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Periscópio
Debate em torno da excitotoxicidade
José Reis
especial para a Folha
Mesa-redonda nos EUA reuniu
neurocientistas para discutir
questão que surgiu há 20 anos: a dos ácido aminados (ou aminoácidos, as unidades componentes das proteínas) que podem causar a morte de neurônios por excesso de excitação. Houve consenso
quanto ao conceito de excitotoxicidade,
porém surgiram divergências quanto à
conveniência de proibir aditivos alimentares com excitotoxinas, como o glutamato monossódico (MSG).
Em 1969, o neurofisiologista John Olney, da Universidade de Washington,
demonstrou que o MSG ministrado oralmente em dose única a ratos e macacos
eleva o glutamato no sangue e provoca
lesões no hipotálamo, região situada na
base do cérebro que encerra muitos núcleos fisiologicamente importantes. O
glutamato é um ácido aminado abundante na proteína que funciona como
neurotransmissor excitativo: quando liberado por um neurônio, excita outras
células nervosas. Se, porém, houver excesso, o estímulo pode ser tão forte que
acarreta a morte do neurônio excitado.
Olney procurou convencer autoridades sanitárias a proibir o uso do glutamato como aditivo para acentuar o sabor de
alimentos infantis. Segundo ele, uma
criança de 10 kg poderia receber dose
muito próxima da tóxica, de 1 g ou pouco
mais de glutamato, numa porção de 160
g de sopa em cubinhos.
Estudos recentes mostram que o MSG
pode provocar, em ratos, lesões hipotalâmicas causadoras de obesidade ou retardo de crescimento. Segundo Olney, a
mesma proibição deveria estender-se ao
aspartame como adoçante para crianças.
Compostos excitotóxicos de ação semelhante à do glutamato têm sido encontrados em alguns alimentos em teor
capaz de causar dano cerebral como o
observado em certas doenças. Significativo é o caso dos mexilhões, registrado
no Canadá em 1987, -uma pequena
epidemia de intoxicação que matou 4
pessoas e deixou 12 com perda de memória semelhante à da doença de Alzheimer.
Nos mexilhões consumidos encontrou-se alta dose de ácido domóico, análogo do glutamato. Os intoxicados que
morreram tinham lesões no hipocampo,
área do cérebro ligada à memória. Esse
caso tem sido muito discutido, especialmente porque milhares de pessoas comem mexilhões sem apresentar doença.
Algumas populações da Ásia e da África, em tempo de fome, consomem um tipo de ervilha que encerra a beta-oxaloamino-alanina. Esta excitotoxina destrói
os neurônios em certas partes do cérebro, provocando doença caracterizada
por espasmos nos movimentos.
Outro caso interessante é o de uma
doença neurodegenerativa que ocorre
em Guam, a demência ALS (esclerose
amiotrófica lateral) de Parkinson. Pesquisas em macacos revelam que a moléstia, que se parece com o mal de Parkinson e com a ALS, pode ser causada pela
beta-metilamina-alanina (BMAA), presente numa semente consumida pelos
nativos da ilha na fome decorrente da Segunda Guerra.
Como no caso dos mexilhões, essa causa é discutida porque pessoas que consumiram as sementes só manifestaram a
doença muitos anos depois. Procura-se
explicar esse fato pela alegação de que a
morte dos neurônios causada pela ingestão da semente só se tornaria sensível
quando o número de neurônios na parte
lesada do cérebro caísse abaixo de um
certo limiar, em vista da perda natural
que a idade acarreta aos neurônios sãos.
O estudo das excitotoxinas do ambiente tem baseado tentativas de explicação
de doenças neurodegenerativas como
Parkinson e Alzheimer. Há quem imagine que tais doenças, inclusive Huntington (hereditária), possam resultar de
anomalia adquirida ou hereditária no
metabolismo do glutamato ou na sensibilidade de certos neurônios a ele. Num
caso como no outro, poderia ocorrer estímulo excessivo e morte de neurônios.
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