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Micro/Macro
Independência, só de perto
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Durante os anos 50, um dos grandes
sonhos da física, encontrar os componentes mais fundamentais da matéria,
estava se tornando um dos seus maiores
pesadelos. Isso porque a própria idéia de
que a estrutura da matéria pode ser compreendida pela combinação de alguns tijolos fundamentais não parecia ter mais
fundamento: experiências realizadas em
colisores de partículas, máquinas capazes de colidir prótons, elétrons e outras
partículas a velocidades próximas à da
luz revelaram centenas de novas partículas "elementares", as chamadas ressonâncias bariônicas, ou hádrons.
Como centenas de partículas não podem lá ser muito fundamentais, das
duas, uma: ou esses tijolos básicos de
matéria não existem, ou essas centenas
de partículas não são fundamentais.
Venceu a segunda hipótese. No início
da década de 60, o físico norte-americano Murray Gell-Mann propôs que os hádrons eram feitos de combinações de
partículas mais fundamentais, que ele, tirando a palavra de James Joyce, chamou
de quarks. Os seis tipos de quarks compõem as centenas de hádrons, da mesma
forma que o elétron, o próton e o nêutron, em números diferentes, compõem
os 92 elementos da tabela periódica.
Se o átomo é mantido coeso devido à
atração elétrica entre prótons e elétrons,
os hádrons são mantidos pela chamada
força forte, que atua nos quarks como
uma espécie de cola. Por exemplo, podemos imaginar um próton como se fosse
uma esfera com três quarks dentro, como sementes numa fruta. O interessante
é que os hádrons têm outra característica
que os torna semelhantes aos átomos.
Átomos são eletricamente neutros. O
próton não, mas os quarks carregam
também um outro tipo de "carga", que
chamamos de cor. Fora as duas cargas
elétricas (positiva e negativa), os quarks
podem ter três cores -vermelha, verde e
azul. Um hádron sempre tem cor neutra,
isto é, ele é feito de uma combinação das
três cores, ou de uma cor e sua anticor.
Anticor? Pois é, partículas têm suas antipartículas, com cargas inversas. Por
exemplo, o elétron, negativo, tem o pósitron, positivo. Antiquarks têm anticores.
Portanto, hádrons são mantidos coesos pela força forte, são neutros segundo
a carga "cor" e são compostos por
quarks e antiquarks. As semelhanças entre força forte e eletromagnética terminam aqui. A força forte só atua em distâncias nucleares, enquanto a força elétrica tem um alcance que cai com o quadrado da distância entre as duas cargas.
A propriedade mais misteriosa da força forte é o "confinamento". Segundo
observações experimentais e a teoria que
descreve a força forte, quarks jamais aparecem livres, sendo condenados a estar
sempre dentro de hádrons. A força forte
atua de tal modo que, apenas quando os
quarks estão muito próximos eles, se
comportam como partículas livres.
Quando tentamos separá-los, a atração
fica cada vez mais forte, como uma mola.
Se continuarmos a tentar separá-los, a
energia que depositamos nos quarks
acaba por criar mais quarks, como a mola que se quebra em duas. Isolar um
quark é como responder ao enigma Zen:
"Qual é o som de uma mão aplaudindo?"
Essa propriedade de confinamento representa um grande desafio aos teóricos
que tentam calcular, por exemplo, a
massa do próton. A teoria, chamada cromodinâmica quântica (QCD), aludindo
às cores dos quarks, baseia-se na idéia de
que a interação entre quarks se dá por
troca de partículas chamadas glúons, da
mesma forma que a interação elétrica se
dá pela troca de fótons. A diferença entre
fótons e glúons é que os glúons podem
interagir, sendo de alguma forma responsáveis pelo confinamento.
Os cálculos envolvidos são extremamente complexos, exigindo supercomputadores capazes de realizar trilhões de
operações por segundo (teraflops), os
mais rápidos do mundo. Mesmo assim,
ainda não se conseguiu calcular a massa
do próton, teste fundamental da QCD.
Mas evidências experimentais variadas e
resultados numéricos preliminares dão
confiança aos proponentes da QCD, a
teoria de um mundo bizarro onde a liberdade só é possível muito de pertinho.
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