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+Sociedade
Preto no branco
Situação de calamidade
no Zimbábue faz população ter saudade do velho regime, branco
e racista, diz jornalista
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NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES", EM HWANGE (ZIMBÁBUE)
Eis um indicador da
destruição que o presidente Robert Mugabe vem causando no
antes próspero Zimbábue. Em uma semana de reportagens realizadas aqui de
maneira sub-reptícia (cometer
jornalismo pode ser delito criminal no Zimbábue), pessoas
comuns com quem conversei
repetiram inúmeras vezes que
a vida era melhor sob o velho
regime, branco e racista, do
país então chamado Rodésia.
"Quando o país mudou de
Rodésia para Zimbábue, ficamos muito entusiasmados",
disse um homem, Kizita, na aldeia formada por casas de paredes de barro em que vive,
perto de Hwange, uma cidade
no oeste do país.
"Mas não percebemos que
aqueles a quem estávamos expulsando eram melhores, e que
os que estávamos colocando no
poder nos oprimiriam".
"Teria sido melhor se os
brancos continuassem a governar, porque o dinheiro teria
continuado a entrar", acrescentou um vizinho, um agricultor de 58 anos de idade chamado Isaac. "Era melhor na época
da Rodésia. Pelo menos havia
empregos. As coisas eram mais
baratas nas lojas. Agora não temos dinheiro nem comida."
Barry Bearak, um colega do
"New York Times", foi aprisionado aqui em 2008 por suas reportagens, e por isso usei um
passaporte novo para entrar no
país como turista.
Em parte para proteger minha segurança, evitei entrevistar pessoas conectadas ao governo, de modo que não posso
estar seguro de que meu vislumbre do clima reinante entre
o povo seja representativo.
As pessoas com quem conversei temiam muito por sua
segurança pessoal caso citadas
-um medo muito maior do
que existia no passado. É por
isso que sou impreciso quanto
a locais e concordei em não citar nomes completos.
Mas o que fica claro é que o
Zimbábue decaiu muito nas últimas décadas (embora tenha
melhorado ligeiramente ante a
situação terrível que existia
dois anos atrás).
O sistema de educação e saúde, um dia impressionante, está arruinado, e a expectativa de
vida caiu de 60 anos em 1990
para entre 36 e 44, a depender
das estatísticas.
Sem remédio, sem escola
Na aldeia de Kizita, por
exemplo, fui apresentado a
uma mulher de 29 anos de idade e grávida de sete meses que
estava sofrendo de malária.
Ela e o marido caminharam
mais de seis quilômetros para
chegar à clínica mais próxima,
onde um teste demonstrou que
era portadora de malária.
Mas a clínica se recusou a lhe
fornecer o remédio que poderia
salvar sua vida, a menos que ela
pagasse US$ 2, e ela não tinha
dinheiro nenhum em casa. Por
isso, febril, ela caminhou de
volta por mais seis quilômetros, de mãos vazias.
Por coincidência, dias antes
eu havia visitado a clínica a que
ela recorreu. As enfermeiras da
instituição se queixaram de escassez crônica de bandagens,
antibióticos e leitos.
Disseram que, para sobreviver, precisavam cobrar taxas
dos pacientes clínicos, pelas
consultas de planejamento familiar, pelos cursos pré-natais
e a consequência é que os aldeões empobrecidos morrem,
porque não podem pagar.
Também passei algum tempo em uma escola primária na
qual o número de alunos despencou porque muito poucos
pais são capazes de pagar a
anuidade de US$ 36.
"Não temos carteiras de estudo. Não temos cadeiras. Não
temos livros", explicou a diretora. A escola tampouco dispõe
de água ou energia elétrica.
O Zimbábue é abençoado
com um povo amistoso, uma
fauna extraordinária e baixa
criminalidade. A tragédia que
vem se desenrolando aqui pode
ser revertida, se Mugabe for
obrigado pela pressão internacional, especialmente da África
do Sul, a realizar eleições livres.
Foi a pressão mundial que levou o opressivo regime rodesiano a abandonar o poder três
décadas atrás. Agora, é preciso
pressão igual, tanto dos países
ocidentais quanto dos africanos, para que Mugabe deixe de
sufocar seu adorável país.
Tradução de Paulo Migliacci.
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