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O editor das estrelas
Responsável pelo lançamento de Roland Barthes e Michel Houellebecq, Maurice Nadeau, 98, fala sobre o nº 1.000 da "Quinzaine Littéraire", que edita há 43 anos
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Maurice Nadeau
tem 98 anos e
escreve uma
coluna na
"Quinzaine Littéraire", o mais importante jornal literário francês, que criou
e edita há 43 anos. Sem anunciantes e sem mecenas, a
"Quinzaine" é feita por colaboradores famosos que trabalham de graça e repousa sobre a
reputação de Nadeau, um mito da edição e da crítica francesa.
Além do jornal, com sede em
frente ao Centro Georges Pompidou, ele dirige a editora Maurice Nadeau, na qual só publica
o que gosta. Sobrevivendo a todas as crises da imprensa, o número 1.000 da publicação saiu
no começo de outubro de 2009.
Ele trabalhou como crítico literário no jornal "Combat", em
que Albert Camus [1913-60]
era editorialista. Fundou revistas e dirigiu coleções em diversas editoras. Foi Nadeau quem
lançou o primeiro livro de Michel Houellebecq ["Extensão
do Domínio da Luta", em 1994]
quando nenhuma editora se interessava pelo autor. Foi ele
quem editou o primeiro livro
de Roland Barthes ["O Grau
Zero da Escrita", 1953] e quem
lançou na França Samuel Beckett, Malcolm Lowry e Henry Miller.
E tirou Sade da seção "Inferno" da Biblioteca Nacional da
França, ao publicar uma antologia dos textos do marquês.
Sua "História do Surrealismo" é uma referência no assunto, seu "Gustave Flaubert
-Un Écrivain" [Gustave Flaubert - Um Escritor] recebeu o
Prêmio da Crítica Literária em
1969, suas memórias "Grâces
Leur Soient Rendues" [Graças
Lhes Sejam Rendidas] tratam
de mais de meio século da vida literária francesa.
A seguir, a entrevista exclusiva que Nadeau concedeu à Folha na redação da "Quinzaine
Littéraire".
FOLHA - Em 1986, quando a "Quinzaine Littéraire" comemorou 20
anos, o sr. disse: "Uma coisa é certa,
não estarei na festa dos 40 anos da
Quinzaine". Em 2006, o sr. recebeu a
intelectualidade parisiense para a
festa dos 40 anos. Agora, o sr. comemora o número 1.000. O sr. venceu
muitas dificuldades, não?
MAURICE NADEAU - Muitas. Fazemos 23 números por ano há 43
anos. Nunca pude imaginar.
Neste especial, conto como
contratei Anne Sarraute, recomendada pela mãe, a escritora
Nathalie Sarraute.
Estávamos no número três e
eu não tinha mais dinheiro. Tinha feito empréstimos. Sua
mãe me disse: "Ela tem muito
boa vontade e vai ser útil a seu
jornal". Anne trabalhava no cinema e queria mudar de atividade. Tinha vivido uma história
sentimental e não estava bem.
FOLHA - Apesar da conjuntura, o
jornal chegou ao número 1.000...
NADEAU - Sim, significa muito
trabalho, muitas alegrias e muita preocupação. Financeiramente, não é nada fácil, pois
não há um grupo de imprensa,
não há um mecenas, o jornal
não tem publicidade.
Mas os articulistas, jornalistas, professores universitários,
críticos e escritores de fama internacional trabalham de graça. É o único jornal que tem colaboradores voluntários, fora
os jornais de partidos ou religiosos.
FOLHA - Mas eles fazem um jornal
que goza de um prestígio especial.
NADEAU - No número 1.000,
eles falam desse trabalho.
Em geral, estão satisfeitos
com o trabalho aqui. Tudo vai
bem, menos as finanças. Estamos sempre no limite. Quando
estamos estrangulados, faço
um apelo aos leitores e eles respondem. Os assinantes e os leitores são sempre generosos.
