São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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Ponto de Fuga

As pérolas do inferno

Anthony Steffen e Clint Eastwood são parecidos: mesmo tipo físico magro e alto, um pouco anguloso; mas Eastwood possui algo de espectral, e Steffen é mais físico

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Há um certo tipo de filme que desperta paixões em admiradores fervorosos. Não é simples definir.
Como boa parte foi rodada na Europa, há uma expressão consagrada, mas restritiva e genérica: eurotrash, ou seja, lixo europeu. A noção de lixo, de fato, corresponde a algumas características: filmes de baixo orçamento, sem pretensões autorais, destinados a um público popular. Os "westerns spaghetti" (porque de origem italiana), os "gialli" (policiais também italianos), o terror, as fantasias eróticas, os épicos passados na Antigüidade greco-romana, em que os heróis eram Maciste ou Hércules.
Tiveram seu apogeu nos anos 1960 e 1970. Quando eram lançados nos Estados Unidos, muitos atores e diretores italianos ou espanhóis substituíram seus nomes para enganar o público local, para fazer crer que se tratava de produções americanas. Eram lançados e relançados, como novos, com títulos diferentes.
Esse monturo foi bom adubo: o talento, por vezes o gênio de certos diretores aparecem hoje com grande evidência.
Sergio Leone triunfou: irrompeu com um estilo poderoso, renovando o gênero do western. Inventou Clint Eastwood, que, sem ele, não seria o mesmo hoje.
Outros tiveram carreiras mais discretas: Bava, Fulci, Argento, Freda, Jesus Franco, Tinto Brass. Aos poucos, tornam-se mais e mais reconhecidos. Algumas de suas obras foram reconstituídas com cuidado. Trata-se de verdadeira busca arqueológica. Velhas cópias cheias de lacunas, dubladas em línguas diversas, fornecem fragmentos para a restauração possível.

A.K.A.
Daniel Camargo, Fábio Vellozo e Rodrigo Pereira são cinéfilos apaixonados que sabem ver essas jóias com aparência de lixo. Lançaram um livro curioso e importante. Nele, retraçam a vida e a carreira de um ator ítalo-brasileiro, estrela dessa cinematografia.
O pai desse artista, playboy, corredor automobilista, pertencia à família do barão de Teffé, cuja saga é, ela própria, mirabolante e extraordinária.
Teve um filho natural nascido no palácio Doria Pamphili, um esplendor que é a embaixada brasileira na Itália. O menino chamou-se Antonio Luiz de Teffé. Depois, mudou Antonio para Anthony e acrescentou um esse e um ene ao sobrenome. Virou Anthony Steffen.
Nasceu no mesmo ano em que Eastwood, 1930. Morreu no Rio de Janeiro, em 2004.
O livro, publicado pela editora Matrix, tem o título "Anthony Steffen - A Saga do Brasileiro Que Se Tornou Astro do Bangue-Bangue à Italiana".

Espelho
Anthony Steffen e Clint Eastwood são parecidos. Mesmo tipo físico magro e alto, um pouco anguloso. Mas Eastwood possui algo de espectral, de imaterial, e Steffen é mais físico, mais "encarnado", de grandes olhos tristes. O filme "Django, o Bastardo", dirigido por Sergio Garrone (com roteiro do próprio Steffen, 1969, DVD New Line) é evidente precursor de "Um Estranho sem Nome", primeira obra-prima de Eastwood como diretor (1972, DVD Universal).

Lorde
Steffen impõe imediatamente uma autoridade aristocrática e melancólica. É miraculoso ver como sua presença basta para criar uma atmosfera de dignidade no hiper-trash "Escape from Hell" (Fuga do Inferno, 1980, DVD Troma), que se passa numa prisão tirânica, situada nos trópicos, pretexto para mostrar a nudez de mulheres exuberantes, bonitas como aquelas dos stripteases no finado Teatro de Alumínio, da praça da Bandeira, em São Paulo. Se é que essa alusão diz ainda alguma coisa para alguém.


jorgecoli@uol.com.br


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