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Tentativa de atentado terrorista em voo entre Amsterdã e Detroit, no Natal, faz ressurgir nos EUA
tese do "choque de civilizações"
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
A tentativa de atentado terrorista no Natal, no voo da
Northwest Airlines
entre Amsterdã e
Detroit, foi seguida de outro
desastre que expôs a grande
vulnerabilidade do sistema de contraespionagem americano.
Cinco dias depois do Natal,
agentes secretos do primeiro
escalão da guerra contra a Al
Qaeda foram mortos num
atentado suicida na base de
Khost, no Afeganistão.
No caso do voo da Northwest, ficou provado, como reconheceu publicamente o presidente Obama, que o controle
de suspeitos na validação de
vistos, venda de passagens e
embarque de passageiros para os EUA não funcionou.
Apesar de ter sido denunciado por seu pai a diplomatas
americanos na Nigéria, Umar
Farouk Abdulmutallab pôde
viajar sem embaraços para Detroit. A custosa parafernália de
bancos de dados e de equipamentos de segurança instalada
nos consulados americanos e
nos aeroportos desde o ataque
ao World Trade Center precisará ser modernizada.
Agente triplo
Menos espetacular do que o
incidente no voo de Detroit, o
atentado de Khost revelou que
a elite da contraespionagem
americana se deixara engrupir
por um jordaniano da Al Qaeda,
Humam Khalil Abu Mulal Al
Balawi, pretenso alcaguete a serviço dos americanos.
"Agente triplo" suicida, na
expressão do jornal londrino
"The Times", Al Balawi explodiu junto com quatro agentes
da CIA -duas mulheres e dois
homens-, assim como três
agentes da mal-afamada firma
de mercenários Blackwater, atualmente denominada Xe.
Na circunstância, a perda
americana consistiu na destruição de considerável capital intelectual.
De fato, os agentes assassinados da CIA pertenciam ao primeiro time de especialistas sobre o terrorismo islâmico. Uma
das mulheres, cujo nome é
mantido em segredo pela imprensa americana, era considerada a maior conhecedora ocidental das redes da Al Qaeda.
Guardando quase tudo na
memória, avessos ao trabalho
burocrático de redação de relatórios e de fichamento, tais
agentes levaram para o túmulo
todo um conhecimento prático
que levará anos para ser reconstituído pela CIA.
Postos lado a lado, os dois
dramas mostram que a segurança americana falhou nas
duas pontas: na infiltração das
redes terroristas externas e na
defesa da segurança interna do país.
A dimensão dos reveses obrigou Obama a voltar mais uma
vez à televisão para assumir sua
responsabilidade e anunciar
novas medidas que intensificam a segurança interna e externa americanas. "Estamos em guerra!", declarou.
Não se trata de simples retórica. Ao lado do envio de mais
30 mil soldados para a guerra
aberta no Afeganistão, a CIA
intensifica os bombardeios na
guerra oculta que seus "drones" (aviões teleguiados) fazem
aos redutos da Al Qaeda no Afeganistão, no Paquistão e, talvez, no Iêmen.
Os documentos oficiais liberados pela Casa Branca nesta
semana e o memorando anexo
assinado pelo presidente Obama não mencionam o atentado
de Khost, mas sublinham as carências da segurança interna e
externa que facilitaram a ação
do nigeriano Abdulmutallab.
De imediato, os passageiros
dos voos internacionais para os
EUA já sofrem as consequências do arrocho das medidas de
segurança nos aeroportos.
Atrasos de voos, perdas de
correspondência nos percursos
domésticos americanos, desconforto e mal-estar para os velhos, as crianças e as pessoas
com problemas de locomoção.
Segregação
Aparecem com nitidez os limites da segregação organizada
pela clivagem social: tanto na
primeira classe como na turística, as viagens aéreas internacionais estão se tornando um estropício.
Obama assumiu seu mandato decidido a virar a página das
tensões e das arbitrariedades
praticadas pelo governo George W. Bush após o 11 de Setembro. Os acontecimentos das últimas semanas trouxeram de
volta a sinistrose que reinava nos EUA naquela época.
Na TV, comentaristas mais
exaltados criticam os discursos
de apreço aos muçulmanos que
o presidente americano fez, no
ano passado, em Ancara e no
Cairo. De novo, aparecem as teses do "choque de civilizações",
do antagonismo frontal entre o
Ocidente e o islã. Como será o
governo Obama no pós-25 de
dezembro?
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO é historiador,
professor na Universidade de Paris 4 e autor de
"O Trato dos Viventes" (Cia. das Letras). Escreveu este texto quando participava da reunião da
American Historical Association, em San Diego,
após uma viagem atribulada entre Paris e Califórnia e às vésperas da viagem de retorno.
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