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Tristeza evolutiva
Dupla defende que depressão é traço positivo moldado pela evolução
Aristóteles notou que grandes pensadores costumam ter índole depressiva
DA REPORTAGEM LOCAL
Nos levantamentos
epidemiológicos
sob critérios da
Associação Psiquiátrica Americana, tipicamente cerca de 17%
das pessoas acabam sendo
diagnosticadas com depressão
em algum momento de suas vidas. O número é razoavelmente constante na maior parte
dos EUA e onde quer que o método seja reproduzido. Para
muitos cientistas, isso revela
uma entre duas coisas: ou uma
epidemia de tristeza, ou uma
falha no sistema diagnóstico.
Em um artigo na última edição da revista "Psychological
Review", da Associação Psicológica Americana, uma dupla
de cientistas elenca uma série
de evidências em favor da segunda hipótese. J. Anderson
Thomson e Paul Andrews, da
Virginia Commonwealth University, adotam a perspectiva
da psicologia evolutiva para investigar o que Darwin e a teoria
da evolução teriam a dizer sobre episódios de depressão.
"Acreditávamos que dificilmente um traço tão prevalente
na população poderia ser considerado doença", disse Andrews à Folha. Apresentando
um arsenal de referências a estudos de genética, neurociência e farmacologia (e literatura
das psicologias cognitiva, comportamental e clínica), a dupla
chega a uma conclusão: "a depressão é uma adaptação que
evoluiu para analisar problemas complexos".
Andrews explica que a literatura científica dá apoio à ideia
de que a depressão induz pessoas a pensarem de maneira
analítica e "ruminativa", o que
as ajuda a solucionar problemas complexos. O benefício do
sofrimento melancólico seria o
aumento da capacidade de lidar com a desgraça que o causou. "Dilemas sociais são particularmente fortes em sua capacidade de induzir depressão."
Não é uma ideia propriamente nova, reconhece Andrews, lembrando ela remonta
à Grécia Antiga. "Aristóteles
notou que grandes pensadores
com frequência tinham uma
personalidade de tendência depressiva", afirma. O psicólogo
diz esperar que seu extraordinário corpo de evidência "biológica", porém, comova os psiquiatras mais do que os textos
da Antiguidade Clássica.
Contra o diagnóstico
Outro livro lançado neste
mês que ataca o modo como
psiquiatras têm lidado com a
depressão é "Doctoring the
Mind" (Medicando a Mente),
de Richard Bentall, psicólogo
clínico da Universidade de
Bangor (Reino Unido).
O britânico, que diz não ser
"contra drogas" por princípio,
reconstrói uma história da psiquiatria apontando como a teoria vigente sobre depressão e
seus protocolos de tratamento
farmacológico foram moldados
mais pelos fracassos do que pelos sucessos dessa disciplina.
Questionado sobre se os psicólogos não deveriam construir
seu próprio manual de diagnósticos como reação, Bentall dá
de ombros. "Não precisamos de
coisas como o DSM", diz. "Minha abordagem é pôr o foco em
cada sintoma das pessoas, em
vez de tentar dar um diagnóstico que abarque todos eles."
Convencer os planos de saúde privados disso, porém, é um
problema, admite o psicólogo.
E a pressão da indústria farmacêutica sempre vai existir.
Para ele, o grande desafio
agora é transformar o debate
corporativo em um científico.
Segundo ele, há algum motivo
para otimismo, já que o panorama acadêmico de "batalha" entre psiquiatras e psicólogos já
não é tão real. "Conheço alguns
psiquiatras que concordam
com minhas ideias, e conheço
alguns psicólogos que não."
(RG)
LIVRO - Doctoring the Mind
Richard Bentall; New York University Press; 384 págs. US$ 30
LIVRO - The Emperor's New Drugs
Irving Kirsch; Bodley Head; 230
págs. US$ 19
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