São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2000

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+ ciência
"Conduzindo Sr. Albert", livro lançado nos EUA há um mês, conta a história do cérebro de Albert Einstein, furtado por um patologista durante a autópsia do físico e guardado em um pote de biscoitos por 40 anos
O cérebro de Einstein

Associated Press - 08.ago.00
Fotografias tiradas em 1955 mostram o cérebro do físico alemão, já sem as meninges, visto em vários ângulos


Sérgio Dávila
de Nova York

No dia 18 de abril de 1955, Thomas Stoltz Harvey era o patologista de plantão do Hospital de Trenton, em Nova Jersey. Sua mais importante missão naquela noite foi realizar a autópsia de praxe no corpo do físico Albert Einstein, que acabara de morrer.
Nem ele sabe explicar o motivo, mas terminada a operação Harvey decidiu extrair o cérebro de Einstein e levá-lo para casa. Lá, colocou o troféu num vaso com formol e o guardou em um armário, ao lado de latas de cerveja e potes, onde ficou nos 40 anos seguintes.
Desde então, descoberta sua pequena iniciativa, o patologista foi demitido do hospital, ganhou o ódio dos herdeiros do pai da teoria da relatividade e viu sua carreira e sua vida decaírem. Teve três casamentos fracassados, tentou várias outras profissões, até se aposentar como cortador de plástico numa fábrica nos anos 80.
Toda vez que um jornalista o procurava (isso aconteceu em 1956, 1979 e 1988), ele dizia que sua pesquisa com o cérebro estava quase concluída e que ele deveria publicá-la no ano seguinte. Sua teoria era a de que o cérebro de um gênio deveria apresentar particularidades importantes.
Em 1997, um jovem escritor encontra o já octogenário patologista vivendo com sua namorada sessentona num sítio perto de Princeton, Nova Jersey. Ganha a confiança dele e começa a traçar a história do cérebro desde aquele dia em 1955.
Um dia, Harvey fala ao escritor que tem de fazer uma viagem para, entre outras coisas, devolver o cérebro à neta de Einstein, Evelyn, que mora na Califórnia. Ele se oferece para levá-lo, já que o patologista não dirige. Alugam um Buick Skylark, colocam o cérebro num tupperware e o tupperware no porta-malas do carro.
Viajam por 11 dias, rodando 6.500 quilômetros. Redescobrem a América. Devolvem os restos do cérebro à herdeira, que o entrega a cientistas, que chegam à conclusão de que não há nada de especial naquilo.
Tudo isso daria um excelente livro de ficção, mas realmente aconteceu assim como o descrito. O relato está em "Driving Mr. Albert - A Trip across America with Einstein's Brain" (Conduzindo sr. Albert - uma Viagem pela América com o Cérebro de Einstein), escrito por Michael Paterniti, um dos best sellers atuais do fim de verão norte-americano.
O escritor teve dificuldade em convencer os editores de que seu "On the Road" heterodoxo não se tratava de invenção e soube mesmo de alguns jornalistas que primeiro resenharam o livro tratando-o como ficção.
Casado, com um filho, Michael Paterniti é um jornalista free-lance com colaborações para as revistas "Esquire", "The New York Times Magazine", "Rolling Stone" e "Details". Atualmente vive em Portland, no Estado do Maine, nos Estados Unidos.
Em 1998, ganhou o National Magazine Award pelo artigo "Driving Mr. Albert", que havia publicado no ano anterior na "Harper"s Magazine". "Daí para fazer o livro foi natural", disse ele em entrevista à Folha.
"Para escrever a reportagem acabei deixando um monte de coisas de fora." Uma das críticas feitas a ele na época do lançamento do livro nos EUA, no mês passado, deriva exatamente daí.
O artigo seria a medida exata do interesse que o assunto causa; o livro se estendeu muito. Uma primeira leitura realmente passa essa impressão. O autor divaga um pouco demais, como se sua cruzada pelos Estados Unidos com o cérebro de Einstein no porta-malas precisasse ainda de mais metáforas para se justificar.
Outra foi o trocadilho infeliz do título com o filme "Driving Miss Daisy" (Conduzindo Srta. Daisy). "Vivemos num país livre, todo o mundo tem direito a sua opinião, mesmo que umas sejam menos generosas comigo do que eu gostaria", disse Paterniti.
Sua descrição dos detalhes surreais que cercam a confecção da reportagem/livro dariam eles próprios um outro livro. Por exemplo, o momento em que ele viu pela primeira vez o cérebro.
"Após a autópsia, Harvey dividiu o cérebro em 240 pedaços e os colocou em dois potes como os de biscoito", afirma Paterniti. À primeira vista, pareciam sopa de galinha, diz o autor. "Quando os vi, achei-os ao mesmo tempo hipnotizantes e nojentos."
Ou como ele chegou até Thomas Harvey. "A primeira vez que ouvi sobre o cérebro foi como uma lenda urbana, a que ninguém dava crédito", lembra Paterniti. Um dia, quando morava no Novo México, ele comentou o caso com o síndico de seu prédio. "Ah, essa história é verdade, eu conheço o sujeito que tem o cérebro. Ele mora perto do William."
William no caso era o escritor beat William S. Burroughs, e seu vizinho era Thomas Stoltz Harvey, que realmente tinha o órgão. Paterniti conta sua primeira impressão: "Antes de tudo, eu o definiria como um enigma e um exemplar acabado do típico excêntrico norte-americano."
Depois de várias visitas e da inevitável aproximação, o escritor soube que o patologista finalmente decidira devolver o cérebro aos herdeiros do físico. Se ofereceu para levá-lo e, para sua surpresa, Harvey aceitou. "Até que deu tudo certo, levei só uma multa por excesso de velocidade. Para nossa sorte, o guarda não quis revistar o porta-malas."
Agora, Michael Paterniti prepara-se para escrever seu primeiro livro de ficção, sobre um irmão e uma irmã presidiários. "Já que eu escrevi um livro de não-ficção sobre algo totalmente inverossímil, resolvi dar uma chance para a imaginação desta vez."


Driving Mr. Albert - A Trip across America with Einstein's Brain
192 págs. US$ 18,95
Michael Paterniti.
Dell Publishing Company.

Onde encomendar:
Em São Paulo, na Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/ 11/285-4033). No Rio de Janeiro, na Livraria Marcabru (r. Marquês de São Vicente, 124, tel. 0/xx/21/ 294-5994).
Na Internet: www.amazon.com ou www.bn.com


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