São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Leia trecho de "As Estrelas Descem à Terra", ataque de Theodor Adorno às colunas astrológicas

THEODOR ADORNO

A única diferença substancial que os astrólogos mais sofisticados podem apontar entre eles mesmos e a tribo das bolas de cristal é sua aversão a profecias desqualificadas -uma atitude presumivelmente devida à cautela.
Os astrólogos reiteram continuamente que não são deterministas e se encaixam no padrão da cultura de massa moderna que protesta tanto mais fanaticamente em nome dos princípios do individualismo e do livre-arbítrio quanto mais a verdadeira liberdade de ação desaparece.
A astrologia tenta se afastar de um fatalismo não-refinado e impopular, estabelecendo forças externas que operam na decisão do indivíduo, incluindo seu próprio caráter, deixando a escolha fundamental em suas mãos.
Isso tem significativas implicações sociopsicológicas. A astrologia encoraja as pessoas a tomarem decisões constantemente, independentemente do quão inconseqüentes elas possam ser. Ela se direciona à ação prática, a despeito de todo o elevado falatório a respeito de segredos cósmicos e meditação.
Assim, o próprio gesto da astrologia, sua pressuposição básica de que todos têm de tomar decisões a todo momento, alinha-se com aquilo que, posteriormente, aparecerá associado ao conteúdo específico do aconselhamento astrológico: sua inclinação à extroversão.

Clima de semi-erudição
Além do mais, a idéia de que a liberdade do indivíduo resulta em agir da melhor maneira possível, com base no que uma determinada constelação permite, implica a idéia de ajustamento, com a qual a astrologia está alinhada. [...].
De acordo com esse conceito, a liberdade consiste em que o indivíduo tome voluntariamente como seu aquilo que, de qualquer maneira, é inevitável. Desse modo, a casca vazia da liberdade é zelosamente preservada. Se o indivíduo age de acordo com dada conjuntura, tudo dará certo; se não, tudo dará errado.
Algumas vezes, afirma-se com toda a franqueza que o indivíduo deveria ajustar-se a determinadas constelações.
Talvez se pudesse dizer que, na astrologia, há uma metafísica implícita de ajustamento por trás do conselho concreto de ajustamento na vida cotidiana. [...]
Pode-se reiterar que o clima cultural de semi-erudição oferece um solo fértil para a astrologia porque, aqui, a ingenuidade primária, a aceitação irrefletida do existente, foi perdida, enquanto, ao mesmo tempo, nem o poder do pensamento nem o conhecimento positivo foram suficientemente desenvolvidos.
O semi-erudito tem uma vontade vaga de entender e também é levado pelo desejo narcísico de se mostrar superior às pessoas simples, mas não está em uma posição tal que lhe permita empreender operações intelectuais complicadas e distanciadas.

Minoria que está "por dentro"
Para ele, a astrologia, assim como outras crenças irracionais, como o racismo, oferece um atalho, reduzindo o que é complexo a uma fórmula prática e oferecendo, simultaneamente, uma agradável gratificação: o indivíduo que se sente excluído dos privilégios educacionais pode, ainda assim, pertencer a uma minoria que está "por dentro".


Este texto paz parte do livro "As Estrelas Descem à Terra - A Coluna de Astrologia do "Los Angeles Times'" (196 págs., R$ 32), que será lançado pela editora Unesp na próxima quinta. Tradução de PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA.


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