São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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Biblioteca básica

Lojas de Canela

FELIPE HIRSCH
ESPECIAL PARA A FOLHA

Poderia ser a "Enciclopédia dos Mortos", de Danilo Kis. Poderia ser o violentíssimo "Fome" de Knut Hamsun. Bem poderia ser "Pornografia", de Gombrowicz, ou mesmo uma edição rara de "Passages", de Ann Quin, conquistada com muito suor das mãos da editora em Putney, Londres. É claro que poderia ser a tradução-gonzo de Paulo Leminski para "Pergunte ao Pó", de Fante, porque durante toda a minha adolescência foi. Ou seriam os inesquecíveis "Quatro Quartetos", de T.S. Eliot, chave da porta para o roseiral de Alice. Por pouco não foi "O Terceiro Tira", do meu adorado bêbado Flann O'Brien. Bem, com todas essas opções, mais 33 anos e ainda com falhas graves esperando para serem lidas na biblioteca, como "Infinite Jest", de David Foster Wallace, escolhi uma das duas obras-primas de Bruno Schulz: "Sklepy Cynamonowe" -ou "Lojas de Canela".
O livro é de 1934 e é uma das obras de arte mais lindas que o homem já criou com palavras. Bruno Schulz resistiu como pôde à invasão nazista na Polônia: desenhava para um oficial da Gestapo. Morreu como um rato abatido a tiros porque um dia fugiu do setor reservado aos judeus da cidade. A memória é a ferramenta de Schulz em seus livros. Ele eleva a condição cotidiana de sua vida a uma experiência mítica de percepções extra-sensoriais. Dedica longos capítulos ao pai, com palavras capazes de fazer crescerem árvores de outono no meio do quarto, quando se está lendo. Schulz sempre foi adorado pelos escritores de língua eslava no mundo. Mas alcançou, com a benção do tempo, o coração do Ocidente.


Felipe Hirsch é diretor de teatro, dramaturgo e produtor.

A obra
"Lojas de Canela", de Bruno Schulz. Tradução de Henryk Siewierski, 180 págs., R$ 33. Editora Imago (tel. 0/ xx/21/ 2242-0627).


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