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Avanços nas pesquisas sobre clonagem e baixo custo de produção devem arrastar
Estados e grupos terroristas a uma corrida nova e fatal às armas biológicas
Bioterrorismo high-tech e revolução genética
por Jeremy Rifkin
0 sequestro de aviões de carreira para serem
em seguida usados como mísseis alimentou
todos os nossos temores. Hoje os americanos
se preocupam com uma ameaça nova, ainda
mais mortífera: uma chuva de bactérias e vírus sobre as
zonas habitadas do país, contaminando e matando milhares de pessoas. O FBI afirma que, nas semanas que
antecederam o dia 11 de setembro, vários dos piratas aéreos envolvidos no ataque às torres do World Trade
Center tinham feito repetidas visitas a um hangar que
abrigava aviões usados na pulverização agrícola.
A acreditarmos nos proprietários dos aviões, os terroristas teriam se informado sobre a capacidade, a autonomia de vôo e a facilidade de uso desses aviões especializados. O FBI imediatamente proibiu de voar os
3.500 aviões desse tipo pertencentes a particulares no
país, enquanto buscava informações mais completas.
Ao mesmo tempo, algumas universidades -entre elas
as de Michigan, Penn State, Clemson e do Alabama-,
temendo um ataque com armas bacteriológicas, proibiram qualquer aeronave de sobrevoar seus estádios durante as partidas de futebol americano.
Em Washington, os políticos se esforçam ao máximo
para responder à crescente angústia da população. Verbas são destinadas à formação de estoques de antibióticos e vacinas, e medidas de urgência são tomadas nos
hospitais e nas clínicas do país.
Infelizmente, porém, políticos, especialistas militares
e a mídia vêm até agora evitando encarar uma realidade
bem mais preocupante, situada no centro dos novos temores suscitados pelo bioterrorismo. As novas descobertas relativas ao genoma e sua utilização comercial
para manipulações genéticas nos campos da agricultura, da pecuária e da medicina têm o potencial de ser
transpostas para o desenvolvimento de uma vasta gama
de novos agentes patogênicos, capazes de atacar as populações vegetal, animal e humana.
Além disso, à diferença das armas nucleares, os componentes e as ferramentas necessárias para a fabricação
de armas biológicas são fáceis de encontrar e custam
pouco, razões pelas quais esse tipo de arma frequentemente é descrito como "a bomba atômica do pobre". É
possível montar um laboratório biológico de ponta e
torná-lo operacional com apenas US$ 10 mil em equipamentos adquiridos no comércio, sendo que tudo cabe num cômodo de 4 por 5 metros. Basta dispor de uma
cuba de fermentação, de uma cultura à base de proteína, de um avental de plástico e uma máscara de gás.
Outro fato igualmente assustador é que, nos laboratórios universitários de todo o mundo, milhares de estudantes de terceiro grau sabem o suficiente sobre as utilizações possíveis do DNA recombinado e as técnicas de
clonagem para conseguir preparar armas desse tipo e
produzi-las em grande escala.
Ironia da história: enquanto a administração Bush
hoje manifesta grande receio diante do perigo do bioterrorismo, ainda há poucos meses a Casa Branca causava espanto na comunidade internacional ao rejeitar
novas propostas que visavam a reforçar a convenção
sobre as armas biológicas e as toxinas. As negociações
esbarraram nos protocolos de verificação que teriam
autorizado governos a inspecionar os laboratórios de
biotecnologia americanos. Cerca de 40% dos laboratórios farmacêuticos e de biotecnologia do mundo inteiro
ficam nos Estados Unidos, e eles deixaram claro para os
negociadores americanos que não iriam tolerar nenhuma espécie de controle de suas instalações, devido aos
riscos de espionagem industrial.
A ruptura das negociações denota o mal-estar provocado por uma situação nova que nenhum de nós parece
estar disposto a enfrentar. No futuro, as aplicações destrutivas da recente revolução biotecnológica serão tão
espetaculares quanto seus usos positivos. A arma biológica requer a utilização de organismos vivos para fins
militares. Podem ser vírus, bactérias, cogumelos, rickettsiáceos ou protozoários.
Opção viável Esses agentes biológicos podem passar por mutações, reproduzir-se, multiplicar-se e propagar-se por uma área geográfica extensa, carregados
pelo vento, pela água, por insetos, animais ou seres humanos. Uma vez libertos, vários agentes biológicos patogênicos são capazes de formar nichos e manter-se no
ambiente por tempo indeterminado. Os agentes clássicos incluem a Yersinia pestis, ou peste, a tularemia, a febre do vale do Rift, a Coxiella burnetii (febre Q), a encefalite equina oriental (peste equina) e a varíola.
As armas biológicas nunca foram amplamente usadas
até hoje devido ao perigo e ao custo ligados ao tratamento e à estocagem de grandes quantidades de agentes tóxicos. Entretanto os progressos feitos na área das
tecnologias de engenharia genética nos últimos dez
anos tornaram a guerra biológica uma opção viável, pela primeira vez.