FOLHA - Fazem doações?
NADEAU - Sempre. Há dois
anos, recebemos 38 mil em
doações para pagar dívidas do
jornal. Em 1975, fizemos uma
exposição para a "Quinzaine":
Miró enviou um quadro de
Barcelona, Michaux e Beckett
doaram manuscritos.
Isso nos permite continuar
fazendo o jornal.
FOLHA - A "Quinzaine Littéraire" se
inspirou no "Times Literary Supplement" e no "New York Review of
Books". Mas ela não tem publicidade e vive das vendas em bancas e de
assinaturas. Recebem alguma subvenção do Estado para a cultura?
NADEAU - Recebemos uma subvenção do Centro Nacional das
Letras. Essa subvenção paga
um número dos 23 que fazemos por ano. No mês de férias,
fazemos apenas um.
FOLHA - Não ter publicidade é uma
escolha do jornal ?
NADEAU - Não, gostaríamos de
ter, mas queríamos escolher. A
publicidade é sempre uma
mentira. Se os pequenos editores quisessem, poderíamos facilitar. Mas não nos procuram.
Quanto aos grandes, a "Quinzaine" não lhes interessa por
causa da tiragem, não se compara à do "Le Monde" ou à das
revistas. Preferem anunciar no
"Le Monde", claro, mas também pagam muito mais... No
número 1.000, tivemos quatro
ou cinco anunciantes.
FOLHA - Qual é a tiragem da "Quinzaine"?
NADEAU - Temos cerca de
5.000 assinantes e, em bancas,
vendemos 10 mil exemplares.
FOLHA - Essa tiragem é constante
desde a fundação ou já foi maior?
NADEAU - Há uma erosão lenta,
como na imprensa em geral. Tive colaboradores que hoje estão na internet. Tenho propostas de me associar à internet.
É curioso, eles têm necessidade do jornal impresso, de
qualquer forma.
FOLHA - No futuro, a imprensa vai se modificar ou vai desaparecer?
NADEAU - Acho que não vai desaparecer. É estranho ver que o
ex-diretor do "Le Monde" fundou um jornal na internet,
"Médiapart", que agora quer criar uma versão em papel.
Penso que se descobre que o impresso é mais prático de ler do que uma tela de computador. A primeira experiência do e-book foi um fracasso. Tentam agora algo diferente.
Antes de vir para a redação hoje, recebi uma proposta de um jornalista que tem um programa de rádio e um site e que me propôs uma associação com a "Quinzaine", para tratar de livros seriamente. FOLHA - Como ele quer se associar à "Quinzaine"?
NADEAU - Ainda não sei. Acabamos de conversar.
FOLHA - Um leitor que mora fora
da França não pode ler o jornal na web?
NADEAU - Não. Podemos vir a
fazer. Pode ser uma coisa boa.
FOLHA - O sr. criou a "Quinzaine"
há 43 anos. O que mudou no mundo
literário e no mundo da edição?
NADEAU - No da edição é evidente: no mundo inteiro as pequenas editoras desaparecem,
compradas pelos grandes grupos. Ainda existem as pequenas
porque é menos caro fazer um
livro hoje, com a informática.
Mas elas nascem, duram um
ano ou dois e desaparecem.
FOLHA - O sr. acha que os franceses
leem menos que antes?
NADEAU - Não sei. Os jovens
leem menos. No liceu, têm o celular, o computador. Uma pessoa me contou de alguém que
fazia uma tese sobre Montaigne [1533-92] e que leu um dos
"Ensaios", entre os 12. Não tinha lido os outros.
Mas tenho uma amiga que
tem uma livraria que me diz
que os jovens compram livros.
Há ainda os que leem, mas há os
que ficam grudados nos jogos
eletrônicos. Estes estão perdidos para a literatura e os livros.
FOLHA - Como são escolhidos os livros a serem resenhados?
