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DE NOVO VANGUARDA
Crucial para entender o pós-modernismo,
sua obra ainda permanece mal estudada no Brasil
MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL
N
iemeyer tem uma
obra ainda não estudada profundamente no Brasil, e
sua imagem se
confunde com a do "arquiteto
nacional", prejudicando o seu
entendimento.
A avaliação vem do espanhol
Josep Maria Montaner, 53, um
dos principais críticos de arquitetura do mundo, que esteve recentemente no país como
palestrante da 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de SP.
Professor da Escola de Arquitetura de Barcelona, onde
dirige o Laboratório de Residência do Século 21, ele lançou
no Brasil a edição em português de seu livro "Arquitetura e
Crítica" (ed. Gustavo Gili, R$
45, 160 págs.).
A seguir, Montaner, crítico
que lança mão de filosofia, artes plásticas, cinema e literatura para interpretar a arquitetura contemporânea, conversa
com a Folha sobre Niemeyer.
FOLHA - Niemeyer continua sendo
o arquiteto brasileiro mais conhecido no exterior? Ele é visto como datado ou, pelo contrário, simboliza o
melhor e mais famoso período da
arquitetura brasileira?
JOSEP MARIA MONTANER - Ser o arquiteto mais conhecido tem a
ver tanto com a qualidade da
sua obra quanto com o fato de o
Brasil tê-lo convertido em seu
arquiteto nacional.
Também é certo que sua figura é identificada com o período
mais famoso da arquitetura
brasileira, mas é simplista e
anacrônico reduzir a arquitetura brasileira a esse período.
Depois de Brasília, ela seguiu
com grande qualidade, senão a
obra de Lina Bo Bardi e Paulo
Mendes da Rocha, por exemplo, não poderia ser colocada
como de tanto interesse quanto
a de Niemeyer e Lucio Costa.
FOLHA - Ele sempre defendeu o
uso do monumental na arquitetura.
De certo modo, o pós-moderno, com
sua necessidade de espetacularização, também fez projetos, em uma
certa perspectiva, monumentais, de
marcas muito fortes. Isso não contribuiu para a revalorização de Niemeyer? Ou o conceito de monumentalidade de Niemeyer não tem nada a
ver com a obra pós-moderna?
MONTANER - É certo que a arquitetura de Niemeyer, muito
visual e midiática, espetacular e
monumental, tem muito a ver
com as idéias-chave da arquitetura pós-moderna. Para tanto,
o pós-moderno ajudou a manter a figura de Niemeyer como
chave. Sua obra se sintoniza
com a proposta icônica de Robert Venturi, Denise Scott
Brown e Rem Koolhaas.
FOLHA - Sempre defendeu o uso do
concreto armado, que pode fazer tudo em arquitetura, segundo ele. Diversos estudiosos vêm ao Brasil pesquisar as razões desse material ainda ser utilizado de forma tão intensa
no país. Em parte, Niemeyer não é
responsável por isso?
MONTANER - O uso maciço do
concreto armado no mundo e
no Brasil tem a ver com um período determinado da evolução
da tecnologia de construção,
dos anos 30 aos 60. A partir dos
70, a crise energética e os problemas ecológicos impuseram
a necessidade de alternativas a
tal material, pouco sustentável
e de capacidade de conservação
muito imprevisível.
FOLHA - Há uma leitura corrente
que coloca Niemeyer como "o poeta
das curvas", que remeteria à mulher
brasileira, às paisagens do Rio etc.
Não existe uma certa mitificação e
um certo culto por sua figura, por
seu estilo e por suas obras?
MONTANER - Todas as questões
têm várias facetas e respostas.
A ênfase da curva em Niemeyer
não é nada gratuita, é muito significativa, sendo uma chave para a evolução da arquitetura
moderna até atingir formas
mais orgânicas e expressivas.
As obras e as metáforas de
Niemeyer servem para legitimar essa evolução. O corpo da
mulher não foi uma referência
da arte e da arquitetura até
quando as vanguardas já estavam muito desenvolvidas, a
partir dos anos 30, com as
obras de Henry Moore, Jean
Arp, Henry Laurens, Isamu
Noguchi e Louise Bourgeois.
Para tanto, o aporte de Niemeyer é chave e oportuno.
Existe realmente tal mitificação sobre sua figura no Brasil,
razão por que ainda não há livros bons e críticos o suficiente
sobre ele. Continuam dominando os panegíricos sentimentais e nacionalistas.
FOLHA - A visibilidade de Niemeyer
foi prejudicada por ser da América
Latina? O fato de, com exceção da
ONU, um projeto em equipe, não
haver grandes obras dele nos EUA
também não foi prejudicial em sua
carreira? O Pritzker renovou sua popularidade no exterior?
MONTANER - Ser latino-americano não favoreceu sua visibilidade, sem dúvida. A mídia se liga aos grandes centros de difusão, comunicação e turismo.
O Pritzker renovou sua popularidade, mas ao ser compartilhado [com Gordon Bunshaft,
em 1988], não teve a transcendência e a significação que foi
dada há pouco ao Pritzker de
Paulo Mendes da Rocha [no
ano passado].
Este último Pritzker expressa o novo interesse pela arquitetura latino-americana e o reconhecimento da qualidade da
arquitetura brasileira contemporânea.
FOLHA - A participação de Niemeyer na vida política do Brasil é notória. De certa forma, ele representa a
figura de um intelectual comprometido com seu tempo histórico, bastante comum até os anos 60 e 70.
Em seu livro "Arquitetura e Crítica",
o sr. defende, em vários momentos,
a idéia de que o neoliberalismo dominou grande parte da arquitetura,
sua prática e sua crítica. Niemeyer,
assim, é um arquiteto e um intelectual raro atualmente?
MONTANER - Ele responde à figura do arquiteto da época das
vanguardas, comprometido
com as mudanças sociais, ainda
que seu compromisso tenha sido mais genérico, já que fez
obras representativas, e não
habitação social, como na Europa fizeram arquitetos de esquerda, como Ernst May, Hannes Meyer, Bruno Taut ou Mart
Stam.
Mas, além da figura do arquiteto social, houve a figura do arquiteto liberal do pós-guerra
europeu. E hoje é dominante a
figura do arquiteto neoliberal,
que, ao invés de tentar melhorar o mundo, o que faz é contribuir como servo à consolidação
da globalização e da especulação. Por sorte, Niemeyer mantém seu espírito crítico e comprometido.
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