|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+Sociedade
Debate aquecido
Ao ironizar a poluição causada por ONG ambiental, mídia ignora possibilidade de mudanças no planeta
MICHAEL KEPP
COLUNISTA DA FOLHA
Parte da mídia de massa, inicialmente cética sobre as advertências apocalípticas dos
ambientalistas sobre
o aquecimento global, hoje os
ataca por continuar chamando
a atenção para o problema. Sua
estratégia é tão transparente
quanto um truque de um mágico ruim.
Sempre que um grupo verde
organiza um protesto ou patrocina um evento para aumentar
a consciência sobre a mudança
climática, essa mídia se concentra nos gases do efeito estufa (GEE) emitidos por suas atividades para afirmar que ele
faz parte do problema, não da
solução.
Essa estratégia foi usada por
uma apresentadora do telejornal da TV Cultura e por uma
reportagem do jornal "O Globo" para criticar um recente
protesto do Greenpeace.
O foco das críticas foram as
GEEs emitidas por um engarrafamento causado quando ativistas da ONG estenderam
uma faixa enorme na ponte
Rio-Niterói para fazer um alerta sobre o aquecimento global
para os integrantes do G20.
Efeito reverso
Essa foi a estratégia usada
por alguns grupos de mídia dos
EUA para criticar a Hora da
Terra, um evento ocorrido em
28 de março e patrocinado pelo
Fundo Mundial pela Natureza.
Em todo o mundo, luzes e
aparelhos elétricos não-essenciais foram desligados em residências e em pontos marcantes, entre 20h30 e 21h30, para
aumentar a consciência sobre
como o uso da eletricidade alimenta o aquecimento global.
Alguns jornais disseram que
o planejamento da Hora da
Terra aumentou as emissões de
GEE mais do que elas foram reduzidas por apagar as luzes.
Do mesmo modo, o canal de
notícias Fox News chamou a
atenção para as altas contas de
eletricidade e as extensas viagens de avião do ativista contra
o aquecimento global Al Gore.
Se Gore acreditasse em sua
causa, afirmou a rede, usaria
lâmpadas e aparelhos que poupam energia e voaria menos.
Algumas reportagens adotaram uma posição semelhante
ao notar que os participantes
de conferências internacionais
sobre mudança climática aumentam as emissões de GEE ao
viajarem de avião.
Lógica estranha
Usando essa lógica, todo ativismo ligado à mudança climática deveria acabar porque aumenta as emissões de GEE.
Por essa lógica, todos os ativistas ambientais são poluidores irresponsáveis.
Se isso fosse verdade, por que
as ONGs que participam de
conferências ambientais compram créditos de carbono -por
exemplo, investindo em projetos de redução de GEE- para
neutralizar as emissões lançadas pela ida a esses eventos?
ONGs como o Greenpeace
também fizeram da redução do
desflorestamento da Amazônia
uma campanha central porque,
se incluirmos as emissões de
CO2 do desmatamento, o Brasil
é o quarto maior emissor de
GEEs do mundo, depois de
China, EUA e Indonésia.
Em 2007, o Greenpeace e oito outras ONGs pressionaram
o governo para adotar seu Pacto de Desmatamento Zero, um
plano para conter a destruição
da Amazônia até 2015.
O governo o recusou por causa dos custos e de suas metas
antidesmatamento, mas em
dezembro de 2008 lançou seu
próprio Plano Nacional de Mudança Climática, com metas
mais modestas.
Bomba-relógio
Parte da grande mídia ignora
esses esforços da mesma maneira que tende a não divulgar
indústrias poluentes que se recusam a mudar para processos
de produção menos poluentes e
produtos de maior eficiência
energética.
São essas indústrias e países,
como os EUA e a Austrália, que
se recusaram a assinar o Protocolo de Kyoto, e não os grupos
verdes, os culpados pelo aumento das emissões de GEE.
Muitas reportagens não nos
lembram que, embora as ameaças de recessão global ou de
uma bomba terrorista sejam
mais imediatas que as representadas pelo aquecimento
global, ele também é uma bomba-relógio com consequências
muito mais devastadoras.
A reportagem de "O Globo"
também não nos contou que a
Polícia Rodoviária, que bloqueou a ponte Rio-Niterói para
deter os manifestantes, foi a
principal causa do engarrafamento de 18 quilômetros.
Por isso, se você foi um dos
motoristas irritados que empacaram na ponte durante o protesto, seria mais produtivo se
concentrar em sua mensagem
-de que nosso tempo está acabando- do que em seu mensageiro inconveniente.
Texto Anterior: +Autores: A fênix Stálin Próximo Texto: Poder e prazer Índice
|