucial para entender o pós-modernismo, sua obra ainda permanece mal estudada no Brasil

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

N iemeyer tem uma obra ainda não estudada profundamente no Brasil, e sua imagem se confunde com a do "arquiteto nacional", prejudicando o seu entendimento.
A avaliação vem do espanhol Josep Maria Montaner, 53, um dos principais críticos de arquitetura do mundo, que esteve recentemente no país como palestrante da 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de SP. Professor da Escola de Arquitetura de Barcelona, onde dirige o Laboratório de Residência do Século 21, ele lançou no Brasil a edição em português de seu livro "Arquitetura e Crítica" (ed. Gustavo Gili, R$ 45, 160 págs.).
A seguir, Montaner, crítico que lança mão de filosofia, artes plásticas, cinema e literatura para interpretar a arquitetura contemporânea, conversa com a Folha sobre Niemeyer.

 

FOLHA - Niemeyer continua sendo o arquiteto brasileiro mais conhecido no exterior? Ele é visto como datado ou, pelo contrário, simboliza o melhor e mais famoso período da arquitetura brasileira?
JOSEP MARIA MONTANER -
Ser o arquiteto mais conhecido tem a ver tanto com a qualidade da sua obra quanto com o fato de o Brasil tê-lo convertido em seu arquiteto nacional.
Também é certo que sua figura é identificada com o período mais famoso da arquitetura brasileira, mas é simplista e anacrônico reduzir a arquitetura brasileira a esse período. Depois de Brasília, ela seguiu com grande qualidade, senão a obra de Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha, por exemplo, não poderia ser colocada como de tanto interesse quanto a de Niemeyer e Lucio Costa.

FOLHA - Ele sempre defendeu o uso do monumental na arquitetura. De certo modo, o pós-moderno, com sua necessidade de espetacularização, também fez projetos, em uma certa perspectiva, monumentais, de marcas muito fortes. Isso não contribuiu para a revalorização de Niemeyer? Ou o conceito de monumentalidade de Niemeyer não tem nada a ver com a obra pós-moderna?
MONTANER -
É certo que a arquitetura de Niemeyer, muito visual e midiática, espetacular e monumental, tem muito a ver com as idéias-chave da arquitetura pós-moderna. Para tanto, o pós-moderno ajudou a manter a figura de Niemeyer como chave. Sua obra se sintoniza com a proposta icônica de Robert Venturi, Denise Scott Brown e Rem Koolhaas.

FOLHA - Sempre defendeu o uso do concreto armado, que pode fazer tudo em arquitetura, segundo ele. Diversos estudiosos vêm ao Brasil pesquisar as razões desse material ainda ser utilizado de forma tão intensa no país. Em parte, Niemeyer não é responsável por isso?
MONTANER -
O uso maciço do concreto armado no mundo e no Brasil tem a ver com um período determinado da evolução da tecnologia de construção, dos anos 30 aos 60. A partir dos 70, a crise energética e os problemas ecológicos impuseram a necessidade de alternativas a tal material, pouco sustentável e de capacidade de conservação muito imprevisível.

FOLHA - Há uma leitura corrente que coloca Niemeyer como "o poeta das curvas", que remeteria à mulher brasileira, às paisagens do Rio etc. Não existe uma certa mitificação e um certo culto por sua figura, por seu estilo e por suas obras?
MONTANER -
Todas as questões têm várias facetas e respostas. A ênfase da curva em Niemeyer não é nada gratuita, é muito significativa, sendo uma chave para a evolução da arquitetura moderna até atingir formas mais orgânicas e expressivas.
As obras e as metáforas de Niemeyer servem para legitimar essa evolução. O corpo da mulher não foi uma referência da arte e da arquitetura até quando as vanguardas já estavam muito desenvolvidas, a partir dos anos 30, com as obras de Henry Moore, Jean Arp, Henry Laurens, Isamu Noguchi e Louise Bourgeois.
Para tanto, o aporte de Niemeyer é chave e oportuno. Existe realmente tal mitificação sobre sua figura no Brasil, razão por que ainda não há livros bons e críticos o suficiente sobre ele. Continuam dominando os panegíricos sentimentais e nacionalistas.

FOLHA - A visibilidade de Niemeyer foi prejudicada por ser da América Latina? O fato de, com exceção da ONU, um projeto em equipe, não haver grandes obras dele nos EUA também não foi prejudicial em sua carreira? O Pritzker renovou sua popularidade no exterior?
MONTANER -
Ser latino-americano não favoreceu sua visibilidade, sem dúvida. A mídia se liga aos grandes centros de difusão, comunicação e turismo. O Pritzker renovou sua popularidade, mas ao ser compartilhado [com Gordon Bunshaft, em 1988], não teve a transcendência e a significação que foi dada há pouco ao Pritzker de Paulo Mendes da Rocha [no ano passado].
Este último Pritzker expressa o novo interesse pela arquitetura latino-americana e o reconhecimento da qualidade da arquitetura brasileira contemporânea.

FOLHA - A participação de Niemeyer na vida política do Brasil é notória. De certa forma, ele representa a figura de um intelectual comprometido com seu tempo histórico, bastante comum até os anos 60 e 70. Em seu livro "Arquitetura e Crítica", o sr. defende, em vários momentos, a idéia de que o neoliberalismo dominou grande parte da arquitetura, sua prática e sua crítica. Niemeyer, assim, é um arquiteto e um intelectual raro atualmente?
MONTANER -
Ele responde à figura do arquiteto da época das vanguardas, comprometido com as mudanças sociais, ainda que seu compromisso tenha sido mais genérico, já que fez obras representativas, e não habitação social, como na Europa fizeram arquitetos de esquerda, como Ernst May, Hannes Meyer, Bruno Taut ou Mart Stam.
Mas, além da figura do arquiteto social, houve a figura do arquiteto liberal do pós-guerra europeu. E hoje é dominante a figura do arquiteto neoliberal, que, ao invés de tentar melhorar o mundo, o que faz é contribuir como servo à consolidação da globalização e da especulação. Por sorte, Niemeyer mantém seu espírito crítico e comprometido.


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