São Paulo, domingo, 10 de julho de 2005

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'A tristeza é minha'

DA REDAÇÃO

O fotógrafo norte-americano Alec Soth participou no ano passado das bienais de São Paulo e de arte americana no Museu Whitney, em Nova York.
Ao lado da série de fotos "Sleeping by the Mississippi" (Dormindo à beira do Mississippi), os curadores do Whitney apresentavam um breve comentário de Soth que parecia relacionar a tristeza e a solidão dos retratos à idéia de liberdade nos Estados Unidos:
"Quem quer que tenha lido [Mark] Twain sabe o espírito da coisa: largo, profundo, desajeitado e poluído, o Mississippi fala de uma certa compreensão norte-americana da liberdade".
As quatro fotos de Soth que aparecem neste caderno fazem parte daquele trabalho, em que o fotógrafo registra personagens solitários, habitantes da mesma região dos EUA que inspirou Faulkner, em ambientes muitas vezes empobrecidos, paisagens poluídas e nubladas.
Na breve entrevista a seguir, ele afirma que a melancolia das imagens diz menos dos retratados do que dele mesmo. E relaciona seu trabalho com a ânsia "geográfica" por liberdade dos norte-americanos. (RAFAEL CARIELLO)

 

Folha - Qual é essa "compreensão" especificamente norte-americana da liberdade?
Alec Soth -
Não sou um acadêmico, portanto desculpe, por favor, as minhas generalizações. Creio que os EUA inspiram uma espécie de ânsia por liberdade que é muitas vezes geográfica. Dado que os Estados Unidos são tão amplos (e as fronteiras estaduais são, no limite, sem significado), e por causa de sua história relativamente recente de marcha para o oeste, seu "destino manifesto", esse desejo de mobilidade, de vaguear e cruzar parecem compor boa parte da idéia de liberdade nos EUA.
E isso está presente tanto nas altas quanto nas baixas formas de manifestação da cultura americana: [Walt] Whitman e Twain, [Jack] Kerouac e Robert Frank, os filmes de faroeste, os "road movies" etc.

Folha - É possível relacionarmos diretamente essa "liberdade" com as características que você aponta: ampla, desajeitada, poluída?
Soth -
À maneira do "destino manifesto", nosso desejo apaixonado por vagar (e possuir) tende a ser descuidado -tende a simplesmente passar por cima de tudo no seu caminho.

Folha - Essa "forma de compreensão" da liberdade é também, de alguma maneira, triste? Há solidão e tristeza em suas fotos. Isso diz algo dos norte-americanos?
Soth -
Não diria que elas falam algo dos norte-americanos em geral. Creio que a tristeza e a solidão vêm de mim mesmo.

Folha - O sr. menciona Mark Twain. O quê, no seu trabalho, se relaciona com suas fotos? O que acha de Faulkner?
Soth -
É impossível trabalhar ao longo do rio Mississippi e não se referir a Twain. Quanto a reconhecer a beleza e a hipocrisia do modo norte-americano de compreender a liberdade, ele é insuperável. Faulkner era também um gênio, é claro. Mas não o vejo exercer a mesma influência.


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