São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2000

Texto Anterior | Índice

Periscópio

Debate em torno da excitotoxicidade

José Reis
especial para a Folha

Mesa-redonda nos EUA reuniu neurocientistas para discutir questão que surgiu há 20 anos: a dos ácido aminados (ou aminoácidos, as unidades componentes das proteínas) que podem causar a morte de neurônios por excesso de excitação. Houve consenso quanto ao conceito de excitotoxicidade, porém surgiram divergências quanto à conveniência de proibir aditivos alimentares com excitotoxinas, como o glutamato monossódico (MSG).
Em 1969, o neurofisiologista John Olney, da Universidade de Washington, demonstrou que o MSG ministrado oralmente em dose única a ratos e macacos eleva o glutamato no sangue e provoca lesões no hipotálamo, região situada na base do cérebro que encerra muitos núcleos fisiologicamente importantes. O glutamato é um ácido aminado abundante na proteína que funciona como neurotransmissor excitativo: quando liberado por um neurônio, excita outras células nervosas. Se, porém, houver excesso, o estímulo pode ser tão forte que acarreta a morte do neurônio excitado.
Olney procurou convencer autoridades sanitárias a proibir o uso do glutamato como aditivo para acentuar o sabor de alimentos infantis. Segundo ele, uma criança de 10 kg poderia receber dose muito próxima da tóxica, de 1 g ou pouco mais de glutamato, numa porção de 160 g de sopa em cubinhos.
Estudos recentes mostram que o MSG pode provocar, em ratos, lesões hipotalâmicas causadoras de obesidade ou retardo de crescimento. Segundo Olney, a mesma proibição deveria estender-se ao aspartame como adoçante para crianças.
Compostos excitotóxicos de ação semelhante à do glutamato têm sido encontrados em alguns alimentos em teor capaz de causar dano cerebral como o observado em certas doenças. Significativo é o caso dos mexilhões, registrado no Canadá em 1987, -uma pequena epidemia de intoxicação que matou 4 pessoas e deixou 12 com perda de memória semelhante à da doença de Alzheimer.
Nos mexilhões consumidos encontrou-se alta dose de ácido domóico, análogo do glutamato. Os intoxicados que morreram tinham lesões no hipocampo, área do cérebro ligada à memória. Esse caso tem sido muito discutido, especialmente porque milhares de pessoas comem mexilhões sem apresentar doença.
Algumas populações da Ásia e da África, em tempo de fome, consomem um tipo de ervilha que encerra a beta-oxaloamino-alanina. Esta excitotoxina destrói os neurônios em certas partes do cérebro, provocando doença caracterizada por espasmos nos movimentos.
Outro caso interessante é o de uma doença neurodegenerativa que ocorre em Guam, a demência ALS (esclerose amiotrófica lateral) de Parkinson. Pesquisas em macacos revelam que a moléstia, que se parece com o mal de Parkinson e com a ALS, pode ser causada pela beta-metilamina-alanina (BMAA), presente numa semente consumida pelos nativos da ilha na fome decorrente da Segunda Guerra.
Como no caso dos mexilhões, essa causa é discutida porque pessoas que consumiram as sementes só manifestaram a doença muitos anos depois. Procura-se explicar esse fato pela alegação de que a morte dos neurônios causada pela ingestão da semente só se tornaria sensível quando o número de neurônios na parte lesada do cérebro caísse abaixo de um certo limiar, em vista da perda natural que a idade acarreta aos neurônios sãos.
O estudo das excitotoxinas do ambiente tem baseado tentativas de explicação de doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. Há quem imagine que tais doenças, inclusive Huntington (hereditária), possam resultar de anomalia adquirida ou hereditária no metabolismo do glutamato ou na sensibilidade de certos neurônios a ele. Num caso como no outro, poderia ocorrer estímulo excessivo e morte de neurônios.


Texto Anterior: Micro/Macro - Marcelo Gleiser: Independência, só de perto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.