São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MILLÔR

O MERITÍSSIMO NICO LALAU: TAÍ UM HOMEM QUE REALMENTE NÃO GOSTA DE APARECER

1. Jesus foi crucificado entre o bom e o mau ladrão. Havia. 50% de bons ladrões naquele tempo. Não é admirável?

2. Um político corrupto e um gambá seriam até suportáveis se não fosse o cheiro.

3. O sujeito que planeja a diversão está cortejando o saco.

4. Fidel, a vitória do carisma sobre a incompetência administrativa -se administrasse um botequim já teria falido há 41 anos- declarando (repetindo e repetindo e repetindo) em alto e bom som, e o pessoal do felácio ideológico repetindo, e repetindo e repetindo, que a relação média aluno-professor em Cuba é a melhor do mundo.
VEJAMOS:
Falando só do curso básico, entre 6 e 11 anos. Cuba tem 1 professor pra cada 11,9 alunos. Só que Fidel, e o pessoal do felácio, esquece de dizer que Cuba tem, no básico, apenas 1.074.153 alunos. Qualquer meia dúzia de professores melhora o índice de eficiência educacional da ilha. E Fidel já teve 41 anos para realizar essa imponente tarefa.
Mas, índice por índice, a Armênia tem 1 professor pra cada 11 alunos, o Azerbaijão 1 pra 9,5, o Cazaquistão tem 1 pra 11,7, a Coréia do Norte tem 1 pra 11,1, a Martinica tem 1 pra 10,3, o Qatar tem 1 pra 8,9. E San Marino tem 1 pra 5,2!! Bem, não vamos tripudiar -San Marino tem uma população de 24.076 habitantes e 1.358 alunos.
Em matéria de educação tiro meu chapéu retórico pra China, com 1 professor pra 22,8 alunos no curso básico. Só com pequeno detalhe, que talvez a "outra" esquerda -a de Cuba- ache irrelevante: a China tem um total de 207.796.100 (duzentos e sete milhões, setecentos e noventa e seis mil e cem) alunos.
E quaisquer que sejam as violências, passadas e presentes, com relação à "democracia", e "respeitos humanos", dar uma cumbuca de arroz a 1.236.260.000 (um bilhão, duzentos e trinta e seis milhões, duzentos e sessenta mil) bocas não é coisa pra nenhum Fidel Castro, um socialista amador.
Mas, sem querer fazer a "desconstrução" do sucesso caribenho, vamos à comparação mais pertinente. Com Taiwan. Pois ambos os países são ilhas. Só que a de Fidel tem o triplo (110.000 kmē) do tamanho de Taiwan (36.000 kmē) e a metade da população (11 milhões e 21 milhões, respectivamente).
Politicamente Fidel vive do embargo -uma burrice americana, entre tantas-, embora tivesse recebido aproximadamente 4 bilhões de dólares anuais (o que equivaleria ao Brasil receber 224 bilhões), enquanto servia a Moscou. E os Estados Unidos, depois do ridículo da baía dos Porcos, já lá vão 40 anos, pode tentar tudo contra Castro, menos invadir a ilha.
Com Taiwan o buraco é mais em baixo. Tremendo poderio militar (embora Taiwan também não seja brincadeira), a China, de vez em quando, faz, no estreito dos Pescadores (nome português do espaço entre a ilha e o continente), uma passeata reivindicativa com barcos de guerra atirando: A ILHA É NOSSA!
E, voltando à educação: Cuba tem 95,7% de pessoas alfabetizadas. Taiwan tem 94,8%. China está bem atrás, coitada, com apenas 81,9% de alfabetizados. Um total de apenas 982 milhões de cápitas.
Quanto ao PIB (produto interno bruto), bem, o de Cuba é de 13 bilhões de dólares. O PIB de Taiwan é de 297 bilhões e 953 milhões de dólares. Mais de ž do PIB da China. Pouco menos da metade do PIB do Brasil US$ 784,044,000,000 (1997).
Pelo amor de Deus, não brinquem com números!

5. Mudando de assunto e ficando no mesmo: dizem que Fidel Castro chama Brizola de El Ratón. Curiosamente, ambos importantes líderes do mesmo sistema de interesses, nunca se encontraram. Uma coisa terá a ver com a outra?

6. O horário eleitoral é a forma mais democrática de liberdade de expressão. Mas todos os candidatos o usam para mostrar absoluta incapacidade de se exprimir.

7. Pequeno trecho da peça "Os Órfãos de Jânio." Volta e meia voltamos ao passado pra ressuscitar pequenas carapuças. Quem quiser que as vista.
Fala Carlos, branco, 55 anos, jornalista - prisioneiro de uma profissão excessivamente vulnerável.
(Dá profunda baforada no cigarro, amassa o cigarro no cinzeiro. Bebe uma boa golada de uísque) Eu não fumo nem bebo. (Pausa) E nunca minto. Todos me consideram o paladino da verdade. Eu sou o ladino da verdade. Nunca, em toda a minha vida de dono de jornal, passei um cheque com fundos. Meu jornal já foi fechado e arrebentado pela direita, pela esquerda, por um ministro mais corrupto do que o combinado, e, naturalmente, por credores, cansados de colaborar com a minha indômita resistência cívica. Em 61 eu tinha trinta anos. Vinte anos depois estou com 60. Trinta por cento de correção mon-etária pelas paradas que topei. "Hay gobierno? Soy contra. No hay gobierno? Soy contra también." Mas em armas eu não peguei não. Nem sei onde é que fica o gatilho de um revólver. Meu negócio é acabar com as forças armadas. Vou apoiar outra força armada? Mas na hora do pega pra capá, garotos, eu não dei no pé não. Tão lembrados? Estão nada. Ninguém lembra porra nenhuma. Eu sou daqueles que não foram embora. Bom, não estou criticando os que se mandaram. Medo é medo - quem tem orifício anal sabe disso. (Longa pausa) Mas teve gente que se mandou muito cedo.
(Adivinhem de quem o autor estava falando quando escreveu a peça)

A ESPERANÇA NÃO TEM VOLTA E SEU CAMINHO NÃO TEM FIM


Site do Millôr: www.uol.com.br/millor


Texto Anterior: José Simão: Elvira do Ipiranga! Feriadão da Pátria Armada!
Próximo Texto: + ciência: O cérebro de Einstein
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.