São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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RISCO DEMOCRÁTICO

10 de abril de 2009
Caro Steven,

Concordo que um novo modelo de noticiário e controvérsia pública está emergindo on-line e que sob alguns aspectos, especialmente a gama de opiniões que abrange, o ambiente on-line apresenta vantagens em relação ao mundo tradicional do jornalismo impresso.
Mas a realidade é que os recursos para fazer jornalismo nos EUA, especialmente nos níveis metropolitano e regional, estão desaparecendo mais rapidamente do que as novas mídias conseguem gerá-los.
Você emprega a metáfora de um "ecossistema", e é um conceito reconfortante: à medida que morrem as formas de vida velhas, nascem outras novas.
Mas você está tomando algumas árvores por uma floresta.
Além disso, a própria metáfora orgânica induz ao engano. As mídias não se desenvolvem naturalmente. Elas se desenvolvem historicamente, e as forças que regem seu desenvolvimento são sobretudo políticas e econômicas.
A maioria das sociedades, mesmo aquelas que têm uma imprensa nacional livre, não possui a abundância de mídia metropolitana que historicamente caracteriza os EUA.
A imprensa no Reino Unido e na França, por exemplo, é muito mais concentrada no nível nacional.
Mas nos EUA, da fundação da República ao século 19, a política governamental subsidiou a ascensão de jornais locais.
Esses jornais, por sua vez, exerceram papel econômico importante como intermediários entre vendedores (anunciantes) e compradores. A partir desses lucros, os jornais puderam subsidiar a produção de notícias como bem público.
As pesquisas em ciências sociais mostram que, onde a mídia noticiosa é fraca, a corrupção está muito mais presente.
Sem uma imprensa independente capaz de cobrar responsabilidade dos governos locais e estaduais, o projeto básico de uma democracia federal fica comprometido.
A internet está enfraquecendo a capacidade da imprensa de subsidiar a produção de jornalismo de serviço público, e isso por uma razão, sobretudo.
Os jornais diários metropolitanos já não ocupam a posição estratégica de intermediários entre compradores e vendedores que ocupavam no passado.
Pois há maneiras alternativas, on-line, para os vendedores chegarem a seus mercados e para os consumidores encontrarem informações sobre produtos e vendas.

Nichos
A competição crescente para chamar a atenção dos leitores no ciberespaço também enfraquece a capacidade de a mídia noticiosa cobrar por seus conteúdos. A recessão atual e a administração insensata vêm agravando esses problemas.
Jornais na Europa e em outras regiões enfrentam as mesmas transformações estruturais graves.
Nos EUA, a cobertura jornalística dos governos estaduais vem caindo de maneira nítida.
Em meu próprio Estado, Nova Jersey, antigamente havia 50 repórteres que cobriam a política em tempo integral. Hoje. esse número caiu para 15. Muitas notícias nem sequer chegam a ser cobertas.
Contrariamente ao seu relato, o recuo dos jornais não vem sendo compensado por uma tendência de veículos on-line preencherem a brecha criada.
Existem na realidade três problemas separados aqui: 1) a produção de notícias feita com profissionalismo; 2) a produção de um público engajado; e 3) a produção de responsabilidade política efetiva.
Embora seja inquestionável que a internet oferece uma diversidade de opinião e acesso a novas fontes, ela não vem conservando o jornalismo profissional generalista em seus níveis anteriores.
Estão sendo servidos alguns públicos de nicho. No nível nacional, ao mesmo tempo em que o número de jornalistas da mídia generalista profissional vem diminuindo, muitos jornalistas têm encontrado trabalho em publicações de preço elevado que atendem a setores econômicos específicos.

Esportes e cruzadas
A filantropia poderá subsidiar a reportagem investigativa e remediar esse problema em parte. Mas o segundo problema -a criação de um público engajado- é ainda mais difícil.
Os jornais -antes lidos por metade das pessoas de uma cidade- ajudavam a criar um público urbano consciente.
Aqueles que compram um jornal podem interessar-se só por esportes ou palavras cruzadas, mas, mesmo assim, olharão a primeira página pelo menos de relance, com isso tomando conhecimento de algo sobre sua cidade e o mundo.
On-line, quem se interessa por esportes ou palavras cruzadas vai diretamente aos sites que os oferecem, evitando ser exposto a notícias e polêmicas sobre sua comunidade.
O que está em jogo aqui é o desenvolvimento maior de uma sociedade de informação estratificada. Isso guarda relação com o terceiro problema: a criação da responsabilidade política efetiva.
A capacidade da mídia noticiosa de servir como freio ao governo não depende só das leis que protegem a liberdade de expressão, mas também do poder econômico da imprensa.
Interesses poderosos podem intimidar organizações que sejam financeiramente fracas.
Seria insensato prever se a web será ou não capaz de sustentar o tipo de jornalismo para o público geral que os jornais têm produzido, historicamente. Mas seria ainda mais insensato ignorar as evidências do que está acontecendo hoje e confiar numa visão feliz de progresso inexorável proporcionada pela internet.
O perigo dessa indiferença alegre às realidades desagradáveis é que ela pode nos induzir à inação. Tanto a política governamental quanto a filantropia precisam ser incentivadas a apoiar o jornalismo independente de maneiras novas.
Paul Starr


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