NADEAU - Recebemos os "press
releases". Pedimos os que queremos receber. Eles são expostos numa mesa grande.
Toda semana, me reúno com
um dos dois grupos de resenhadores: o primeiro inclui historiador, psicanalista, filósofo,
crítico de arte.
Na semana seguinte, é o grupo que escreve sobre literatura,
ensaios literários, poesia, correspondência. Duas vezes por
ano, esses dois comitês de redação se encontram para se conhecerem melhor.
FOLHA - É o sr. quem escolhe os livros que serão analisados?
NADEAU - Sim, mas cada responsável por uma seção dá sua
opinião, diz o que pensa, se vale
a pena resenhar. Não pergunto
sobre as ideias políticas deles,
se são judeus, católicos ou protestantes. São pessoas que se
encontram aqui, e o jornal é o
ponto em comum. Eles são voluntários, como na guerra.
FOLHA - Um jornal revelou que o sr.
copiou à mão os livros de Sade, que
ficavam bem protegidos no "Inferno" da Biblioteca Nacional da França, para publicá-los logo em seguida. O sr. pode contar essa aventura?
NADEAU - Foi em 1948. Queria
fazer uma antologia e escolhi
[os textos] nas obras de Sade da
BNF, totalmente proibidas.
Quando publiquei, a antologia foi retirada das livrarias na
França. A Suíça nem sequer
quis receber. E olhe que eu tinha escolhido o que era mais filosófico e menos escandaloso
na obra de Sade. Depois disso,
Sade se tornou um autor lido e
conhecido.
FOLHA - O sr. trabalha muito. Como é o seu dia entre a "Quinzaine" e
as edições Maurice Nadeau?
NADEAU - Trabalho muito, é o
que digo a mim mesmo diariamente. De manhã, trabalho para mim, leio e escrevo. À tarde,
venho à redação do jornal, onde
também fica a editora. Aqui é
tudo urgente.
FOLHA - O sr. disse numa entrevista: "Para mim, ler, editar, escrever
sobre os livros são o mesmo prazer e
o mesmo dever. Não sou um crítico,
sou um leitor". Quais são seus outros prazeres?
NADEAU - Cultivei esses prazeres quando era mais jovem. À
noite, assisto na televisão aos
programas literários. Só vou ao
cinema ver os filmes de amigos
que trabalham em cinema.
FOLHA - E os passeios a pé?
NADEAU - Sim, tento viver sem
ter necessidade de uma cadeira
de rodas. Vou andar no Jardim
de Luxemburgo. Aos domingos,
caminho 45 minutos.
FOLHA - Que autores o sr. gosta de
reler?
NADEAU - Tenho alguns desejos
que nem sempre posso satisfazer. Releio Montaigne. Sade conheço bem demais, não preciso
reler. Releio Flaubert. Cada releitura é diferente. Mas sou
obrigado a ler os artigos para
publicar na "Quinzaine".
Minhas releituras são na casa
de campo, durante as férias de
verão. Li Tácito neste ano. Tenho uma biblioteca enorme no
campo. Durante um mês de férias, mergulho em outras leituras. E caminho também.
FOLHA - O sr. foi comunista e depois trotskista. Qual é o lugar da política em sua vida?
NADEAU - Não posso mais dizer
que sou trotskista. Isso é um
modo de vida. Era a militância,
distribuir jornais. Não faço
mais isso. Não tenho mais o direito de dizer que sou trotskista. Mas fiquei fiel aos fundamentos, Engels e Marx, que releio. Mas sei que era o século 19,
o começo da era industrial.
Sei que tudo isso acabou, é o
econômico que prevalece sobre
o político hoje. Vejo a supremacia das finanças sobre tudo o
mais. Estamos agora em plena
crise financeira.
FOLHA - O sr. acha que Marx está
superado?
NADEAU - Ao mesmo tempo,
vemos que tudo é como ele havia dito. Isso é verdade, mas é
preciso adaptá-lo a um mundo
que mudou.
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