Existem várias maneiras de fabricar armas a partir do
DNA recombinado; são as chamadas "designer weapons" -ou armas biológicas artificialmente criadas. A
biotecnologia permite a programação de genes em microorganismos para aumentar sua resistência a antibióticos, sua virulência e sua estabilidade no ambiente. É
possível inserir, nos organismos, genes que afetam as
funções reguladoras que controlam o humor, o comportamento e a temperatura corporal. Cientistas visualizam a possibilidade de clonar toxinas seletivas, com o
objetivo de eliminar grupos étnicos e raciais precisos
cujo genótipo os predispõe a certas doenças.
A engenharia genética também pode servir para destruir espécies vegetais cultivadas ou gado criado, quando o objetivo é destruir a economia de um país. As novas técnicas de engenharia genética criam uma variedade muito grande de armas que podem ser utilizadas para fins militares diversos, desde o terrorismo e as operações antiinsurrecionais até a guerra em grande escala
contra populações inteiras.
Distinção impossível A maioria dos governos, incluindo o dos Estados Unidos, afirma que seus esforços
no campo das armas biológicas são de natureza puramente defensiva e observam que a pesquisa defensiva é
autorizada pelo tratado atual sobre as armas biológicas.
Mas é fato amplamente reconhecido que a distinção entre pesquisa defensiva e pesquisa ofensiva é virtualmente impossível nessa área. Escrevendo há alguns anos no
"Bulletin of Atomic Scientists", Robert L. Sinsheimer,
biofísico de renome e reitor da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, observou que, em razão da natureza
desse tipo particular de experimentos, não existe nenhuma maneira satisfatória de distinguir as utilizações
pacíficas e as militares de toxinas mortais.
O estudo sistemático de armas químicas e biológicas
conduzido pelo Instituto Internacional de Pesquisas sobre a Paz, em Estocolmo, confirma a opinião de Sinsheimer, ao concluir que "certos modos hoje utilizados de
produção de vacinas são tecnicamente muito próximos
aos métodos de produção de armas biológicas; logo,
oferecem possibilidades de desvio muito fácil".
Assim, a convenção atual sobre as armas biológicas e
as toxinas está seriamente comprometida, mesmo sem
levar em conta o problema dos protocolos de verificação e adequação.
Observadores militares profissionais não se mostram
otimistas quanto à possibilidade de estabelecer uma divisória estanque entre a revolução genética e as finalidades bélicas. Como instrumento de destruição em massa, a arma genética autoriza a comparação com a bomba atômica, e seu custo de produção é infinitamente
menor. Esses dois fatores bastam para fazer da tecnologia genética a arma ideal do futuro próximo.
Um estudo conduzido pelo governo dos Estados Unidos em 1993 mostrou que cem quilos apenas de esporos
de antraz lançados de um avião sobre Washington seriam suficientes para matar 3 milhões de pessoas. Num
estudo de 1995, a CIA informou que 16 países eram suspeitos de tentar produzir arsenais bacteriológicos: Iraque, Irã, Líbia, Síria, Coréia do Norte, Taiwan, Israel,
Egito, Vietnã, Laos, Cuba, Bulgária, Índia, Coréia do
Sul, China e Rússia.
Disseminação acidental Na medida em que o
domínio das manipulações genéticas se torna mais sofisticado e mais acessível, é verossímil prever que a próxima geração será arrastada para uma nova e fatal corrida às armas biológicas. O número cada vez maior de experiências com armas genéticas realizadas em laboratórios de todo o mundo, quer sua perspectiva seja defensiva ou ofensiva, faz crescer a probabilidade de uma disseminação acidental.
Nenhum laboratório é imune a falhas, mesmo que
suas condições de segurança sejam draconianas. Catástrofes naturais, como inundações e incêndios, são possibilidades inescapáveis, sem falar das desobediências
às regras. É igualmente verossímil que, um dia, terroristas e criminosos possam recorrer às novas armas genéticas para semear o terror e o caos, com o objetivo de obrigar a sociedade a ceder a suas exigências.
Na semana que vem, 143 países vão se reunir em Genebra para rever a convenção de 1972 sobre as armas
biológicas e as toxinas. Nos seis anos passados os governos se reuniram num esforço para tornar mais rígidos
os termos do tratado. A verificação da ausência de armas biológicas e a imposição dos protocolos previstos
pelo tratado vão fazer parte da pauta da reunião.
Os negociadores que irão a Genebra, entre eles os delegados americanos, precisam ter consciência da gravidade potencial da situação e agir de acordo. Em primeiro lugar, devem cobrir a séria lacuna existente nas disposições atuais e que autoriza os governos a conduzir
pesquisas defensivas, quando, na prática, boa parte dessas pesquisas é potencialmente adaptável a finalidades
ofensivas.
Em segundo lugar, a preocupação econômica compartilhada pelos Estados Unidos e empresas de biotecnologia em todo o mundo de proteger seus segredos industriais e outras informações comerciais não deve
mais permitir que sejam infringidos os protocolos de
verificação que visam impor o respeito às disposições
da convenção sobre as armas biológicas e as toxinas.
Chegou a hora de agir com firmeza e fazer o que é preciso. Temos o direito de pensar que a saúde da civilização humana vale mais do que os mesquinhos interesses
de um punhado de empresas.
Jeremy Rifkin é economista americano, presidente da Fundação de
Estudo das Tendências Econômicas, em Washington. É autor de "A Era
do Acesso - A Nova Cultura do Hipercapitalismo" e "O Século da Biotecnologia" (ambos pela ed. Makron Books).
Tradução de Clara Allain.
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